E então a galera morava na Casa do Estudante. A Casa do Estudante era um “zoológico” perfeito. Uma velha dádiva do Governo do Estado ao estudante pobre, do interior. Tinha gente de todos os quadrantes. Maranhenses, piauienses, cearenses e outros estrangeiros. Os maranhenses do interior predominavam. A Casa do Estudante era de uma democracia nata, invejável, única. Cada um sabia e cuidava de si. Ninguém vivia regrando ninguém. Não havia culpado/s nem punição. Volta e meia, como em ambientes coletivos, sempre uma brincadeira mais ácida. Nada, porém, que beirasse o intolerável. Também, não havia brigas nem disputas ...
Domingos Aroucha era filho de Patrocínio Aroucha. Naquele rincões quando falava em “Patussino Arôcha”, o nome já dizia tudo: era briga, era cachaçada, encrenca e confusão. E sai de perto e sai de baixo. “Patussino” não deixava barato. Metia “bogue”, pontapé, panada-de-facão, mas não era de matar ninguém. “Te livra de Patussino Arôcha”, que tu é quem sai ganhando. Era assim “meu tio Patussino”. De um pequeno pedaço de pau, Patussino Arôcha fazia uma arma e encarava qualquer um, bastava estar com uma ou duas cachaças no juízo e ficar arreliado. O resto tirava de letra, ao ...
Antônio de Leôncio, meu colega de infância e amigo fichado até hoje e morador do mesmo lugar onde nasceu, é um roceiro encroado como os demais. Infância e juventude e a vida inteira na roça. Tirou um tempo nesse meio de caminho e foi aprender o ofício de carpinteiro com o mestre Antônio LAMBEDEIRA, tornando-se um morador de dentro da casa do mestre. Era um aprendiz aplicado em tempo inteiro. Dedicado, ganhou confiança e aprendeu o ofício. E quando passou a tocar a vida por contra própria, casou-se com FILHINHA, igualmente minha amiga, até hoje. Antônio ...
Era mês de abril. Era um tempo em que morávamos naquelas terras, nas capembas do meio do mato, que ali já encontramos batizada com o nome de “CENTRINHO”, para onde mudamo-nos a tribo inteira – pai e mãe e uma “penca” de filhos, uns oito. Uma reles e apertada e esticada vereda ia acabar em nossa porta. E, numa outra alternativa, dava uma volta um pouco à frente e saía num pequeno povoado que ali chamava-se “Vila Pereira”, nesta onde moravam espremidos os filhos e netos e genros e noras de uma decana matriarca e viúva, Dona ...
- Senhor ladrão: receba, ironicamente, as minhas cordiais saudações. Aprendi que humanos devem ser humanitários, ainda que nas adversidades, até porque o hilário é próprio das hilaridades que a vida oferece. - Escrevo-te estas maltraçadas linhas e publico nestas colunas porque não tenho o seu real endereço, como bem assim é próprio dos seres sem rosto, sem cara. E veja, seu ladrão, como são as coisas: enquanto uns tantos vivem a céu aberto, outros tantos escondem-se, camuflam-se a esse mesmo céu aberto. São essas as hilaridades da vida. O senhor entende? Faz exatas cinco semanas ...
Anos 70 e eu cursava Direito. E, já vindo de algum tempo, publicava uns textos no jornal e no rádio. E era, como sempre fui, “encasquetado” com essa coisa do jornalismo, da imprensa. Era como diz o caboclo do meu lugar: “nunca dei pra nada”, mas estava lá... pelo meio. Na casa do estudante, onde a gente morava, volta e meia aparecia por ali um professor, eloquente, falaz, vozerio que se espalhava pela casa. Numa dessas, lá pelo meio do ano, como que lançando uma provocação ou um aviso sei-lá-o-que, disse que a Academia Maranhense de ...
Deveria ser final dos anos 90 e quando chego em casa, observo que um novato vizinho ali ao lado exercia trabalhos de “capotaria”. Era capoteiro. Ficamos em singulares bom-dia, boa-tarde. Tempos depois, esse mesmo senhor mudou-se com a sua oficina e estabeleceu-sem em frente ao nosso escritório. Despertou-me aquela coincidência e lá se vão outros bom-dia, boa-tarde. E quando então já não éramos mais vizinhos e ele bem distante, o tempo cuidou da nossa aproximação. Fui ver então que aquele senhor, que atendia por DIQUINHO, era um cara versátil, simpático, livro-aberto, extrovertido, bem-humorado, sem frescura. E ...
Jerônimo de Joana era o que na minha terra, naquele tempo, chamava-se de “preto”. Um adjetivo pela cor da pele. Hoje, com os novos ventos, chamar de “preto” é ofensa moral. Então, Jerônimo de Joana é um “afro-descendente”. E é. Filho de JONA DE GI, neto de “mãe-Carolina”, esta que com o seu vozerio arrastado, tom nasal, sotaque forte, jactanciava-se ao dizer que “ainda peguei uma pontinha da escravatura”. Então, Jerônimo de Joana é um legítimo afro-descendente. Jerônimo era um crioulo de meia-idade, analfabeto e roceiro como todos ali, em meio à sua parentalha. “Presepeiro”, tirava ...
Viegas, Clemente Barros. (São Clemente papa e mártir). CLEMENTE vem do Almanaque de Bristol, antiga publicação do laboratório farmacêutico. Estudou as primeiras letras na escola da palmatória e dos joelhos ao chão, no sertão. Concluiu o curso primário (na terra natal), no tempo em que a escolaridade era levada a sério. Foi menino de recado e de mandado. Nos cursos Secundário e Técnico no internato da Escola Federal, onde ingressou via do “Exame de Admissão”. Cursou Direito, num tempo em que não havia celular, nem internet, nem FIES, nem as vantagens atuais. Não tinha livros, escrevia em papéis avulsos, taquigrafava as aulas ao verbo dos professores. Morou em casas de estudantes e cortiço, andava a pé, driblou o bonde, poucas roupas, curtiu a “Zona” e jamais dirá que “comeu o pão que o diabo amassou”. Trabalha desde os cinco anos, com intervalo dos onze aos vinte anos. Está na casa dos 73. Não brincou quando criança ou adolescente e na vida adulta tem três brinquedos que os leva a sério: 1 - Escreve a coluna CAMINHOS POR ONDE ANDEI; 2 - Escreve a crônica PÁGINA DE SAUDADE, Rádio Mirante/AM, domingos, há mais de dez anos; 3 - Tem uma “rádio”, com antena de 300 mm de altura, 1.000 a 1500 mm de alcance, com dois ou três ouvintes que, como você vê, “um que pode ser você”. É o rastro e a sombra de si mesmo. É o filho que veio e os pais que se foram. Superou milhares de concorrentes para nascer. É mais um na multidão e considera-se a escrita certa por linhas tortas, na criação do CRIADOR. Cumprimenta os seus interlocutores com votos de “saúde”! E diz aos semelhantes todos os dias que “...a vida continua”. (•) Viegas questiona o social.
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