- Senhor ladrão: receba, ironicamente, as minhas cordiais saudações. Aprendi que humanos devem ser humanitários, ainda que nas adversidades, até porque o hilário é próprio das hilaridades que a vida oferece.
- Escrevo-te estas maltraçadas linhas e publico nestas colunas porque não tenho o seu real endereço, como bem assim é próprio dos seres sem rosto, sem cara. E veja, seu ladrão, como são as coisas: enquanto uns tantos vivem a céu aberto, outros tantos escondem-se, camuflam-se a esse mesmo céu aberto. São essas as hilaridades da vida. O senhor entende?
Faz exatas cinco semanas e, naquele sábado, a céu aberto, em frente à minha casa, na rua, você roubou, quer dizer, furtou um grupo gerador, Toyama, 1.200 vatts, em estado de novo, pouco usado, que encontrava-se sobre uma camioneta Saveiro. É, como você houvera de dizer: “GANHEI isso aí”. Enquanto eu dou um duro danado para adquirir e pagar a coisa, você “GANHA”. E ainda vangloria-se: “ganhei na boa”. E “ganhou”. São essas, seu ladrão, as hilaridades da vida.
Quando dei pelo teu gesto, quer dizer, quando me toquei que havia sido “roubado”, em princípio, claro, você há de compreender, fiquei “chateado”, pê da vida, mas... fazer o quê, né? Tive que segurar-me na conformação, mesmo que inconformado, até porque aprendi com essa vida de tantas hilaridades que “vão-se os anéis e ficam os dedos”. Afinal, a gente tem que saber ganhar e saber perder. Fazer o quê? Perdeu tá perdido. Mas, daí por diante, minha cabeça girou os quatro cantos do Bairro CAEMA, onde eu imagino que você se esconde. E eu via tantas gentes... e pessoas... mas você ali no meu imaginário era um homem sem rosto. Qual um túnel na escuridão. Você entende? São essas as hilaridades da vida.
Também ali na sofreguidão de quem se vê roubado, era como se você estivesse dizendo que eu era (e sou) um tremendo Mané. E sou! E você dizendo que “GANHOU” aquela máquina, na moleza, na cara-limpa, no meio da rua, sentindo-se um herói e dizendo para si e para os seus comparsas e outros da mesma trapaça que eu sou um “VAGABUNDO”. Não é assim como você costuma tratar as suas vítimas? De “VAGABUNDO”? São essas as hilaridades da ida!
Pois é, seu ladrão, você “GANHOU” aquele gerador, portátil, bacana, 1.200 watss que a esta altura já vendeu, quem sabe, por um cem reais no máximo ou até mesmo cinquenta reais. E, com essa dinheirama, vai fazer o quê? “Comprar umas pedras”... “um mato”... curtir um baseado ou coisa assim. E tudo isso, certamente, já virou fumaça há muito tempo. Veja como são as coisas, seu ladrão: enquanto aquele gerador para mim era um utensílio de valor a meu serviço, pelo qual paguei preço real, com dinheiro limpo, vindo do trabalho - para você que o “GANHOU”, aquilo foi apenas um “cesto”, em meio a tantos, porque “cesteiro que faz um cesto faz um cento”. Esse é o teu ofício.
Imaginemos, por exemplo, que você fizesse como fazem outros tantos por aí e, dado mais um golpe e me oferecesse em troca de dinheiro o meu próprio gerador que o senhor “ganhou” de mim! Acredite, cara, você ganharia “dinheiro limpo”. E quem sabe até mesmo com mais vantagem em relação à venda para o seu RECEPTADOR. E, nessa esteira e nos finalmente, “ganharia” você e eu. Mas eu entendo, seu ladrão, o seu RECEPTADOR é seu freguês, é contumaz; vocês são crias e produtos um do outro. É ele quem dá asas e alimenta o teu vício, mas uma coisa é certa: o dia em que tua casa cair ele será o primeiro que vai te renegar e dizer na sua cara: “tou fora”!!!
Outra coisa, seu ladrão: não vou nem prestar queixa na polícia. Não por nada, mas é porque eu não acredito que a polícia vá se dá ao incômodo ou ao desplante de sair por aí ao teu encalço, “perdendo tempo”, gastando combustível. Pra quê?! Então, de minha parte, na contramão cidadã, o senhor pode dormir sossegado – como certamente, em sossego é como dorme – porque a falta de caráter é fonte de sossego neste chão, como a gente tem visto por aí. Mais outra coisa seu ladrão: já que eu não acredito num suposto incômodo que a polícia teria teu encalço, eu também poderia contratar uma milícia particular para recuperar o meu gerador. Aí, seu ladrão, você sabe, né? O jogo seria outro. O senhor entende?
Mas não faço isso nem posso fazer. Isso atentaria contra os meus princípios, contra a minha razão, valores que você não sabe sequer para onde vão. E, então, não entro em detalhes. Depois disso, seu ladrão, fazer você “vomitar” um gerador de 1200 wats, assim de um hora para outra, seria uma tarefa indigesta, com consequências funestas. E aí a polícia é que se daria ao direito de partir para cima de mim. Eu heim, qual na linguagem do teu RECEPTADOR na hora que a casa de vocês caírem: “Tô fora”!!!
Apesar de todo esse “latinórium” entre resignado e irresignado que vou deslanchando neste enredo, seu ladrão, acabo de adquirir outro gerador. Desta feita um HONDA, novinho em folha, muito mais potente, 2.500 watts. E que por ironia e pela hilaridades da vida, certamente vai estar lá no meeeeeeesmo lugar – em cima do Saveiro, na rua, na minha porta, lá mesmo onde você “GANHOU” aquele outro. Lá mesmo onde você passa, olha para minha cara e me chama de “VAGABUNDO”. São essas, seu ladrão, as hilaridades da vida.
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· Viegas é o olhar do pássaro sobre o galho.
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