Domingos Aroucha era filho de Patrocínio Aroucha. Naquele rincões quando falava em “Patussino Arôcha”, o nome já dizia tudo: era briga, era cachaçada, encrenca e confusão. E sai de perto e sai de baixo. “Patussino” não deixava barato. Metia “bogue”, pontapé, panada-de-facão, mas não era de matar ninguém. “Te livra de Patussino Arôcha”, que tu é quem sai ganhando. Era assim “meu tio Patussino”. De um pequeno pedaço de pau, Patussino Arôcha fazia uma arma e encarava qualquer um, bastava estar com uma ou duas cachaças no juízo e ficar arreliado. O resto tirava de letra, ao vivo e em cores e não tinha para mais ninguém. “Patussino” teve vários filhos: Domingos, Damásio, Daniel e Pantaleão. Domingos “puxou pro pai”. Como se dizia por ali.
Cedo, Domingos saiu de casa, foi morar na capital. Apertado, ferrava o nome ao papel e foi dar com os costados na “estiva”. Tornou-se “estivador marítimo”, sindicalizado – uma atividade que, à sua época, lhe rendia algum dinheiro. E, na periferia e no meio onde vivia, prestigiado até. Logo tornou-se “DOMINGO AROUCHA”. Domingo Aroucha era um cara pancoso como se dizia na época; “estiloso”, como dizem uns tantos por aí Domingos Arooucha, vivendo ao seu tempo, não relaxava um paletó branco de linho e um chapéu de baeta na cabeça. Estivador (trabalhador braçal) em tempo inteiro, mas paleto-e-gravata e chapéu de baeta nas diárias do social.
Estando sóbrio, quer dizer “bom do juízo”, Domingos Aroucha era um pacato e tranquilo cidadão, qual o seu velho Patussino Arocha. Podia o mundo desbarrancar ao seu lado que ele nem se movia, não estava nem aí. Mas... se metesse uma pinga e mais uma pinga, ou se ao menos “o candidato” olhasse para ele de “olho atravessado”, Domingos Aroucha virava um risco e um corisco. E sai de perto e sai de baixo!!!
Domingos Aroucha, estivador, na capital, era o cara! Respeitador e respeitado onde chegava. Na dele em tempo inteiro. Mas ninguém ousava querer roubar a cena ou “se meter” com Domingos Aroucha. Domingos “estivadior marítmo” vivia ali na orla marítima: ora no “Portinho”, ora na Beira-mar” ou “Praia Grande” - logradouros onde costumava mourejar e pontificar os embarcadiços, os estivadores, gente de serviços gerais, proxenetas, prostitutas, pequenos comerciantes, barzinhos de cerveja e cachaça, pescadores e outros do ramo. E, pelo meio, uns e outros que fumavam a “erva maldita, a diamba e por isso conhecidos como “diambeiros”. Os diambeiros compunham um tipo que enfrentavam um rejeito no próprio meio e, por isso, rebeldes em linhas gerais.
Oito da noite. Uma chuva fina deixava as pessoas assim meio que recolhidas à beira das casas. E lá se vem Domingos Aroucha, como sempre, todo metido no linho: calça de linho, camisa de linho, paletó de linho. E o eterno chapéu de baeta à cabeça que compunha a “panca” e o estilo Domingos Aroucha. E não é que um diambeiro conhecido como “Samburá”, encrenqueiro e “confusista” resolveu ali, do nada, querer tirar uma prosa de mau gosto com “Domingo Arôcha”. Era catucar o diabo com vara curta. Domingos estava num dia de maré baixa, encostou a mão no sujeito e disse: “chega pra lá”.
Ah pra quê! Aquilo foi como se o cara tivesse levado um tapa ao pé do ouvido. Ou como se dizia naquela época, “um pescoção”. Aí diambeiro pulou para trás e deu um grito de guerra: “hoje é o meu dia de branco”. E encenou como quem punha a mão na cintura em busca de uma arma. Era a senha par um Domingos Aroucha feito a ferro e fogo, filho que saiu ao velho Patussino Arôcha. E caía a chuva miúda. E no meio da rua, lá estão os dois; cara a cara, frente a frente. Domingos Aroucha que sentia-se gratificado, quando amarrotava e sujava o seu paletó de linho branco numa boa causa, deu o brado: “eu não queria, mas tu quer, então vamos que a hora é essa!!!”.
O catraio vocês sabem, é o que conhecemos como “galinha de angola”. Uma ave, ligeira, sagaz, leve, arisca, dominadora, volátil - que voa longe, – que não se entrega. Então, Domingo Arôcha era um catraio num terreiro de briga. Cepa viva do velho Patussino Arôcha. E lá estão os dois naquele jogo de cintura, como se num “jogo de capoeira” e luta livre. Aroucha tinha vários pontos fortes e decisivos numa briga. Um deles era a “rasteira”. O adversário vacilou, bastou piscar, estava no chão. E aí, Domingos, de mãos livres como sempre, pisava só pescoço.
O outro forte de Domingos Aroucha era a “cabeçada”. Se o adversário não caía na rasteira; da “cabeçada” ele não se livrava. E se insistisse em continuar de pé, o “sopapo” ou “pescoção” ou o “bogue” mandava o cara a nocaute, para o chão. Se “o candidato” caía vencido, Domingos encerrava a luta mas, se continuasse afoito, querendo ir à forra, aí era pé no pescoço. Certa feita, quando Domingos Arôcha descia do bonde, com o seu indefectível terno de linho branco e chapéu de baeta, sofreu um escorregão sobre o paralelepípedo escorregadio e...foi ao chão. Um gaiato, também passageiro do bonde, achou que podia “tirar” um sarro, zombar. Domingo Aroucha não teve nem tempo de passar a mão. Pegou o sujeito pela gola e declarou, “quer caçoar, então caçoa agora”. Pegou o cara pelo colarinho, puxou pra fora do onde e foi apertando e apertando e apertando. E dizia: “pode caçoar”.
E, como não há primeiro sem segundo, como diz o ditério, o filho de Patussino Arocha encontrou um sapato para o seu pé. “Rei dos Homens”, o nome já dizia tudo. Pessoas afamadas de duas uma: ou se respeitam ou se odeiam. Reis dos Homens, no Portinho, num fim de sexta-feira, resolveu encarar Domingo Aroucha assim... na boa. Domingos de saída tentou o seu golpe favorito, uma “rasteira”, Rei dos homens, outro catraio, pulou fora. Domingos mandou uma cabeçada e os dois foram ao chão e no final do round deu empate. Ambos sujos e ralados. E os dois ali, olho no olho. E quando Rei dos Homens pegou numa faca de ponta, Aroucha pegou num pedaço de ripa que jazia ao chão. Aí a luta passou a ter outra leitura. Era catraio digladiando com catraio. E quando Rei dos homens piscou, apanhou de ripa por todo o corpo, qual um macaco quando apanha para aprender contar dinheiro. E ganhou daquele dia em diante no escondido e na distância o apelido de “macaco”.
E o velho Domingos Aroucha, filho de Patrocinio Aroucha, como sempre e, terno de linho branco, chapéu de baeta na cabeça; na dele e ao descarreto do navio, como “estivador marítimo” que era. Um catraio! “Candidato” vacilou era cabeçada e tava no chão. Se continuasse o debate, resolvia com o pé no pescoço do “canditato”, com ele mesmo dizia.

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Viegas em carne e osso conviveu com Domingos Aroucha. Na vida doméstica, pacato e mansidão em pessoa.
Viegas é o olhar do pássaro sobre o galho. E questiona o social.
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