Anos 70 e eu cursava Direito. E, já vindo de algum tempo, publicava uns textos no jornal e no rádio. E era, como sempre fui, “encasquetado” com essa coisa do jornalismo, da imprensa. Era como diz o caboclo do meu lugar: “nunca dei pra nada”, mas estava lá... pelo meio. Na casa do estudante, onde a gente morava, volta e meia aparecia por ali um professor, eloquente, falaz, vozerio que se espalhava pela casa.
Numa dessas, lá pelo meio do ano, como que lançando uma provocação ou um aviso sei-lá-o-que, disse que a Academia Maranhense de Letras, ao final do ano, lançaria algo como um “CONCURSO PARA NOVOS” – no intuito de descobrir talentos da literatura. E seria um certame em meio a crônicas, contos, prosa, poesia, romance. Disse ele. Aquilo mexeu comigo. Eu que estava com um pé no rádio, outro no jornal e a comunicação no sangue, logo me espevitei. E então me veio a ideia de escrever sobre “O NATAL NA MINHA TERRA”.
Já nos dias seguintes, no serviço público, eu me debruçava sobre a máquina de escrever e derramava loas na redação da crua e amarga realidade sobre O Natal Na Minha Terra. Serviço duro de sol a sol e tudo o mais, um dia como qualquer outro, num tempo em que ali ninguém falava nem sabia o que era o NATAL. E, como sempre o fiz, abordava a via crua, os personagens em carne e osso – tudo verdadeiro, tudo real, segundo usos e costumes e a vida roceira daquele meu lugar.
Lembro que o conto tinha algo como duas ou três páginas datilografadas e o tal CONCURSO PARA NOVOS, naquele ano, não houve; resultando numa frustração para mim, cioso e ansioso em decantar O NATAL NA MINHA TERRA. Guardei o texto e mais tarde publiquei-o inteirinho nas edições do JORNAL PEQUENO (São Luís) e no JORNAL CIDADE DE PINHEIRO, em terras do mesmo nome.
Deixa que em O NATAL NA MINHA TERRA havia uma passagem ou um ensaio com a intenção de demonstrar na ficção quase briga-de-festa; “Aí o filho de Antônio de Inez que estuda na cidade, ele que tava de olho na filha de C. de B. querendo se amostrar, foi lá e pediu um bolero...”. Bem aí eu estou vestido no personagem, naquele clima de festança de NATAL! Ah pra quê?! X. de B tomou conhecimento da publicação no jornal e ao encontrar-se com o meu pai, declarou-se incomodado com aquela matéria. Pura dor de cotovelo de dono de terras e senhor de engenho que não teve o despojamento e o pique de um Antônio de Inez que tinha só um cavalo de cangalha, uma roça de fundo de quintal e 12 bocas pra dar de comer e espalhava os filhos em casa alheia para “aprender a ler e a escrever”.
Meu velho Antônio de Inez, sensível e ressentido que era, na “primeira de copa” que teve comigo, pediu-me para excluir do meu escrito qualquer referência com aquela passagem hipotética de um hipotética briga ou um simulado namoro com a filha de C. de B. Resultado: arquivei “sine dia” o NATAL NA MINHA TERRA. Até que um dia, tomo conhecimento de um concurso em nível nacional, intitulado PRÊMIO REMINGTON DE PROSA E POESIA, pelos 50 anos da marca Remington Rand - produtora de máquinas de escrever no Brasil. Resolvi então dar nova roupagem ao NATAL NA MINHA TERRA e participei do tal concurso com o conto “TERRA DA MINHA TERRA”. Um tema do qual, aliás, a mim muito me enleva.

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Era por volta dos anos oitenta, sei lá, o então Juiz Ribamar Fiquene deu de querer fundar, por aqui, um espectro do que seria a local Academia de Letras, dos nossos dias. E reunia uns e outros, no edifício do fórum, justo hoje onde se faz enfincada a ACADEMIA DE LETRAS DE IMPERATRIZ. E eu lá, pelo meio: jovem, viçoso e doido para entrar nessa. Pobre Quelé! O movimento de Fiquene não foi à frente, embora o seu sonho de Academia de Letras tenha-se tornado realidade por outras mãos e quiçá, pelos mesmos ideais. E os meus desavisos e desvarios à caça da imortalidade é apenas coisa sem nexo, de um tempo – quando eu rodava e rondava os meus trinta e poucos anos.
Hoje guardo comigo o TERRA DA MINHA TERRA. Por vezes o perco em meio a outras “obras”. Ninguém o leu tanto quanto eu, senão apenas umas trinta e poucas vezes. Não por nada, mas para cultivar a herança, o costume, a vida e a essência daquela gente simples e ignara que fez e faz o TERRA DA MINHA TERRA.
E volta e meia, me aparece um insano que do leito de sua insanidade me questiona e sugere ora porque não publico um livro, ora porque não me candidato à Academia de Letras. E outras tantas sandices. Vestido de passageiro do barco que me trouxe até aqui e certo de que aquela aula que me ensinou sobre juízo de valor e “conhecer-te a ti mesmo” não foi em vão. É que vejo a minha incultura no espelho do dia-a-dia; é por isso que não me intitulo nem de “cronista”, nem de “escritor”, nem sonho nem aspiro sonhar com o sodalício da intelectualidade.
Mas um piolho, agora, começa a fustigar a minha cabeça diante da insistência e da insanidade de uns tantos insanos, tão insanos quanto eu. E “acho que” ainda vou publicar e concorrer no próximo ano com “SEM CRÔNICAS – EM CAMINHOS POR ONDE ANDEI”, na academia local, já que TERRA DA MINHA TERRA em “concurso para novos” foi um sonho que se perdeu...

· Viegas é o olhar do pássaro sobre o galho e questiona o social. Email: viegas.adv@ig.com.br