Guardo comigo, perdido na mente, uma velha frustração que feriu, doeu e marcou, mas que o tempo, um implacável divisor de águas, acabou por dissuadir. Era moleque, oito, nove, dez anos de idade, quando deixei a casa paterna para buscar a escolaridade na VILA. No estradão de quase uma banda da manhã, eu ficava "vendo e ouvindo" o ressentido choro de minha mãe, pelos cantos. Essa partida é um exercício de memória a que sempre recorro para não deixar cair ao esquecimento. E, enquanto mamãe chorava pelos cantos, eu em coração apertado, montado à garupa do cavalo ...
Tenho incontáveis temas perdidos na mente. Temas que os "escrevi", deixei-os esquecidos e perdi. Cumpre-me explicar: a missão de "escriba" semanal e voluntário, desempregado mas comprometido, me leva a um obrigatório exercício da mente. Quase todas as noites, antes de dormir ou acordado noite a dentro, então me pego à procura de um tema, de um texto. E "viajo" no tempo e no espaço à procura de fatos, lugares, pessoas - passagens que se foram - marcas do que ficou. Nem sempre as lembranças me conduzem ao texto, ao tema. Nem sempre os personagens colaboram, rendem. ...
Desde moleque que a rua me desperta, ainda que via do subconsciente ou... instintivamente. Por que, não sei. Não sei o porquê. A primeira noção que tive de uma "rua" era o pequeno terreiro da casa paterna - primeira e segunda moradas. Molecada lá dentro, fazendo "zuada" - pedindo, querendo, bagunçando e então mamãe mandava a gente: "vão brincar na rua". Então era no descampado do terreiro que a gente descontava as nossas vadiagens e, por conta disso, mamãe descansava. Depois, mal saído dos cueiros, sete anos, lá vou eu morar na VILA. Fiquei embasbacado! As ...
Anos 50. Estamos num longínquo sertão, de casas distantes entre si, raras corrutelas de umas quatro ou cinco casas, "uma perto da outra", onde o povo sobrevive de pequenas roças "sujadeiras", quase ao fundo do quintal. Lavouras de mandioca, arroz, milho e feijão. Lugar esse em que a noção de civilidade vem de um distante ronco de um ou outro caminhão que passa numa estreita trilha de chão vez por outra, no verão. Noção de civilidade que vem da luz de um raro Pretromax de que se tem notícia ...
Faz anos voltei à minha terra e vi com satisfação que uma ponta de um terreno de três hectares deixado pelo meu pai dava (dá) para uma estrada principal do lugar e do povoado ali existentes. Uma beleza! Eu, um lesa-pátria vindo do Curso de Desenho Técnico, mas com alma de "construtor", "desenhista" e "arquiteto", logo vi que aquele matagal nativo e cru poderia ser aproveitado para dele fazer uma homenagem ao meu velho pai. E a cabeça logo começou a trabalhar. Pouco depois, numa outra viagem, homens em tarefa faziam o "broque", isto é, faziam o ...
Mestre Wady Sauáia, catedrático em direito civil e processo civil na Antiga Faculdade de Direito em São Luís, por onde passei - foi, de longe e aos meus olhos - uma das maiores riquezas materiais e da intelectualidade em todos os tempos que o planeta já viu. Sauáia dava aulas em mãos livres. Tinha todas as leis e códigos e literatura jurídica e jurisprudência na cabeça. Assim como a Bíblia e centenas de autores brasileiros e estrangeiros que os recitava de cor e salteado. Ditava textos entre as aspas, artigos, e citava a obra e a página, ...
Era manhã. O grande praceado da Avenida Beira Rio ainda estava à mercê do primeiro clarão que faz o despertar de Imperatriz - o alvorecer do dia. Estou por ali já com uma boa leva dos viandantes – muitos que se esfalfam andejos em volta – como que em busca do tempo ou da saúde que se foram ou que se vão. Caminho sozinho, isto é, na companhia de um “questionador do social” que existe em mim e que até parece que vive irreverente, farejando as sobras do social. É nesse sei-lá-o-quê que vou tocando sem querer ...
Eis que estou na igreja. Católica, é claro! E ali uma parentela composta de avó, filha e netas. Elas estão sempre ali, aos domingos. E, pelos casuais da vida, sentamo-nos sempre perto um do outro. Não por nada - mas porque na vida como nos bancos escolares e bem assim na igreja, costumamos ser sedentários quanto aos "nossos lugares". É ou não é? Pois é! E então estou ali, de olho e de ouvidos na pregação do Senhor Padre. De repente, mãe e filha à minha frente, engatam num converseiro num zum-zum-zum. E esticam na boca-miuda. ...
Viegas, Clemente Barros. (São Clemente papa e mártir). CLEMENTE vem do Almanaque de Bristol, antiga publicação do laboratório farmacêutico. Estudou as primeiras letras na escola da palmatória e dos joelhos ao chão, no sertão. Concluiu o curso primário (na terra natal), no tempo em que a escolaridade era levada a sério. Foi menino de recado e de mandado. Nos cursos Secundário e Técnico no internato da Escola Federal, onde ingressou via do “Exame de Admissão”. Cursou Direito, num tempo em que não havia celular, nem internet, nem FIES, nem as vantagens atuais. Não tinha livros, escrevia em papéis avulsos, taquigrafava as aulas ao verbo dos professores. Morou em casas de estudantes e cortiço, andava a pé, driblou o bonde, poucas roupas, curtiu a “Zona” e jamais dirá que “comeu o pão que o diabo amassou”. Trabalha desde os cinco anos, com intervalo dos onze aos vinte anos. Está na casa dos 73. Não brincou quando criança ou adolescente e na vida adulta tem três brinquedos que os leva a sério: 1 - Escreve a coluna CAMINHOS POR ONDE ANDEI; 2 - Escreve a crônica PÁGINA DE SAUDADE, Rádio Mirante/AM, domingos, há mais de dez anos; 3 - Tem uma “rádio”, com antena de 300 mm de altura, 1.000 a 1500 mm de alcance, com dois ou três ouvintes que, como você vê, “um que pode ser você”. É o rastro e a sombra de si mesmo. É o filho que veio e os pais que se foram. Superou milhares de concorrentes para nascer. É mais um na multidão e considera-se a escrita certa por linhas tortas, na criação do CRIADOR. Cumprimenta os seus interlocutores com votos de “saúde”! E diz aos semelhantes todos os dias que “...a vida continua”. (•) Viegas questiona o social.
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