Faz anos voltei à minha terra e vi com satisfação que uma ponta de um terreno de três hectares deixado pelo meu pai dava (dá) para uma estrada principal do lugar e do povoado ali existentes. Uma beleza! Eu, um lesa-pátria vindo do Curso de Desenho Técnico, mas com alma de "construtor", "desenhista" e "arquiteto", logo vi que aquele matagal nativo e cru poderia ser aproveitado para dele fazer uma homenagem ao meu velho pai. E a cabeça logo começou a trabalhar. Pouco depois, numa outra viagem, homens em tarefa faziam o "broque", isto é, faziam o desbaste e limpeza por dento da área. E o local, da noite para o dia, ficou simplesmente lindo! Um sítio florestal! Aliás, coisa dantes nunca vista por ali.
A ideia começou acéfala, não tinha um plano, um projeto propriamente dito. Mas, com o local em aberto e desenhado, o que vi? Correram para dentro os animais que vivem soltos no lugar, segundo o costume dali: porcos, gados, cachorros. Um terreno fértil para o "passarinhar" da molecada em volta. Fiquei com ciúme. E vi que já estava pagando um preço. Vem daí a ideia de cercar a área. E disso o meu irmão logo cuidou.
Sim: desbastado o matagal, sítio florestal, área cercada e daí? E agora? Lá no meu lugar sabemos que qualquer local "situado" exige uma cacimba ou com ali se diz: um poço d'água. Porque água é elemento obrigatório e indispensável em qualquer passo da civilização e da vida, justo ali em que a água costuma ser objeto de tensas e intensas dificuldades - de trabalho redobrado e madrugadas encaliçadas nos verões puxados em caças esticadas por esse líquido da vida.
E então um poço (uma cacimba) passou a ser a minha meta para o local. E lá vou eu, sem qualquer experiência e sem noção sobre o assunto. Tive apenas referência de que, ali por perto, existiu um poço ao tempo do meu pai. Marquei o local e lá se vão homens a trabalhar. Pura rocha, serviço difícil! Varamos ao longo do tempo, uns doze metros de profundidade, em dezenas de dias de serviço, no puro braço e sobre pura rocha e temos hoje uma água pouca, mas o bastante para o suprimento às nossas curtas e esparsas estadas por lá, sempre acompanhado de operários e trabalhadores que os levo daqui, inclusive o SALVADOR - "o homem dos sete instrumentos", catorze viagens nas costas.
Mato desbastado, terreno cercado, poço de água. E agora? As pessoas me perguntavam: Vai fazer casa? Eu dava de ombros como a dizer: "não sei". E não sabia mesmo, pois não tinha um "projeto" direcionado. Lembrei-me então que numa aldeia do meio do mundo, um frade italiano levantou uma igreja com os umbrais (o pé direito) aqui em baixo e o teto lá em cima nas alturas, algo como um "V" invertido. E assim dei início à construção de um pequeno chalé, composto de sala, quarto, cozinha e banheiro, dentro do mato - que desenhei em múltiplas noites acordadas - para em seguida puxar uma área livre + dois cômodos para depósito + um banheiro externo, tudo dentro do matagal, com uma pequenina área livre em volta, sobreposta em areia branca, vinda do meio do mundo e, obrigatoriamente, a folhagem ao chão também em volta, compondo um tapete natural.
Lá dentro um velho coqueiro, plantado pelo meu pai, ainda no meu tempo de ginásio. Mais de trinta metros de altura, disputando a clorofila com a vegetação em volta. Lei da natureza. Olhando aquele velho coqueiro, veio-me à mente uma frase: "AQUI ESTÃO AS MÃOS DO MEU PAI". Continuando na andança lá dentro, mais adiante uma acho-que-centenária-mangueira. Lembrei-me então de um patriarca que viveu ali em frente: LORENÇO ESTRELA, filhos e netos ainda estão por lá. E mandei fazer placas bem feitas e bem desenhadas tanto para o coqueiro do meu pai quanto para a mangueira de LORENÇO ESTRELA. A partir daí, as placas se multiplicaram por quase todos os nomes dos pranteados que ali viveram e construíram a história e as gerações daquele meu lugar. São dezenas de placas que se espalham nas alturas das árvores e no frontispício externo daquele meu oásis que surgiu da folhagem! Da galhagem! Do mato cru.
O meu meio-irmão ROMUALDO (irmão por parte de pai), do alto dos seus mais de setenta, que recente voltou ao lugar, é um leão, um touro indomável do serviço bruto. ROMUALDO, no puro braço e ao corte do facão (do cotelo), fez, por duas vezes, um serviço de desbastamento no local. Uma obra perfeita e acabada do "paisagismo natural". Coisa de cinema! Que me deixou com o coração nas mãos. Até porque tenho ciúme de todo e qualquer galho de pau, de todo o verde em clorofila pendente ali.
Em vinte e oito viagens, durante quatro anos, além de empreitadas intermediárias, fiz basicamente tudo o que completa uma obra sem projeto de base. E lá dentro tem "praça", tem "cabana", "teto residencial", "estacionamento", "marcenaria", "área de convivência", banheiro/s, pedra de memória inspirada na minha assinatura, com vista frontal em concreto-armado, fosco-natural tanto quanto a "praça" que tem formato da bandeira de um barco e um punhado de homenagens.
Agora, por último, estou ocupado com a pedra de memória que representa o "MONUMENTO À DONA LOLA", minha mãe, falecida há um ano. Feito em blocos vazados de concreto em desenhos quadriculados (pré-moldado), concluída de forma retangular, pintada em pva, na cor branco-neve e inscrição em letras metálicas em alumínio fundido, tipo "times new roman", na cor azul-turquesa. Tudo "coisa decente"! Nascido dos neurônios e do ideal de um filho que nasceu ali.
Faz bem pouco estive por lá. Cinco dias de "batalho". Levei uma equipe de três, comigo quatro. No meio da trinca estava o meu estagiário EMERSON, um cinegrafista profissional, um cara fora de série; espécie de caráter humano em extinção - que fez fotografias e tomadas incríveis e memoráveis - tudo a mostrar a equação perfeita e irretocável entre o belo e o natural - entre a beleza e a natureza. Fiquei e estou impressionado, até porque lá dentro tudo se desenvolveu a cada passo, a cada jornada, sem um "projeto" propriamente dito. E o "Memorial de Antônio e Inez" está basicamente pronto! E lá estão as mãos do meu pai. E tudo isso me mostra o quanto O MEU CORAÇÃO VOLTOU PRA LÁ, justo naqueles... CAMIHOS POR ONDE ANDEI.
* Viegas é cidadão de Imperatriz. E questiona o social. E-mail: viegas.adv@ig.com.br
Edição Nº 14915
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