Era manhã. O grande praceado da Avenida Beira Rio ainda estava à mercê do primeiro clarão que faz o despertar de Imperatriz - o alvorecer do dia. Estou por ali já com uma boa leva dos viandantes – muitos que se esfalfam andejos em volta – como que  em busca do tempo ou da saúde que se foram ou que se vão. Caminho sozinho, isto é, na companhia de um “questionador do social” que existe em mim e que até parece que vive irreverente, farejando as sobras do social. É nesse sei-lá-o-quê que vou tocando sem querer e querendo.
Passo pela “praça de alimentação” e num dos quiosques ali existentes, aos fundos, aproveitando a cobertura, agasalham-se os excluídos moradores de rua. O ambiente é fétido, e enxovalhado - incompatível com um local que se presta a servir alimentos em nomeada pública. Mais do que um caso de vigilância sanitária, é um caso de polícia. Lá mesmo como que agasalhado, à espera do público ao entardecer, ficam expostos os trapos que os excluídos ali deixaram. E tudo faz um terrível contraste naquela vivenda da interação social que é a nossa Beira-Rio. Estou nessa, tentando digerir essa obra tosca do quotidiano que me afronta e que enfrento quando em seguida vejo um bando de pombos ali, sôfregos, de passos apressados, num vozerio característico, mariscando a restança dos dejetos e frituras da noite anterior. Devem estar gordos com tanto glúten e colesterol que sobra daquelas guloseimas de genéricos que são servidas na Beira Rio.
Passo quase por entre os pombos que, domesticados, já se acostumaram e pouco se incomodam com o vai-e-vem das pessoas. É bem aí que me lembro e sinto-me no dever de “dar milho aos pombos”. De repente, uma cena inusitada: um jovem, bem apessoado, viçoso, atrevido e disposto cachorro vira-lata, quiçá numa inocente brincadeira de mau-gosto, corre sutil faceiro e veloz em direção ao bando de pombos, querendo pespegá-los. Mas aí o bando bate em retirada, voa livre e leve. O cachorro não se dá por vencido e qual uma criança de olho no helicóptero lá em cima, o cachorro cá em baixo, estático, mas inquieto, acompanha com o olhar o voo dos pombos lá em cima. E eu ali, sacando a cena!
Os pombos, então, em instantes, pousam bem ali mais diante e logo põem-se a catar os farelos da noite que aos poucos amanhece. Atento, vendo o cachorro que os pombos estão ao chão, novamente ele voa, quer dizer, corre naquela direção na ânsia de pespegar o primeiro ao seu alcance, mas aí, novamente, os pombos batem em revoada, voltando quase ao mesmo lugar de antes – enquanto que o cachorro, novamente, entre irrequieto e estático acompanha com o olhar em giro, o voo daquilo que me parece ser um frustrado “sonho de alcance” daquele carnívoro.
Enquanto a cena se multiplica por mais uma ou outra vez – com os pombos vencendo o cachorro e o cachorro vencido pelos pombos - agora sou eu que, qual uma criança, estou de olho no helicóptero. E agora vejo que o meu exercício nesta manhã se foi ao fim. Os pombos desaparecem. O cachorro também desaparece. Fiquei só. Arrefeci, acabou a caminhada. É hora de voltar. Em compensação, ficaram as cenas, o espetáculo, um novo tema para este questionador e o “esmerilamento” que é esta retratação, este texto. E, mais que isso: uma nova lição de vida. Era o cachorro querendo passar as pernas nos pombos e os pombos batendo asas, voando livre e leve e deixando o cachorro na ânsia e na impotência de cara pra cima e no esforço perdido.
Enquanto isso, Vossa Majestade, o nosso eterno e sempre venerado Rio Tocantins, berço da Mãe Natureza, logo ali ao lado, igualmente testemunha destas cenas - vindo das bandas da antiga Bela Vista do Padre João (agora Tocantinópolis), descia sôfrego por entre barrancas,  maroto, provocante, um tanto lá em cima, rumo ao Embiral, pras bandas do Marabá para enfim descansar na Bahia do Guajará. E eu ali, imaginando que da próxima vez que voltar em caminhada sinto-me na obrigação de dar milho aos pombos.

******************
Fiel e comprometido, mando textos para o rádio semanal CLUBE DA SAUDADE, MIRANTE/Am, domingo, oito da manhã, na minha PÁGINA DE SAUDADE.  Veja!

A MÚSICA DA AMPLIFICADORA DE “SEU BIBI”

Dia de domingo, para mim, é dia de saudade. Dia de rever a saudade. Dia de passear pela saudade. Dia de visitar um velho tempo; de lembrar coisas antigas: músicas, gentes, lugares. Detalhes que não consigo esquecer. Sou assim. E então fazer o quê? Hoje, domingo, voltei no tempo... no túnel do tempo. E lá se vão taaaaaaantos anos e mais anos. Vejo então que era criança, sete anos de idade, foi quando cheguei à minha cidade-natal, NA VILA (do meu São Bento) – que era como se dizia naquele tempo. Fiquei encantado e assustado com a VILA: uma casa pertinho da outra, alinhada na rua, tudo “caiada”; gente “ensapatado”. Em meio àquele mundo-novo, sete da noite chegava a anergia. (Do motor da usina!!!). E a noite virava dia!!!
Daí a pouco entrava no ar a amplificadora de SEU BIBI. Que beleza! Mensagens, sucessos, oferecimentos, dedicatória e “músicas em gravações variadas” – que era como dizia o locutor. E bem ali, no meu imaginário, em também queria ser “locutor”. Luiz Gonzaga cantava ALGODÃO”, aquela que diz “Bate a enxada no chão/Limpa o pé de algodão”. Ari Lobo embarcava no seu “ÚLTIMO PAU DE ARARA” e Jackson do Pandeiro fazia o forró com “SEBASTIANA”. E a amplificadora, quer dizer “a voz” de seu BIBI, lá em cima e na distância era o meu encanto naquele meu tempo de criança.
- Nessa herança muita coisa se mistura na minha lembrança, daquele meu tempo de criança. É quando ouço a amplificadora de SEU BIBI MONIZ (Seu Bibi), e a música que fazia a abertura e encerrava aquela programação toda a noite, quando chegava a energia e quando a luz acendia... e entrava no ar aquela programação com “músicas em gravações variadas” – que era como o locutor dizia. E a música que ali tocava, ainda hoje toca... nesta minha PÁGINA DE SAUDADE. (Música: RIO ANTIGO, com Banda Popular – Altamiro Castilho).

                                       * Viegas questiona o social