O bairro do João Paulo, em São Luís, até parece que já nasceu estigmatizado, vítima do infortúnio e dos atropelos do social. Era, então, um bairro de periferia “afastada”, onde ali construiu-se um quartel militar, tiro de guerra, curtume, um distrito policial e, para aliviar, também criou-se ali um mercado público. O João Paulo, por sua população e seu comércio, tornou-se um bairro “independente”, como diziam. No início do século passado, com a implantação dos serviços de bondes elétricos na capital e tendo o João Paulo, então, como uma de ...
Sempre que vou ao meu chão baixadeiro, na terra que me viu nascer, procuro identificar as pessoas – muitas das quais nem conheço nem lembro mais, tal o tempo e a distância que nos separa. E, qual fazia o meu pai, também pergunto: Filho de quem? Gente de quem? Parente de quem? Era noite aquela noite e a “boiada” - o bumba-boi – troava quente e pesado na casa do meu amigo de infância, Antônio de Leôncio. A “brincadeira de bumba-boi” naquele meu rincão é animada à matraca e, na percussão, ...
Recentemente, ouvi uma palavra por aqui: QUARENTENA! Epa! Voei no tempo e, num segundo, lá estava eu às voltas das “quarentenas” da minha mãe, naquele meu tempo de criança, casinha de chão batido, naquele fim de mundo, onde nunca sequer imaginou-se que luz elétrica um dia existiria em algum lugar do mundo. Aquele tempo de QUARENTENA mudava toda a rotina da nossa casa. Minha avó materna mudava-se para dentro de casa e ia assistir a filha, em tudo por tudo. Minha mãe de resguardo, que havia acabado de parir aquele meu novo irmão, ficava ...
CABO ZÉ é um ser humano em carne e osso. Quarenta e cinco anos, solteiro. José Pereira de Carvalho, um nome de que quase só ele tem notícia. “Naifabeto”, como ele mesmo costuma se autodenominar, ainda assim “junta as letras grandes” e soletra nomes e lê pequenos números. Sua assinatura se dá com a sua impressão digital. Chega a ser impressionante o analfabetismo de Cabo Zé. Aos oito anos, vindo da “região do Japão”, o moleque chegou com os seus pais e irmãos aos costados da Imperatriz. ...
Doído, trágico, difícil é, para mim, perder um texto ou ainda que parte dele. Aí é um pesadelo, jamais consigo refazê-lo. É um sofrimento! Ainda semana passada, comecei a escrever um tema denominado “PETROBRÁS” (com acento) e já estava a setenta por cento (que é como digo), daquela redação. Lembrava uma empresa que chegou à minha terra, na minha infância e estabeleceu-se num “acampamento” e que logo tudo ali tornou-se famoso e inacessível aos bípedes e terráqueos comuns. “Os homens” eram como lunáticos ou marcianos vindos de outro planeta, tal a distância e a importância ...
Anos 50. Estamos num longínquo sertão, de casas distantes entre si, salvo raras corrutelas de umas três ou quatro casas, “uma perto da outra”. O povo sobrevive de pequenas roças “sujadeiras”, quase ao fundo do quintal. Lavouras de mandioca, arroz, milho e feijão. Tudo “coisa pouca”. A noção de civilidade vem da luz de raros petromax de que se tem notícia por ali; de um retrato de candidato que fica na parede por anos sem fim e por algum pedaço de papel de revista perdido ao chão. A noção de consumo ...
Faz anos, li uma frase num para-choque de caminhão: “Assim como são as pessoas, são as criaturas”. Por um longo tempo o ditério martelou o meu juízo, ao admitir ali que “pessoas” sejam igual ao mesmo ente, à mesma “criatura”. E fiquei com aquilo me incomodando.... me incomodando. Mais tarde, quando eu tocava um sítio ali para as bandas do conjunto residencial Itamar Guará (bate na madeira três vezes e põe um galho de arruda por trás da orelha, que é para isolar), eu costumava acompanhar a ...
Leudo era um roceiro que punha uma roça todos os anos, como tantos outros. Perto de sua casa havia, como ainda há, uma tradicional capela da Conceição. Leudo, em vida, era uma espécie de guardião da capela. Era ele o encarregado dos “aperparos” para a festa anual da Santa Conceição. Ele mesmo quem liderava as novenas, os levantamentos de mastro, a grande festa de 8 de dezembro, a festa de baile e até mesmo os trabalhos da cozinha. Onipresente em tudo, era Leudo quem dava as cartas em ...
Viegas, Clemente Barros. (São Clemente papa e mártir). CLEMENTE vem do Almanaque de Bristol, antiga publicação do laboratório farmacêutico. Estudou as primeiras letras na escola da palmatória e dos joelhos ao chão, no sertão. Concluiu o curso primário (na terra natal), no tempo em que a escolaridade era levada a sério. Foi menino de recado e de mandado. Nos cursos Secundário e Técnico no internato da Escola Federal, onde ingressou via do “Exame de Admissão”. Cursou Direito, num tempo em que não havia celular, nem internet, nem FIES, nem as vantagens atuais. Não tinha livros, escrevia em papéis avulsos, taquigrafava as aulas ao verbo dos professores. Morou em casas de estudantes e cortiço, andava a pé, driblou o bonde, poucas roupas, curtiu a “Zona” e jamais dirá que “comeu o pão que o diabo amassou”. Trabalha desde os cinco anos, com intervalo dos onze aos vinte anos. Está na casa dos 73. Não brincou quando criança ou adolescente e na vida adulta tem três brinquedos que os leva a sério: 1 - Escreve a coluna CAMINHOS POR ONDE ANDEI; 2 - Escreve a crônica PÁGINA DE SAUDADE, Rádio Mirante/AM, domingos, há mais de dez anos; 3 - Tem uma “rádio”, com antena de 300 mm de altura, 1.000 a 1500 mm de alcance, com dois ou três ouvintes que, como você vê, “um que pode ser você”. É o rastro e a sombra de si mesmo. É o filho que veio e os pais que se foram. Superou milhares de concorrentes para nascer. É mais um na multidão e considera-se a escrita certa por linhas tortas, na criação do CRIADOR. Cumprimenta os seus interlocutores com votos de “saúde”! E diz aos semelhantes todos os dias que “...a vida continua”. (•) Viegas questiona o social.
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