LEUDO – UM PAU PRA TODA OBRA
Leudo era um roceiro que punha uma roça todos os anos, como tantos outros. Perto de sua casa havia, como ainda há, uma tradicional capela da Conceição. Leudo, em vida, era uma espécie de guardião da capela. Era ele o encarregado dos “aperparos” para a festa anual da Santa Conceição. Ele mesmo quem liderava as novenas, os levantamentos de mastro, a grande festa de 8 de dezembro, a festa de baile e até mesmo os trabalhos da cozinha.
Onipresente em tudo, era Leudo quem dava as cartas em todas as nuances e detalhes do festejo. Na hora da procissão não era diferente e lá se vai LEUDO puxando benditos, conclamando o povo ao silêncio e ao respeito e ao acompanhamento do cortejo. Enfim, LEUDO era o homem de sete vezes sete instrumentos, ao tempo do festejo tradicional e quase-secular daquele pequeno Povoado de Belas Águas.
Leudo, além de principal carta do baralho festejo anual do lugar, também praticava num grande barracão ao lado de sua casa - o festejo de SÃO GONÇALO. Uma festa com fitas em cores, com muito brilho, dança dos “balhantes”, muita comida, cânticos acompanhados de um solitário violino, quase uma nota só. Um festejo-ritual do qual muito ouvi falar mas que... que... tenho apenas uma vaga noção, distante lembrança e nada mais. E não é à toa que um prefeito amigo mandou construir-lhe um barracão em telha e alvenaria, ao lado de sua casa em homenagem a “Leudo de Belas Águas”.
Evidentemente que um homem com tais atributos e, sobretudo, pela postura e impostação, era um líder, nato e carismático! Uns quatro filhos, outros tantos irmãos mais meia dúzia de vizinhos e simpatizantes, LEUDO, além da liderança que ostentava em seus prestigiados festejos populares, acabava granjeando um “capital político”. E se estivesse como sempre esteve ao lado da “situação”, melhor ainda. Pronto! Era esse o nosso Leudo, uma ficha e carta do baralho da política dominante, naquele seu tempo que se esticou por tantos anos e mais anos. Entra prefeito e sai prefeito e quem era que não queria ter LEUDO ao seu lado? Quem? Quem?
Quem seria doido a ponto de ignorar ou postergar no seu palanque aquele Leudo de todos os santos, de todas as rezas de todos os festejos, de todas as popularidades na sua meia-vizinhança? Um cabo eleitoral e tanto! Uma figura jamais dispensada nos embates eleitorais, sempre do lado da situação. Figura de proa nos bailes de São Gonçalo e Festas da Conceição. Uma moral e tanta! Um pau para toda obra!
Por conta de prestígio e envolvimentos esses, LEUDO veio de ser nomeado “Subdelegado” daquele lugarejo, uma espécie de “inspetor de quarteirão”, figura e autoridade que infundem não só o respeito, mas que também impinge o medo e acaba conquistando antipatias e desafetos. Afinal, como dizem por aí, “polícia não é amigo de ninguém”. Pronto! Leudo agora, além de rezador, mandante de bailes de São Gonçado e chefe dos festejos da Conceição, o que na nas beiradas do asfalto pode-se chamar de “sangue bom”, era agora, também uma AUTORIDADE! Esse sim era o cara!
- Vai que na sua “jurisdição”, aconteceu um furto que ali se chama ROUBO. Leudo, na condição de autoridade, ficou envenenado. Aquilo competia a ele, claro! “Catuca daqui, catuca dali”, primeiro suspeito, um sujeito chegado a uma “diamba amuada” e figura carimbada como “malfazejo” daquelas bandas. Pronto! Estava decifrado o enigma! E lá mandaram buscar naqueles cafundós-do-judas, um tal de PEDRO CAMPOS, que veio como ali se dizia: “de um jeito ou de outro”. Era começo de noite quando PEDRO CAMPOS chegou com as mãos amarradas na casa de Leudo, que servia de Delegacia.
Logo acende-se a lamparina a querosene e Leudo, o dono da situação, autoridade que ali representava o prefeito municipal, a chefatura de polícia, o delegado-chefe e até o governador se fosse preciso e põe-se em interrogatório. “...Me conta tim-tim-por-tim, não mente que é melhor pra ti”. Determinou Leudo, encarando firme o indivíduo. Pedro Campos, que não era de aguentar pressão, foi logo entregando: Manoel de Car..., Zé Fubico, Fulano e Sicrano. Leudo, sereno mas imprudente, ignaro e coitado, imediatamente mandou intimar de papel passado todos os referidos. E assim, na noite, lá estão todos os “suspeitos”, coniventes, receptadores e partícipes da lambança, à sua sala, a uma fumacenta luz de lamparina a querosene.
Recomeça o interrogatório. Bem ao lado, ao canto da sala casa do Leudo-roceiro, jazia um reluzente machado que havia trabalhado naquele dia. E quando Pedro Campos asseverou que Manoel de Carl... era partícipe e conivente, Manoel, que estava disposto a negar de pés juntos e “provar” que a versão de Pedro era “pura mentira”, não se aguentou. “Ofendido” e “injustiçado” e diante de tamanha aleivosia daquele “aleivoso”, pulou em cima do machado e... de uma só machada interrompeu para sempre o depoimento de Pedro Campos, que mal começava a “vomitar” o acontecido.
Assassinado Pedro Campos, em plena sala da casa de morada de Leudo, debaixo de luz de lamparina, foi como se o mundo tivesse acabado bem ali. E não mais restou pedra sobre pedra. Os suspeitos desapareceram, escafederam-se. A audiência acabou. Um corpo ao chão. Pedro Campos de ladrão, agora era só um defunto. Desmoralização, agruras e decepção foi o que restou. Uma fatalidade jamais imaginada! Fato que naquele pequeno povoado era “coisa de fim do mundo”.
Leudo, diante de tamanho desastre, acabou sendo “afastado” do cargo de subdelegado (do Município) e de “inspetor de quarteirão do (seu) povoado de Belas Águas e adjacências”, como ditava a sua portaria de nomeação. Mas não perdeu o mando de campo, em seus bailes de São Gonçalo, nas novenas e levantamentos de mastros e Festas da Conceição. Ele mesmo que puxava os benditos, pedia “selêncio” e respeito do povo em bebedeira alvoroço e “converseiro”. Ele que puxava os cânticos da procissão no dia da grande festa da Conceição. Festa/s que se realiza/m até os dias de hoje. Só que falta um detalhe: Falta o onipresente Leudo – pau pra toda obra - no comando, na organização, na vida, nos bailes de São Gonçado e Festas da Conceição.
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