“QUARENTENA”

Recentemente, ouvi uma palavra por aqui: QUARENTENA! Epa! Voei no tempo e, num segundo, lá estava eu às voltas das “quarentenas” da minha mãe, naquele meu tempo de criança, casinha de chão batido, naquele fim de mundo, onde nunca sequer imaginou-se que luz elétrica um dia existiria em algum lugar do mundo.
Aquele tempo de QUARENTENA mudava toda a rotina da nossa casa. Minha avó materna mudava-se para dentro de casa e ia assistir a filha, em tudo por tudo. Minha mãe de resguardo, que havia acabado de parir aquele meu novo irmão, ficava reclusa em seu quarto escuro e minha avó cuidava-lhe rigorosamente em seus asseios, seus panos e em tudo. E só com oito dias abria-se uma janela. E, lá pelos 15 dias, a parturiente já andava pela casa.
Minha avó, com suas condutas e seus cuidados nas quarentenas,  fez escola em casa de filhas e noras. E todas as suas filhas e noras que tiveram a cobertura daquela mulher de aço que era a minha avó, naqueles dias delicados, seguiram o exemplo e, semelhante, procederam para com suas filhas e noras. A esse novo tempo eu, já me propondo às observações do social, ficava vendo a lição. Lição que guardo até hoje.
Antes da quarentena, tinha aquele “buchão”, com a minha mãe no “batalho” até quase na hora de parir. Quase sempre de última hora, o meu pai caía no mundo e saía atrás de VANJICA, uma bendita parteira que morava por aquelas bandas. Por vezes nas noites, nas madrugadas, debaixo de chuva. E lá se vem VANJICA, no galope, na garupa do cavalo de meu pai. Era um tormento com minha mãe na hora de parir. VANJICA que “segurou” e, na pura tesoura, cortou o umbigo de irmãos meus, ficava lá por casa uns dois dias. E quando voltava para sua casa, levava um pequeno mimo, como recompensa. Benditas mãos, as mãos de Vanjica. Bendita missão, a missão de Vanjica!
A quarentena, porém, não vivia só do trabalho incansável da minha avó nem da reclusão intocável da minha mãe, nem da inquietude do meu pai queixando-se de sua vida “revirada”. Tinha lá a sua “recompensa”: é que as galinhas e frangos do terreiro fartavam o nosso prato, em caldo, “pirão-de-parida” e no que viesse pela frente. O arroz do paneiro, guardado lá em cima no jirau, descia e compunha o nosso prato, cá em baixo...
Quarentena! E lá se vão quarenta infinitos dias de resguardo, intocável e quase por todo esse tempo sem fazer absolutamente nada. Era a lei. O costume. E ai de minha mãe se tentasse ao menos lavar um copo. A minha avó, JULIANA, feita de aço e qual uma águia, voava em cima só com o olhar. Por vezes no ralho. E dizia não. Enquanto isso, o meu pai, à falta da minha mãe, estava irrequieto, queixava-se que o seu mundo estava “revirado”, mas logo depois... logo depois... lá vem outro bucho...
E chama Vanjica e novamente lá se vem a minha avó. E galinhas e frangos do terreiro diminuindo e o arroz guardado lá em cima do jirau também desce e apanha cá em baixo. E nessa rotina a minha LOLA pariu catorze, quatro dos quais se foram ainda anjos. E os outros que ficaram estão aí e converteram-se no orgulho daquela  que me pariu, que dizia: “Meus filhos não fumam, não bebem, nunca brigaram com ninguém, nunca mataram nem roubaram  também nunca foram presos”. (Olha só onde terminou essa “quarentena”, um tema que, aliás, eu só “pensava” em escrever).
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42 ANOS DE IMPERATRIZ (um texto que fiz para o quadro TEMA LIVRE, BAND, 06:30 horas, quintas-feiras)
Cheguei a Imperatriz na segunda segunda-feira de maio de 1.973. Eu estava “assombrado”. Imperatriz era para mim um lugar dantes sequer imaginado. E só na Rodoviária, em São Luís, à procura de uma passagem, decidi vir para Imperatriz. A vida tem dessas coisas.  - Hoje, são 42 anos de Imperatriz!
“Me lembro” de quando cheguei por aqui. Ainda não havia rodoviária. Dias depois a hoje velha e fechada Rodoviária foi inaugurada com festa e tonou-se uma espécie de “cartão postal da cidade”. O Bairro Nova Imperatriz era a novidade. O terreno foi invadido com o apoio da Prefeitura. Virou cidade da noite para o dia. A Avenida Bernardo Sayão era um areal e as Quatro Bocas era esconjurada na missa pelo frade italiano.
Naquela época - 1973, quando cheguei, a pistolagem rolava por aqui a céu aberto. A grilagem de terras campeava. Grileiros faziam fila. Pistoleiros e grileiros tinham nome e sobrenome. E o hoje chamado “trabalho escravo” nas fazendas era um prato cheio que rolava solto. Serrarias e arrozeiras faziam disto aqui a terra da madeira e do arroz.
E os cheques sem fundo? E as promissórias vencidas? E os vales-depósito de arroz? E os maus pagadores? Negócio feito no “rolo”, era só o que tinha. E a prostituição? E o Cacau? E a Macaúba? E a Farra Velha? E o Mangueirão? E as casas de tábua? Isto aqui era um “garimpo” a todo o vapor. Em compensação tinha o JUÇARA CLUBE para a “elite” e o CLUBE TOCANTINS para o povão, este com suas festas-de-peso aos sábados e suas tertúlias aos domingos – animadas pelo conjunto Bossa Show. Velhos tempos. Belos dias.
42 anos se passaram, muita coisa mudou em Imperatriz de lá pra cá. Já não tem mais o movimento forte de barcos no Rio Tocantins. Cardumes de piaus, branquinhas, curimatás e piabanhas também desapareceram. O velho Clube Tocantins, o Juçara se foram pelos ares. O areão virou asfalto. Serrarias e arrozeira não existem mais. A prostituição do Cacau, Mangueirão e Farra-velha agora estão pelo meio da rua, no meio do dia.
Pistoleiros e grileiros desapareceram. Até os cheques sem fundo e os negócios no rolo também quase nem se fala mais. E eu? E eu? Agora... tenho título público de CIDADÃO DE IMPERATRIZ, outorgado pela Câmara Municipal, vindo das mãos do vereador RAIMUNDO ROMA. Amo a minha Imperatriz mas... cá entre nós: eu tenho medo disto aqui – da ladroagem, da bandidagem, dos assaltantes, que estão por aí.