Crônica da Cidade

Crônica da Cidade

O Natal e o Consumo

Aureliano Neto*

A bem da verdade, na infância, não tive natais ou Natal. Deitado na rede, estendida entre o quarto e a varanda, por onde se esgueirava a bisa do mar, era acordado pelo pipocar dos foguetes e da algazarra dos vizinhos. Não tinha ideia do que era aquilo. A gritaria, os risos, as alegrias e os foguetes a mim nada diziam. Logo amanhecia, e o dia era como outro qualquer. Na casa do meu avô, essas festividades de fim de ano não faziam parte do calendário daquela casa, que não era triste ...

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Nome Social

Aureliano Neto*

- Senhor, como é o teu nome? - perguntou-lhe a juíza, envolta na toga de cor escura, circunspecta, dando certa gravidade à pergunta, ao iniciar a audiência, para colher o depoimento daquele homem, que, a propósito do momento solene, não conseguia se livrar da fisionomia sisuda, numa demonstração de que estava naquela sala, com ar retraído, não porque quisera ali estar, mas porque fora por intimado por uma pessoa que se identificara como oficial de justiça. Ao receber o papel com o timbre, assaltou-lhe inúmeras dúvidas, chegando a perguntar a si mesmo ...

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Mas...

Aureliano Neto*

Tudo pode estar bem. Mas... O sujeito pode ter um substancioso aumento de salário e melhoria de vida. Mas... A gripe era forte, com entupimento das fossas nasais de lascar. O remédio passado pelo médico, prontamente adquirido e tomado na dosagem certa, melhorou todos aqueles sintomas desagradáveis, a febre baixou quase para um nada, o gosto de ressaca mal curada amenizou. O corpo ainda um pouco mole. Mas... Enfim, sem sombra de dúvida, o mas é a nossa adversativa salvadora. E mais, com mas ajeitam-se as coisas, sem ser ou sendo. O ...

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Velhos e Velhices

Aureliano Neto*

Ah, se eu ainda fosse jovem!..., clamam os de idade mais avançada, com saudade do tempo que que foi e que nem sempre poderia ter sido o que foi. Insatisfeitos ou conformados com a velhice. Esquecem-se que a regra da vida é inexorável. Seguimos uma única e inevitável trajetória: o nascimento, o viver e o fim: a morte. Entre um polo e outro, vivemos, procurando vencer lentamente o espaço de tempo, para não, vencendo a travessia, chegarmos ao outro lado.
Ghandi, na sua sabedoria pacifista, sintetiza esse vira-a-ser intermitente, ao fazer ...

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Rosas

Hoje, justamente hoje, poderia ter sido ontem, mas não foi, amanheci com a vontade ter a rosa mais bonita que houver para enfeitar a noite do meu bem. Ah!, essa Dolores Duran, sempre ela, a cutucar o meu lirismo adormecido. Não sei se vou conseguir. Já não há rosas disponíveis. Ou há?, digam-me, por favor! É que não quero as rosas adquiridas nos floristas da esquina. Estão lá bonitas, mas com ar de artificialidade. Perderam a espontaneidade de vê-las altaneiras nos galhos, risonhas, a nos provocar a volúpia de extraí-las com as mãos frêmitas do desejo, só ...

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Biografias, Biografados

Aureliano Neto*

Venho acompanhando, apreensivo, o debate emocional travado na mídia sobre o “fim da censura sobre as biografias” (as aspas são necessárias). De um lado artistas da música popular brasileira, destacando-se Roberto Carlos, Caetano Veloso, Djavan, Gilberto Gil e Milton Nascimento, integrantes do grupo Procure Saber; e, de outro lado, os escritores de biografias, entre os quais Ruy Castro, Benjamin Moser, Paulo Cesar de Araújo e a Associação Nacional de Editores de Livros, defendendo o interesse de publicá-las, sem quaisquer restrições. Jornais, revistas e jornalistas têm se posicionando, de forma intransigente, no sentido ...

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Jornais Velhos

Aureliano Neto*

Tenho a mania dos jornais velhos. Leio-os com a sofreguidão como se me trouxessem notícias novas, embora passadas. Acumulo-os aos montes, sem o tempo da leitura cotidiana. Não gosto de jogá-los fora sem pelo menos uma rápida vista dolhos, escolhendo o assunto para o qual dedicarei mais atenção. É uma necessidade, quem sabe, psicótica de só deles me desfazer, a depender da matéria, ou ainda do texto, após passar as suas páginas. Ah!, os jornais velhos me encantam. Tempos que não vão tão longe assim, lia-os nos bondes, depois nos ônibus, de ...

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Um Homem Fora do Tempo

Aureliano Neto*

Amaral é o seu nome. Orlando Ferreira Amaral, como foi batizado e registrado num daqueles livrões do cartório da localidade aonde veio ao mundo. Não se lembra mais onde. Sabe apenas que foi feito o registro. 79 anos de idade. Veio de longe no tempo, enrugado pela vida. Acorda antes de o sol nascer. Cedo, e acentua com o vigor da idade: - Bem cedo, às 4 horas da manhã. Liga o seu rádio de pilha numa das estações de AM ou FM. Toma conhecimento das primeiras notícias do dia. Prepara o ...

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