Aureliano Neto*

Tenho a mania dos jornais velhos. Leio-os com a sofreguidão como se me trouxessem notícias novas, embora passadas. Acumulo-os aos montes, sem o tempo da leitura cotidiana. Não gosto de jogá-los fora sem pelo menos uma rápida vista dolhos, escolhendo o assunto para o qual dedicarei mais atenção. É uma necessidade, quem sabe, psicótica de só deles me desfazer, a depender da matéria, ou ainda do texto, após passar as suas páginas. Ah!, os jornais velhos me encantam. Tempos que não vão tão longe assim, lia-os nos bondes, depois nos ônibus, de certa feita, em trens, quando estava no Rio. Só não consigo fazer a leitura em avião. Fico inquieto. Nada leio. Ultimamente, apaziguado por um lexotan, tenho alcançado algum êxito em fazer rápidas leituras em avião. Mas nem sempre. Na maior parte das vezes, não consigo ficar quieto e concentrar-me. Pensarão então: - Esse cara é um frouxo. Ora, ora, ter medo de avião! Respondo. Não é bem assim. Se o avião está nas alturas, e eu aqui em baixo, confesso-lhes que não tenho um pingo de medo. Porém, se entro, a situação é bem outra. Dizem, em meu benefício, que só tem medo quem tem coragem. Ou vice-versa. Sou humano, bem humano, muito humano. Daí padecer, como muitos humanos, do medo de avião. Ainda bem que faço parte de uma minoria. Já pensaram que tormento se fosse a maioria. Não haveria avião que resistisse.
Mas os jornais me propiciam rever as notícias, os fatos que ficam enterrados em suas páginas e se perdem no tempo, embora não escapem da memória. Andei fazendo umas viagens e sobrecarregado de serviços, não pude colocar-me em dias com as nossas folhas. Sorte: sou assinante de alguns jornais e recebo gratuitamente a edição diária de O Progresso, estar aqui conversando com vocês todos os domingos. Sou bem informado, independentemente de não assistir ao Jornal Nacional. Além do mais, sou assinante da revista Carta Capital, o excelente hebdomadário de Mino Carta. É a minha vacina semanal contra o reacionarismo doentio da Veja (mas não leia). Desculpem, gosto não se discute. Tem gente que gosta de sopa de cebola. Bem. Não é o meu caso. Fiquemos por aqui.
Nas leituras atrasadas que fiz, encontrei algumas notícias interessantes. Soube que se espraiou uma onda de nostalgia no mundo inteiro porque foi anunciado que, no mês julho deste ano, os correios da Índia fariam o envio do último telegrama. Como se vê, a Índia fez o anúncio retumbante do falecimento do telegrama. Também fiquei sabendo que, no Brasil, o telegrama se encontra mais vivo do nunca. E a nossa Empresa dos Correios e Telégrafos não tem planos de acabar com esse vetusto meio de comunicação, que já foi de uso abundante, com uma linguagem bem cifrada, e um final bem característico: PT SAUDAÇÕES. Ah!, como era gostoso ir à agência dos Correios, pegar um daqueles formulários e passar um telegrama para amada: TE AMO VG BEIJOS VG LOGO CHEGAREI PT SAUDAÇÕES. Quem não se lembra da célebre introdução de O Estrangeiro, de Albert Camus, em que o filho, depois condenado por suposições, inicia a narrativa dizendo "Hoje, mamãe morreu", isso por ter recebido um telegrama do asilo onde se encontrava a mãe, com a seguinte redação: "Sua mãe faleceu. Enterro amanhã. Sentidos pêsames." E aí começou todos os seus tormentos. Mas, felizmente, apesar dos pesares, no Brasil continuamos firmes com o telegrama. Resistimos às novidades da internet. Ainda bem.
Também pelos jornais velhos, fiquei sabendo que o ministro Celso de Mello, do STF, por causa dos infringentes, declarou que não foi do seu agrado o assédio da mídia, que tentou subjugá-lo pressionando-o para que o seu voto fosse contra o recebimento do recurso dos acusados na famosa ação penal do mensalão. Celso de Mello, decano do STF, portanto descomprometido com os interesses de A ou B, resume seu desconforto, ante o autoritarismo midiático, na seguinte afirmação: "Essa tentativa de subjugação midiática da consciência crítica de um juiz mostra-se extremamente grave e por isso mesmo insólita." Em seguida, faz questiona: "O que é o direito senão a razão desprovida de paixão?" Apesar da pressão denunciada pelo ministro, o seu voto de admissão dos infringentes foi uma aula de independência do Poder Judiciário. Ainda bem.
Pelos jornais velhos, revivi os sonhos de Martin Luther King, no célebre discurso da Marcha sobre Washington, nos idos de 1963, quando esse líder dos direitos civis denunciava com oratória contundente a brutal discriminação racial nos Estados Unidos da América do Norte, corroborando o que fizera, em 1955, a costureira Rosa Parks, que se negou a ceder o assento num ônibus a um homem branco, tendo sido, nessa resistência pela igualdade, presa, com o caso sendo levado à Suprema Corte, que declarou a ilegalidade dessa prática segregacionista. Luther King, anos depois, noticia o jornal, fala do seu sonho, o sonho de todo norte-americano de bom senso, de ver a justiça rolar como água, de que todos os homens sejam criados iguais, de que seus filhos não sejam julgados pela cor de sua pele, de que negros e brancos se deem as mãos, de que um dia tudo será elevado e nivelado, e a glória do Senhor será revelada e todos os seres a enxergarão juntos.
Só os jornais velhos, como bíblia encardida de tanta leitura, me fizeram reviver tudo isso. Do telegrama, ainda vivo entre nós, aos sonhos de Martin Luther King, que atravessaram todas as Américas, vencendo todas as fronteiras e servindo de esperança para aplainar as desigualdades. São os sonhos que cativam todos nós, bem guardados nos velhos jornais. Ainda bem.

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