Aureliano Neto*
Tudo pode estar bem. Mas... O sujeito pode ter um substancioso aumento de salário e melhoria de vida. Mas... A gripe era forte, com entupimento das fossas nasais de lascar. O remédio passado pelo médico, prontamente adquirido e tomado na dosagem certa, melhorou todos aqueles sintomas desagradáveis, a febre baixou quase para um nada, o gosto de ressaca mal curada amenizou. O corpo ainda um pouco mole. Mas... Enfim, sem sombra de dúvida, o mas é a nossa adversativa salvadora. E mais, com mas ajeitam-se as coisas, sem ser ou sendo. O dia está ensolarado, nenhum mormaço de chuva, o calor suportável, a praia convidativa, a cerveja estupidamente gelada, a conversa jogada fora absolutamente descompromissada da sisudez do dia a dia, mas... Falta sempre alguma coisa, para que tudo esteja nos seus devidos lugares. O mas é o nosso companheiro das nossas carências e abastanças. Sem o mas, estaríamos no mato sem cachorro. Tanto isso é verdade que fulano é uma grande pessoa, mas... E, a propósito do mas, vem uma enxurrada de defeitos, que a grandeza do fulano fica reduzida à condição de um pigmeu moral. Do mas não escapa ninguém. Nem pai, nem mãe, nem marido, nem mulher. Ah!, vejam bem, vem a exaltação: ele é um amor de pessoa, dedicadíssimo, um sujeito bom até demais, faz tudo para fazer-me feliz. Mas... só tem um defeito... Esse defeito se transforma, num átimo, numa pluralidade de vícios, de pouca ou de exuberante importância, podendo até chegar à potencialidade de um deslavado canalha, apenas a depender das canalhices que costumeira ou aleatoriamente pratica.
Mas... É o nosso tema. Mas, por quê? Vem a indagação pejada de curiosidade. Primeiramente, porque adoro o mas. Não lhe tenho nada contra. Escrever sem o mas é uma tarefa que me coloca no campo das impossibilidades. Tenho o cacoete do mas. Não é raro, recorro ao mas, como uma espécie de tábua de salvação de um afogado que procura o encaixe da frase perfeita.
Mas não é bem isso de que quero tratar. Quero referir-me a outro mas, com sentido não adversativo. E sim restritivo. Poderia dizer: mas restritivo. Preferi optar pelo emprego do ê, como consta na frase. Dei uma colher de chá ao mas e o pus de lado. Do que quero tratar é o useiro e vezeiro mas da imprensa brasileira. Como diziam os antigos: da imprensa escrita e falada, denominada nos dias atuais apenas pela expressão mais (aí é o mais mesmo) exótica (um tanto metida a besta) de mídia, que abrange todos os meios de comunicação ou informação.
Não sei se vocês já perceberam o permanentemente emprego reducionista do mas. É assim. Explico. Todas as vezes que uma notícia é dada a respeito do êxito de alguém ou do governo, o fato é divulgado como acontecido, já que fato é fato, vindo em seguida o mas para avacalhar. Querem um exemplo. Recentemente a Caixa Econômica Federal teve um lucro substancioso que alcançou a quantia de R$ 1,87 bilhão, ou seja, 38,5% maior do que o do mesmo período do ano de 2012. Esse lucro obtido com base na expansão do crédito, em concorrência com as instituições financeiras privadas, foi sacrificado e reduzido pelo mas a um reles nada, porquanto a notícia se refere ao ganho, ainda que com prática de juros menores no mercado, ressaltando a manchete: "mas o calote sobe e crédito desacelera". E o texto todo é desenvolvido não em cima do lucro e dos juros menores da CEF, mas dando ênfase ao fato do mas restritivo, caracterizado pela subida do calote e da desaceleração do crédito. Um apego desmesurado ao mas.
Outro exemplo. Dou-o sem pestanejar. No mês de outubro deste ano, a taxa de desemprego ficou em 5,2%, sendo este o melhor resultado desde quando, a partir de 2002, o IBGE faz levantamento desse índice da economia brasileira. Inobstante essa taxa de desemprego recorde, prevaleceu o mas, enfatizando-se o ritmo lento da economia.
Ah!, o mas, palavrinha de emprego constante dos pessimistas. O capitalista adoro um mas. E afirma do alto de sua fortuna: - Este ano os negócios foram bons. Alcançamos todas as nossas metas, mas lucramos menos do que há dez anos. O sujeito faz um retorno pessimista para um passado remoto para minimizar o seu lucro. Resultado, com o pessimismo do mas, lucrou menos, descarrega a sua fúria no pobre do empregado: demite-o. O mas serve para tudo, até mesmo para deixar um pai de família desempregado. Os economistas são especialistas em mas. Deveriam escrever suas teses de economia, com alguns capítulos sobre o mas. O desemprego cresceu, mas... O desemprego diminuiu, mas... A inflação baixou, mas...
Um dia desses peguei um jornal cuja chamada dizia o seguinte: Inflação em julho atinge o menor nível em 3 anos. De início, ao deparar-me com a citada matéria, não encontrei o corriqueiro mas. Espantei-me. Pensei: há algum grave engano, ou com a inflação ou com o menor nível. Voltei à leitura do texto. Estava nas entrelinhas o famigerado mas, no seguinte destaque: "Alívio não chega aos serviços; domésticos sobem 1,45% ao mês." Concluí acacianamente: o mas é uma verdade absoluta, ou melhor, a única verdade verdadeira, em que pese ser mas.
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