Hoje, justamente hoje, poderia ter sido ontem, mas não foi, amanheci com a vontade ter a rosa mais bonita que houver para enfeitar a noite do meu bem. Ah!, essa Dolores Duran, sempre ela, a cutucar o meu lirismo adormecido. Não sei se vou conseguir. Já não há rosas disponíveis. Ou há?, digam-me, por favor! É que não quero as rosas adquiridas nos floristas da esquina. Estão lá bonitas, mas com ar de artificialidade. Perderam a espontaneidade de vê-las altaneiras nos galhos, risonhas, a nos provocar a volúpia de extraí-las com as mãos frêmitas do desejo, só para nós. Isso é como beijo. Tem que ser espontâneo, ainda que viciada a espontaneidade pelo roubo, pela furtividade. Mas a suposta vítima consente. Entrega-se num segundo momento, dissimulando a violência da subtração. A rosa mais bonita e o beijo furtivo, retirado na ânsia da posse a consolidar, consagram a necessidade do eterno lirismo. Dolores, na necessidade de amar, vai além. Ela quer o amor, o amor mais profundo e, vejam bem?!, toda a beleza do mundo para enfeitar a noite do seu bem, que é o bem que é nosso também.
Volto à rosa. Quero a que possa alcançá-la com os meus curtos e sedentos braços, para retirá-la com carinho do frágil galho e depositá-la num jarro da mais pura porcelana alabastrina, para levá-la como troféu à amada. Preciso encontrar essa rosa. Não sei a cor. Talvez a em tons claros, porquanto traduzem a amizade e a solidariedade. Não, não é bem isso que quero. As predominantemente vermelhas, pois expressam a avassaladora paixão que contamina a todos nós. Bem. Não sejamos exigentes. Uma rosa qualquer. Mas que não seja qualquer rosa. Apenas uma rosa qualquer. Um amor de rosa. Ou uma rosa que diga muito sobre o amor.
Embora não o seja, dizem que o escritor é o tradutor de si mesmo. Em cada crônica, no poema, no conto e no romance, vai um pedaço de cada um nós. Nós somos os psicanalistas de nós mesmos. Dizemos o que somos, sem dizermos tudo. Estou tentando traduzir-me. Por isso, digo e repito: amanheci com a terna vontade de ter a rosa mais bonita. Não como um ato de egoísmo. Odeio os egoístas. Como um ato de amor. A quem irá receber a rosa.
A cor? Interrogam-me. Exigem uma definição do tom. Ora, a cor! Pouco importa. Importa mesmo a rosa, colhida vivamente do galho, espargida apenas pelo orvalho e levada solitária como gesto de entrega e de vocação ao amor, embora saiba que o velho Camões teve a premonição poética de cantar a longevidade do amor e efemeridade da vida: "Tão longo amor / tão curta a vida." A rosa, quem sabe, colhida da solidão do galho, pode perenizar o amor não pela nossa vida efêmera, passageira, fugaz, mas pelo simples fato de ser rosa.
Ah!, são tantas rosas. Rosa, apenas Rosa. Rosa Maria. Ana Rosa. Maria Rosa. Rosa (do Guimarães). Rosa do Noel, que cantou o arvoredo, dando brotam as rosas. Rosária de Maria, que não deixa de ser Rosa. Rosa do roseiral. Rosamundo, um mistura de Rosa com Raimundo. Rosa feliz. Rosa alegre. Rosa, aquela amiga que ficou lá no passado, perdida no devaneio incerto do esquecimento. Rosa de todas as dores. Rosa de muitos amores. Rosa Rosinha. Rosa de José. Rosa de Maria. Rosa de João. Rosa apenas Rosa que serviu de tema para muitos versos e prosas. Rosa como flor, cultivada nos jardins dos amores de muitos e tantos, que amam as rosas, se as rosas são flores, como os amores-perfeitos. Rosas que brotam nos quintais, concebidas na solidão do nascimento espontâneo, sem qualquer direito a um afago de quem a vê nascer. Rosa da primavera, sem medo do outono, porque entre o verão e o inverno, para tornar mais bela a natureza. Rosa de Hiroshima, nos versos de Vinícius, que exaltam as crianças mudas telepáticas, cegas e inexatas, as mulheres rotas alteradas, como rosas cálidas e hereditárias. Rosa sofrimento. Rosa da flor e do espinho, que Nelson exaltou na canção eterna, a suplicar que fosse o sorriso tirado do caminho para que pudesse passar com a sua dor, já que o espinho não pode machucar a flor.
Enfim, tem a Rosa Passos, cantando, deliciosamente, Chega de Saudade. E de quebra, Besame Mucho. Pra que mais rosas? Somente a rosa mais bonita que houver para enfeitar a noite não só do meu bem, mas de todos os nossos bens, ao som de Rosa, de Pixinguinha, que exalta a grandiosidade e majestade da alma da mais linda flor.
Portanto, como diz Caymmi, nada como ser rosa na vida / rosa mesmo ou mesmo rosa mulher / todos querem muito bem a rosa / quero eu... todo mundo também quer / rosas... rosas... rosas... / rosas famosas são rosas de mim / rosas mimosas são rosas de ti / rosas a me confundir / rosas a te confundir. Enfim, conclui o baiano: são muitas... são tantas / são todas tão rosas. São apenas rosas. Rosas do ano inteiro, para enfeitar a noite de todos os amores do meu e do teu bem. Por que não?
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