Aureliano Neto*
Ah, se eu ainda fosse jovem!..., clamam os de idade mais avançada, com saudade do tempo que que foi e que nem sempre poderia ter sido o que foi. Insatisfeitos ou conformados com a velhice. Esquecem-se que a regra da vida é inexorável. Seguimos uma única e inevitável trajetória: o nascimento, o viver e o fim: a morte. Entre um polo e outro, vivemos, procurando vencer lentamente o espaço de tempo, para não, vencendo a travessia, chegarmos ao outro lado.
Ghandi, na sua sabedoria pacifista, sintetiza esse vira-a-ser intermitente, ao fazer essa peremptória afirmação: "Toda noite, quando vou dormir, morro. E, na manhã seguinte, quando acordo, renasço." O viver tem um tanto disso: o morrer cotidiano e renascer contínuo. Como processo natural e irreversível, a velhice vai sendo construída. É como cultivar um jardim. Ara-se a terra bruta, tornando-a apta para receber os brotos. Preparada, plantamos, regamos e continuamos a nos desvelar. Despontam as primeiras folhas, ainda bem verdes, sujeitas às intempéries do sol e das chuvas. Crescem sobre os nossos cuidados, ou por si mesmas. Floram. Alcançam a robustez e a beleza da mocidade. E murcham... E murcham... até não mais ter força para manter-se no galho. Despencam e espalham-se pela terra para servir de húmus. Outras nascerão e passarão à trajetória de viver e, inexoravelmente, morrer. A vida e a morte se encontram nesse caminhar, ora amando-se, ora odiando-se, ou mesmo suportando-se. Entre um limite e outro: a infância distante, a mocidade inquieta, a maturidade do amadurecimento e a velhice da reflexão, da prudência e da temperança. Enfim, o fim. Para alguns, o grande e apoteótico começo.
Devemos bem antes descobrir qual o sentido de viver. Muito já se disse e escreveu sobre esse assunto. O que queremos? Por que vivemos? Para que vivemos? Enfim, encontrar, com a urgência da juventude, os valores que vão fundamentar a trilha do nosso viver, para que, no ponto de chegada, nessa corrida longa, mas, paradoxalmente, curta - porque os dois polos, como pêndulos a balançarem de um lado para outro, podem a qualquer momento se tocar -, possamos, vencendo as incruezas e os obstáculos, entender o seu significado, sem as amarguras do passado.
A infância tem o dom do imponderado, do querer para si, simbolizado pela posse egoísta do amor ou desamor; a juventude, da impetuosidade, do fazer apressado, da paixão irrefletida, dos objetivos difusos, do encontrar-se a si mesmo; a maturidade, passos que precedem a velhice, o homem se racionaliza, busca incessantemente suas metas, se prudentemente as traçou; e a velhice, que nem sempre é o fim, podendo representar o crescimento espiritual, temperado pelo conhecimento e experiência adquiridos no caminhar pelo tempo. Por isso, a busca do sentido de estarmos aqui. O vácuo nesse caminhar pode representar o desencontro, a infelicidade do declínio, do descobrimento do não, embora se pensasse em ser.
Quem encontra o sentido da vida, não deseja a volta, o retorno à juventude, ou à infância. Anseia ir mais à frente. Crescer mais, ainda que isso fatalmente o leve ao encontro com a fatalidade do fim. Compreendendo esse significado, a velhice e a morte são quase um nada, uma vez que não se deve coisificar a vida, mas entender, na sua dimensão finita ou infinita, o seu valor, algo que está muito acima do simples e corriqueiro desfrutar do viver.
A velhice dá essa dimensão de entendimento. E, por entendermos o seu significado e compreendermos o seu sentido, é que é vivida a velhice com a exuberância da juventude, com a alegria da infância e com o discernimento menos reflexivo da maturidade. Viver com satisfação a dádiva da sua idade. Este, um raro momento de encontro, dentro de si mesmo, de todos os valores, guardados como tesouro no sagrado ato de viver.
Embora jovem, é preciso que se reflita sobre o exercício de ser velho, não como uma doença que o prive de viver: não pode isso, não pode aquilo, nem sequer comer um reles e insignificante torresmo com uma inofensiva pitada de pimenta. Não. A vida tem que ter o sabor de vida, sem o tatibitate sentimental, que, no dizer de Paulo Mendes Campos, esse pofeta do cotidiano, fere os velhos mais que a velhice. E assevara, ainda mais: "A alma do homem não é tão simples que só o exercício do afeto seja suficiente para satisfazê-la. Respeitemos os velhos sem antipatia, sem o sadismo de certos tipos de ternuras." Assim, deixemos que os velhos sejam velhos. Amemos a sua velhice sem os exageros das restrições que fazem com que eles percam a sua condição de ser uma pessoa humana que apenas necessitam de nosso carinho. Respeitemos o silêncio e o viver inconsequente da idade. O velho é e sempre será uma criança que o tempo viu passar.
Dia desses, no aeroporto, vi duas filhas - pareciam filhas - receber a sua velha mãe, cabelos embranquecidos, dando-lhe a ela o carinho e as lágrimas de quem as recebia pela última vez. Faltou a sabedoria do riso e da certeza da vida eterna. O velho é sempre eterno no amor a ele devotado. E elas choravam, acariciavam, com ternura extrema. Era o amor, que faz da velhice do arrastar dolorosa dos pés a criança que chega inquieta a desejar a atenção dos pais.
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