Penso às vezes que o mundo é das Marias. No passado, não tão distante, pensava que o mundo era dos orelhões, ora em fase de cruel extinção. Hoje, pode até não ser, mas chego à drástica e definitiva conclusão de que é dos celulares. Anda-se para todo lado, de baixo pra riba, como diziam os meus queridos avós, e só se veem celulares. Brancos, pretos, coloridos, com capa e sem capa, porém sempre nos ouvidos. O uso democrático e permanente do celular, numa demonstração de absoluta igualdade entre as classes, quer sejam ...
O tempo, esse eternidade móvel, como definiu Platão, vai chegando, vai passando e vai-se indo. Nesse passar eterno, alguns ficam, outros vão, outros simplesmente desaparecem, sem que se tenha qualquer notícia. Para estes, o tempo se penumbriza, toma uma feição anônima. Muitos, os impacientes, têm grande pressa de viver, e cedo, vivendo toda uma eternidade, se vão. Já outros, nem tanto. Vão levando, como dizia o título do humor que se perdeu na eternidade do tempo, no vai da valsa. A vida passa a ser longeva. Sessenta anos se delongam em séculos. ...
Confesso que fiquei abalado não com o fato em si, mas com o motivo do fato em si. Até porque o fato em si, como conseqüência, faz parte do nosso dia a dia, a não ser que deixemos de jornais e revistas de lado e desliguemos os aparelhos de televisão. Mas, fazendo uma ligeira paródia de Chico Buarque de Holanda, todo dia se faz tudo igual, rotineiramente igual: mata-se, estupra-se, rouba-se, furta-se, corrompe-se e se é corrompido, mente-se, praticam-se levianos estelionatos, enfim estão cotidianizados os mais qualificados e inqualificados crimes, ou, se ...
A notícia foi capa de revistas. Parece que todas as revistas semanais. De início, não me interessei. O destaque dado foi que Angelina, ao retirar os seios, para proteger-se de um possível câncer hereditário, mostrou ser uma mulher corajosa e transformou esse seu destemor num exemplo para todas as demais mulheres, que podem segui-la nessa atitude de combate e desafio a uma doença que tem como vítima preferencial, mulher, sem distinção de raça, de credo, de posição social, econômica ou cultural. Essa doença atravessa todas essas fronteiras e atinge a mulher de ...
Da trágica despedida de Dino, que não teve tempo de fazer um leve aceno para dizer que já estava indo, lembro-me de Bandeira, o poeta de A Cinza das Horas, não sei se no momento certo, mas mesmo assim repito-o num suspiro de dor, que, lancinante, atravessa todos nós que com ele conviveram: a vida inteira que podia ter sido e que não foi. Deixa-nos ainda bem criança, com apenas 50 anos de idade. Tinha uma grande caminhada pela vida inteira que podia ter si e que não foi. Era o tio ...
O crime tem sido o prato que comemos diariamente pelos meios de comunicação de massa. Já o foi o prata de entrada. Comia quem o queira, já que era aperitivo secundário para outras notícias. Não o é mais. Em priscas eras, os jornais de opinião dedicavam uma reles e insignificante página, ou um quase nada, para matéria policial, e sem exibir as fotos dos presuntos, expostos em decúbito dorsal ou frontal. E davam mais relevância a outras notícias: economia, política, cultura, educação, esporte, lazer. Ibrahim Sued fez escola em amenidades. O saudoso ...
Não. Não estou falando (nem quero falar) de igrejas. Mesmo dessas que estão se proliferando por aí a torto e a direito e que, dizem, têm o poder de cura do câncer (ainda que o mais impossível de ser curado), num lapso de segundo. Não. (Hoje estou negativo! Que diabos, hem?!) Mas, verdade, não pretendo entrar nessa seara. Como exorta o poeta português José Régio, no seu célebre poema Cântico Negro, "Não sei por onde vou, / Não sei para onde vou, / - Sei que não vou por aí". Então, sigo caminhos, que podem não ter ...