Aureliano Neto*

O tempo, esse eternidade móvel, como definiu Platão, vai chegando, vai passando e vai-se indo. Nesse passar eterno, alguns ficam, outros vão, outros simplesmente desaparecem, sem que se tenha qualquer notícia. Para estes, o tempo se penumbriza, toma uma feição anônima. Muitos, os impacientes, têm grande pressa de viver, e cedo, vivendo toda uma eternidade, se vão. Já outros, nem tanto. Vão levando, como dizia o título do humor que se perdeu na eternidade do tempo, no vai da valsa. A vida passa a ser longeva. Sessenta anos se delongam em séculos. Ninguém consegue esquecer do florentino Dante Alighieri e a Divina Comédia, sua obra que o imortalizou e o fez vencer o tempo, tornando-o eterno. Muito menos esqueceremos de Platão, que deixou profundas lições filosóficas, e do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare, que nos legou de Hamlet a célebre frase: ser ou não ser, eis a questão. E de nosso Machado de Assis, que teve a felicidade de nos dizer que o passado é a melhor parte do presente. Ou de Faulkner, que disse: sequer é passado. Para esses e outros sujeitos da história, o tempo não passa. Eterniza-se na memória de todos nós, através de sua obra. Venceram o tempo. Porém nem sempre é assim.
Fico pensando em mim mesmo e nos amigos ou não amigos que me circundam, ou que vivem à distância. Fui convidado para posse do novo integrante da Academia Maranhense de Letras. Um intelectual ilustre. Assumia a cadeira do imortal falecido, porém consumido pelo tempo, o desembargador José Filgueiras. Na linha do tempo, Filgueiras deixou o seu nome na história do Judiciário maranhense. Compareci à solenidade, pois ando ultimamente me escusando desses eventos, e o fiz para atender ao convite de um amigo e por ter conhecido em vida o imortal que, com a morte física, deixara vaga a cadeira que estava sendo ocupada. Não fala sobre os discursos. Excelentes no conteúdo, mas excessivamente longos. O do empossando cerca de hora e quarenta minutos. E o do Lino Raposo bem coloquial, não padecendo do vício da prolixidade, como se fosse uma crônica sobre a vida do novo intelectual recebido naquele sodalício (desculpe-me: naquela casa da cultura do nosso Estado).
Mas, o que tem isso a ver com o tempo? Muito e nada. Conheci o desembargador Filgueiras como homem do seu tempo. Preparado intelectualmente, inteligente, influente, participante e um juiz correto. Não tive a felicidade de conhecer a sua produção literário-poética. Era um excelente orador. Havia lido toda A Comédia Humana, de Balzac. Citava, em francês, trechos do monumental romance D. Quixote, de Cervantes. Escrevia muito bem, tendo um excelente domínio da língua pátria. Seus votos, como magistrado de formação humanística, eram bem elaborados e com substanciosos argumentos jurídicos. Esse é o Filgueiras que conheci, que se projetará no tempo de minha memória e de muitos que com ele conviveram. Será eternizado pelo que foi. Muito ou pouco, só a história o dirá. O tempo se move nesse sentido de preservar ou não aqueles que por ele passaram.
Recentemente, fiquei com medo do tempo. Pensei, com o determinismo dos fracos, que ele estivesse se esgotando. E pensava nesse momento de dúvida: - Como serei lembrado? Filho de um marceneiro, educado na infância por um carroceiro (meu avô) e por uma costureira, aprendiz de sapateiro e de linotipo, linotipista de profissão, depois professor de cursos como madureza, artigo 99, pré-vestibular, advogado, professor de universidade, juiz de direito, e, o título que mais me honra, pai de três filhos e marido de Jacirema. Por que esse pensamento lúgubre? Tendo feito um desses exames invasivos, o médico concluiu que tinha que fazer uma cirurgia. Até aí tudo bem. Todo mundo faz cirurgia, ainda que seja para extração de uma reles e insignificante unha. Mesmo assim pensava: - Hospitalizar-me de novo, submeter-me à anestesia e a intervenção cirúrgica. Sem alternativa, fui para esse enfrentamento. E refletia: - Quantos por esse mundo afora não estão vivendo esse mesmo drama. Tudo poderia ser feito aqui, nesta cidade banhada pelo rio Tocantins, ou em São Luís. Temos grandes médicos, cirurgiões de respeito e de reconhecida competência. Chega-se a uma idade, que a gente começa a perder o autodomínio. Minha filha, Bernadete Maria, é médica, com especialidade em nefrologia, atuando em São Paulo, onde fez residência nas Clínicas. Assim, foi ela - denuncio esse fato - quem escolheu São Paulo, para não ficar longe do pai e participar da cirurgia, que foi, com êxito, realizada no Hospital Nove de Julho. Digo logo: Bernadete, como todos os meus filhos, estudou no Colégio Santa Teresinha, escola que deu a eles a base de toda a educação formal e religiosa. À época, dirigida pela Irmã Janice, de comprovada competência administrativa e pedagógica.
65 anos de idade, na iminência de fazer 66, tive dúvida se o tempo ia parar. De tudo uma certeza: tiraram-me a velha e carcomida vesícula, vencedora de tantas batalhas, mas que não suportou a guerra do tempo. Recomendaram-me repouso. Tenho que andar com cuidado. Subir escadas e carregar peso nem pensar. Enfim, estou como mulher parida de antigamente, no resguardo. Confesso: sou um pouco obediente. Nem tanto, mas sou. A idade declinada acima me obriga sê-lo. Deixei os arroubos do passado, em que matava a gripe com umas boas goladas de cachaça com limão. Que fazer, hem?! Que eu saiba, nada. Aguardar o tempo passar. Há dois livros prontos para serem publicados. Um sobre Juizados, e outro de crônicas. Tenho que vencer os meus humores hipocondríacos. Não pensar no limite do tempo. Em O Grande Gatsby, Scott Fitzgerald, nos brinda com esse poético final: "E assim avançamos, barcos contra a corrente, arrastados incessantemente para o passado." Digo mais: vencer esse tempo, porque o passado é o tempo que não passa.

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