Aureliano Neto*

A notícia foi capa de revistas. Parece que todas as revistas semanais. De início, não me interessei. O destaque dado foi que Angelina, ao retirar os seios, para proteger-se de um possível câncer hereditário, mostrou ser uma mulher corajosa e transformou esse seu destemor num exemplo para todas as demais mulheres, que podem segui-la nessa atitude de combate e desafio a uma doença que tem como vítima preferencial, mulher, sem distinção de raça, de credo, de posição social, econômica ou cultural. Essa doença atravessa todas essas fronteiras e atinge a mulher de forma brutal, matando-a ou provocando estrago estético, com o qual é obrigada a conviver até o final dos seus dias. Do outro lado, está o homem, a cercá-lo como hiena esfaimada, o câncer de próstata, que o obriga a, chegando aos quarenta anos, fazer os constrangedores exames para detectar a possibilidade de vir ou não a ser acometido por essa grave e dilacerante doença, cruel e devastadora a exigir muita cautela de todos nós, embora saibamos que um belo dia, mais cedo ou mais tarde, estaremos indo para o encontro em definitivo com a eternidade. Mas... seguro morreu de velho!
Deixemos de lado essas elucubrações nada otimistas. Fiquemos com Angelina Jolie, atriz norte-americana, que, enfatizam as revistas, teve a coragem de extrair os seios para não vir a ser vítima de um possível câncer, que já matara a sua mãe, aos 57 anos de idade. Ainda bem criança, se considerarmos o avanço da medicina, que tem realizado curas milagrosas, às custas de novas técnicas, novas pesquisas e novos medicamentos. Resultado: vive-se mais tempo, como mais qualidade de vida, a não ser quando os nossos devotados Hipócrates não encontram uma solução para nossas desventuras.
De tudo isso, assaltam-me dúvidas. Mesmo assim, dediquei-me à leitura da reportagem. Mas as dúvidas persistiram em me atormentar. Tanto que não cheguei a nenhuma conclusão, porquanto não sei se Angelina, ao extirpar os seios, numa mastectomia preventiva dupla radical, para preservar-se do acometimento de um câncer hereditário, o fez embuída de uma coragem desafiadora, ou se foi por medo do padecimento da doença, caso viesse dela a sofrer, ou se o medo foi da inevitável morte. Não sou desses logo a afirmar, com a convicção dos sábios, que a atriz "mostrou coragem", até porque a coragem é um sentimento antípoda do medo. Se não tenho medo, tenho coragem. Se tenho coragem, não tenho medo. A coragem e o medo estão sempre a nossa espreita. Mas, uma certeza paradoxal: o maior medo é o da morte, que se traduz na coragem de enfrentá-la nas situações mais adversas. Nem sempre é a nossa coragem, porém é a coragem daqueles que estão em torno de nós. Nesse enfrentamento, em que coragem e medo se digladiam, temos a certeza de nossa finitude, porque, como diz o adágio popular, um dia a casa cai e coisa muda, ainda que com medo ou com coragem. Pouco importa.
Volto à atriz. Diz a reportagem que não é mulher de meios termos. Portanto, conclui-se: é decidida nas suas decisões. Essa é a marca das mulheres de nossos tempos: são decididas. Os homens já não têm tanta valia. O que é bom para alguns, e desagradável para outros. Mas que fazer? São os novos tempos. O texto do repórter desce a detalhes a mim pouco significativos. Angelina, quando jovem, gostava de se cortar, deixando transparecer algum sintoma de masoquismo. Pois é, se não for, parece. Então, fica só no parece. Afirma, ainda, que, no primeiro casamento - deve ter havido outros, pois esse pessoal se casa em profusão - a camiseta branca que usava, estava escrito o nome do noivo com o seu sangue. No outro casamento, pendurava no pescoço um frasco com sangue do noivo. Covenhamos, hábitos esquisitos. Mas é uma atriz famosa, como são tantas do mundo do cinema e da música pop. E essas excentricidades denunciam características exóticas no mundo das esquisitices. O que me pergunto é: o que tudo isso tem a ver com a retirada dos seios para prevenir-se contra a possibilidade de um câncer geneticamente possível? Creio, e aí não tenho dúvidas, que nada. Minha crença, a esse respeito, e nada se reduz a um quase nada.
Dizem, ainda, que é a mulher mais desejada do mundo. Voltam-me as dúvidas. Desejada em que sentido? Por ser rica, magra (não é bem assim, já que padece de uma magreza de fome africana) e bela? Pela fotografia que vi na revista, é de uma magreza óssea. Por essas características anatômicas, não faz o meu tipo. Magro, nem filé. Belas magras que me perdoem, mas um pouco de gordura é fundamental. Mas isso é questão de gosto. E a sabedoria popular afirma com veemência de que gosto não se discute. Ou se aceita ou não se aceita. Está mais ou menos no campo filosófico de ter ou não ter coragem, ou de ter ou não ter medo. Então, ser a mais desejada do mundo não é uma regra, já que há exceções. Quanto a ser a celebridade mais poderosa do mundo - constatação da revista Forbes, que sabe tudo desse pessoal - a dúvida continua a me assaltar: não conheço as suas ideias avassaladoras que tenham contribuído para transformar o mundo para melhor ou para pior. Sei que mandou extirpar os seios, num procedimento de mastectomia radical, como prevenção de imunizá-la da possibilidade de vir a sofrer de um câncer hereditário, que poderia vir a acontecer ou não. Muitos e muitas concordam com o seu dilacerador ato de extirpação dos órgãos mamários mais sexy da mulher, que tem a força simbólica da maternidade. Outras devem seguir seus passos. Outras devem ir por outro caminho menos lesivo. Outras, antes, haviam realizado a extração dos seios, por aconselhamento de oncologistas que afirmam ser a decisão mais acertada. Já outros entendem que há tratamento menos agressivo. Eu, que não tenho nada de celebridade, sem mais ter o que dizer, além do que já foi dito, alio-me por conveniência poética a Dolores Duran, na célebre letra que fez para a música Por Causa de Você, de Tom Jobim, em que essa sofrida musa da canção brasileira, que nos deixou, por outro mal, o do coração, resume a todos nós nesses dois versos: Somos a vida e o sonho / Nós somos o amor. Assim, que a possibilidade da morte não nos faço vítimas da coragem ou do medo, mas símbolo do sonho e do amor. Dolores está certa: somos vida e sonho. Somos o amor.

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