Não. Não estou falando (nem quero falar) de igrejas. Mesmo dessas que estão se proliferando por aí a torto e a direito e que, dizem, têm o poder de cura do câncer (ainda que o mais impossível de ser curado), num lapso de segundo. Não. (Hoje estou negativo! Que diabos, hem?!) Mas, verdade, não pretendo entrar nessa seara. Como exorta o poeta português José Régio, no seu célebre poema Cântico Negro, "Não sei por onde vou, / Não sei para onde vou, / - Sei que não vou por aí". Então, sigo caminhos, que podem não ter princípio ou fim. Faço desse caminhar sem rumo e sem destino a busca frenética de todos os encontros. Com o passado, com o presente e, se possível, com o futuro. Mas... sei que não vou por aí. Alguém já disse que o nosso caminho na vida é feito mesmo de marcas que carregamos da infância. Diz mais: também contempla relações, pessoas, amores, decepções, fantasias, realidades, circunstâncias, que criamos para substituir todos os sonhos que não tivemos na infância, os quais, a todo instante, transpomos para nossas vidas atuais. A infância passa a ser cada momento que não foi.
A nova descoberta cientista nos deixa a nós maranhenses cheios de entusiasmos. Não se trata de gás natural ou de petróleo. Longe de ser. É algo que denuncia a riqueza do fruto produzido pela artocarpus heterophyllus. Até então muito pouco se sabia do seu poder curativo. Sempre soube que comer os seus frutos era extremamente agradável. Nunca desperdicei a oportunidade. Só não gostava de lambuzar as mãos, retirando os caroços após ser separada em bandas, porquanto os seus bagos são envolvidos por uma substância pastosa e grudenta. Mas, prato feito, nunca dispensei saborear as suas polpas, ora moles ora mais consistentes, não deixando, depois, de comer os próprios caroços, que eram cozidos, à época, num fogão de lenha, até ficarem bem amolecidos, retirando-se, a seguir, a leve capa de sua cobertura para degustar a massa do seu interior. Ah!, comê-la era uma festa. E entre os meus irmãos, uma disputa sadia, que podia, dependendo das circunstâncias, assumir contornos sérios, com consequências imprevisíveis, para o estômago daquele que fosse mais guloso. Às vezes, o excesso de minha parte era uma dorzinha de barriga. Algo passageiro, mesmo suportável, que não inibia o desafio de comer com avidez os seus bagos duros ou moles. Não tinha preferência. O que viesse, viesse. Confesso: tinha uma certa queda pelo bago mole. O bago duro dava, aqui e acolá, mas, nem sempre, é preciso que se diga, para não desmoralizá-lo, alguma ligeira indigestão passageira. E todos estavam preparados para uma nova etapa gastronômica dessa fruta, que tinha o poder de matar a vontade da família inteira.
Ao dar com a notícia da descoberta do seu poder de cura, fui, como todo curioso, à internet. Lá encontrei o seguinte: "A jaca é consumida fresca, seca e em conserva. A polpa, que constitui de 25 a 40% do peso da fruta, é usada para o preparo de várias bebidas. Também são usadas para o preparo de doces, geléias e pode ser consumida cozida. Na Índia sua polpa é fermentada e transformada num tipo de aguardente. Além de ser uma fruta saborosa, a jaca traz alguns benefícios para a saúde. Por ser rica em potássio ajuda a reduzir a pressão arterial. É uma boa fonte de vitamina A, vitamina C, tiamina, niacina, ferro, sódio, cálcio, fibras, fósforo, etc. Rica em fitonutrientes, a jaca pode ajudar a combater o câncer e retardar a degeneração celular. As folhas da jaqueira são úteis para curar a febre, furúnculos e doenças de pele. O látex do fruto é útil no tratamento de faringite."
Vejam os senhores: eu que fui um comedor impertinente de jaca, tinha com ela apenas uma ligeira indisposição, logo eliminada quando os seus caroços se encontravam acondicionados no prato, prontos para serem deglutidos. E por que tinha essa indisposição? Explico. Não me faço de rogado. Era a casca verde ou amarelada, com aquelas saliências pontiagudas. Aí está a indisposição: as saliências pontiagudas da casca. Sempre carregava a jaca pelo talo, sujeito a lambuzar as mãos (normalmente a esquerda; nasci com esse outro defeito: sou canhoto até ideologicamente). Jamais a sobraçava. Suspendia-a pelo talo do mercado até em casa. Mantinha assim com ela uma relação de intimidade não muito afetiva. Caminhava pensando como seria o sabor da sua polpa. Aquela carne pastosa, ora amolecida, ora bem consistente. Ah!, o doce de jaca, preparado pela minha tia, era inigualável. Aguardávamos quando saía da panela, bem no ponto, após ser submetido ao calor intenso do fogão de lenha.
Agora estou vendo que a jaca, apoteose gastronômica da minha infância, tem outras virtudes, mais do que os seus sabores. Pois não é mesmo?! Meus caríssimos concidadãos, os cientistas brasileiros, curiosos como sempre, descobriram que a semente da jaca tem uma tal de lectina, chamada também de jacalina, que reforça as células de defesa de nosso organismo, enfim protegendo o nosso corpo de uma imensidade de doenças. E eu que comi tantas jacas, jamais pensei que estava absorvendo a tal da lectina que muito me tem ajudado na defesa de tantas doenças. Ah, bendita jaca, agradeço-te, porque foste, sem o saber, tão importante na minha vida. Deixo aqui o meu afetuoso abraço de agradecimento e a vontade de voltar a comer-te com a sofreguidão, pois agora sei que tens a cura dos meus males.

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