Aureliano Neto*

O crime tem sido o prato que comemos diariamente pelos meios de comunicação de massa. Já o foi o prata de entrada. Comia quem o queira, já que era aperitivo secundário para outras notícias. Não o é mais. Em priscas eras, os jornais de opinião dedicavam uma reles e insignificante página, ou um quase nada, para matéria policial, e sem exibir as fotos dos presuntos, expostos em decúbito dorsal ou frontal. E davam mais relevância a outras notícias: economia, política, cultura, educação, esporte, lazer. Ibrahim Sued fez escola em amenidades. O saudoso Zé Edilson, de O Progresso, era leitura obrigatória. Lembro do Jornal do Brasil e do Correio da Manhã, que, no Rio, mantinham uma linha de opinião que influenciava todo o Brasil. Perseguido o Correio pelo regime militar, fechou as portas. A leitura obrigatória era o caderno B. Eu comprava o Jornal do Brasil para ler a Coluna do Castello e, com imenso prazer, o caderno B. O Última Hora, de Samuel Wainer, era um jornal de colunas, com bons editorialistas. Fazer a sua leitura era um exercício de profunda reflexão. Mas, vejam bem, o jornal de maior circulação, que mais vendia nas bancas, sem o prestígio editorial do JB e do Correio, era O Dia, de Chagas Freitas. Noticiava crimes. De preferência, os bem hediondos, em que os corpos das vítimas eram decepados e retalhados e expostos aos olhares sádicos dos curiosos. De lá para cá, o que mudou?! Direi sem muito pensar: muito pouco. O noticioso de maior audiência de nossa televisão, que é o JN, da Globo, está recheado, do começo ao fim, de crimes. Parece até que no Brasil os delitos são cometidos a metro quadrado. Essa é a imagem que nos é colocada no dia a dia, a nos levar à falsa idéia de que vivemos no império de bandidos, e o pior, que vale a pena ser criminoso. Dá notícia.
Contemporâneo do mais recente crime, que teve como vítima a dentista queimada pelos seus algozes, tendo a participação de um adolescente, tem-se, ao lado dessa crueldade, o delito da manicure Suzana de Oliveira, que assassinou o menino João Felipe, de seis anos de idade, escondendo o corpo numa mala. A autora desse brutal homicídio justifica a prática do crime alegando estar inconformada com o fim da relação amorosa que tivera com o pai da vítima. E, com frieza, descreve como matou o menino: - Coloquei a toalha nele, tapando a via respiratória com a mão. E como ele batia os pés, o cara (quem a ajudou) pegou o lençol e amarrou os pés dele. Dado curioso: a manicure assassina repetiu a mesma ação criminosa, com requinte de perversidade, que fora realizada nos anos 60, quando Neyde Maria Lopes, conhecida pela alcunha de "Fera da Penha", seqüestrou e matou uma criança de quatro anos, incinerando o corpo. O detalhe que fez com que a história se repetisse como tragédia: a vítima era filha de um ex-amante da assassina, e o homicídio cruel se deu por desavença amorosa e com a torpeza da vingança. Assim, a tragédia se repete com todos os ingredientes sensacionalistas. E, nos dois casos, o fundamento dos crimes é a vingança passional.
Como o crime está inserido na sociedade (porquanto não há nenhum grupo social sem crime), todas essas tragédias continuarão a se repetir, a todo tempo, com maior ou menor intensidade. As pessoas são as mesmas, e os sentimentos e a crueldade não são diferentes. O que foi e é, pouco muda. O amor ferido, a paixão cega, a revolta de quem que se sente desprezada, tudo isso, entranhado nos tormentos da mente perturbada, contribuem para impulso da tragédia anunciada.
O crime sempre é notícia, até mesmo quando não se concretiza. Ou quando se concretiza com resultado frustrado, em razão de o criminoso não alcançar o fim desejado. Num dos casos desses infortúnios inexplicáveis, o assaltante morre durante o roubo. Esse fato ocorreu em São Paulo. Um assaltante, quando roubava um posto de gasolina, sofre um ataque cardíaco, daqueles que a página policial chama de fulminante; assim, não resistiu e morreu. O delegado da investigação, num arroubo de eloqüência, sapecou essa deslumbrante frase: - Na emoção do assalto, o coração dele não resistiu. Seus comparsas (do morto), por via das dúvidas, fugiram do local do crime, deixando a deus dará o corpo do infortunado cúmplice, que se encontra estirado numa das gavetas apropriadas para guarda dessa involuntárias vítimas do destino. A mãe - sempre a mãe -, justificando a fatalidade, disse que o filho sofria do coração desde pequeno. Uma pena. A morte o pegou em plena operação e não lhe deu trégua. Caiu mortinho da silva.
Menos sorte teve aquele noivo. A esposa, e não apenas a noiva, num pequeno espaço de tempo, descobre a traição do noivo justamente no dia do casamento. Não deu outra: o divórcio dez após a cerimônia nupcial. Toda a cidade, pela mídia fofoca, tomou conhecimento da traição. O amor virou ódio. A sentença não só decretou o divórcio, mas, quebrado o vínculo matrimonial, reconheceu o dano e condenou o ex-noivo e ex-marido a uma indenização reparatória, admitindo todos os elementos da safadeza pré-nupcial: dano, ilicitude do ato e a causalidade, que, trocada em miúdos, quer dizer: o sujeito de fato traiu, fazendo jus à condenação. A mídia não deixou por menos, deu ampla e total divulgação. O ex-noivo e ex-marido continua firme com o velho amor - a amada amante da traição, descoberta no dia do enlace matrimonial, que culminou no imediato desenlace. Certa, pois, a sabedoria popular: casamento se desmancha na porta da igreja, mesmo após consumado.
 

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