Crônica da Cidade

Crônica da Cidade

Um pouco de Marx

Os amigos, muitas vezes, são provocativos. No bom sentido. Fustigam-nos para que possamos acolher o desafio de realizar alguma empreitada nem sempre tão fácil de chegar ao bom termo. Quieto, fazendo outras leituras ou algum estudo, a não exigir grande esforço cognitivo deste cansado cérebro de setenta anos, recebo o sempre agradável telefonema do meu dileto amigo Lourival Serejo, com o qual tenho o prazer de trocar ideias quase diariamente. Provocava, incisivo, o nosso ilustre desembargador e acadêmico da AML e AIL: - Marx, se fosse vivo, faria 200 anos e tu não vais falar dele? No primeiro ...

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1º de Maio

De logo, alerto: não é essa data o dia do trabalho, é o dia do trabalhador. Nesse sentido, com exigências atuais, é dia do trabalhador e da trabalhadora. Basta que seja alguém que trabalhe mediante recebimento de salário. Mas nem sempre foi assim. Durante muitos e muitos anos, foi apenas dia do trabalho. O trabalhador era assemelhado a um escravo. Só que o escravo era um bem patrimonial, integrando a propriedade do seu senhor, que detinha amplos direitos sobre esse patrimônio-escravo. Já o trabalhador, nessa condição, trabalhava de sol a sol (com algumas pequenas variações) e recebia (e ainda recebe) ...

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Raymundo Liciano de Carvalho

Para os velhos companheiros da turma da antiga Faculdade de Direito da Rua do Sol, apenas Liciano. Foi lá naquele casarão, a partir da prova do vestibular para o curso de Direito, que nos conhecemos. Vão-se alguns anos. Ainda me lembro da nossa expectativa, ao pé da escadaria, ao receber as notas que nos aprovavam ou reprovavam, gerando tristezas para alguns e muitas alegrias para outros. Era assim: só fazia a prova seguinte quem passava na anterior. A reprovação era ao vivo, no pé da escada. Reprovado, não subia. Fomos vencendo as etapas. No meio de toda essa ...

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Diário dos pombos

Dia 18 de março, com o tempo bem nublado e alguns leves respingos de chuva, fortemente bocejando, fui até a sacada. Não bem uma sacada, apenas uma puxadinha, onde se dá uma rápida espichada do pescoço para chamar o vendedor de cuscuz, que passa matinalmente anunciando o saboroso e tradicional quitute. Os dois estavam lá na beirada do prédio de frente. Não demonstravam intimidade. Mas, bem próximos, como se fossem grandes amigos, saltitavam juntos, a uma pequena distância. Eram dois pombos, ou um pombo e uma pomba. Ou duas pombas. Não há como se saber a diferença entre ...

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Morrer com dignidade (ou a arte de morrer)

Não gosto muito desse assunto. Quase ninguém gosta. Não é verdade? Mas, deixando os meus temores de lado, resolvi enfrentá-lo. Não por acaso, ou por sentir-me corajoso. Não é bem isso. O fato é que estava passando uma vista dolhos nos jornais velhos, nas páginas que tenho por hábito recortar. E vi o rosto risonho de Marielle Franco, ora da sacada de sua casa, ora da tribuna da câmara municipal, ou em uma reunião, a última que fez na Lapa. Ainda se lembram dessa favelada, vereadora ou, em síntese, o ser humano, que, por esses dias, não tão ...

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Janela

Apreciava-se a vida pela janela. Por esse aconchegante retângulo, o sol nascia e se punha no entardecer. Desse espaço, a moça espiava o tempo e desejava que passasse, para ver através dele o seu sonho com olhar de desejo mas cheio de promessas; por ela, as crianças, muitas vezes, expiavam os seus pecados advindos de alguma traquinagem. E o castigo era ficar quieto naquele ventilado vão da casa. (Ora, ora, quantos, como punição, passaram todo o carnaval à janela! No máximo tinham o direito de jogar serpentina ou alguns exíguos confetes.) Por aquele espaço, eu, tantas vezes, ainda ...

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Marielle: vítima de assassinato moral

A direitona é cruel; não respeita nem a morte. Além de a vereadora Marielle Franco ter sido assassinada com quatro tiros na cabeça, disparados por pistola de repetição ou por metralhadora, segundo afirmam os especialistas que têm se manifestado sobre esse bárbaro crime, ainda tem sido vítima do assassinato moral, em que balas de insultos preconceituosos são lançadas contra o seu cadáver, ora sedimentados em cima de mentiras, ora em razão da sua condição de destemida defensora dos direitos dos mais oprimidos, daqueles que sofrem a violência da marginalização social. Na história recente, tivemos outras vítimas. Basta apenas que se ...

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O Poder Judiciário e seus tormentos II

Foi assim: já se vão mais de vinte anos; pra ser preciso, vinte e oito anos. No início da noite, saí de Imperatriz. Peguei o ônibus na rodoviária, com a minha mulher Jacirema e meus três filhos, ainda pequenos, o mais velho Aureliano, hoje juiz de Direito. Viajamos a noite toda. Descemos em Santa Maria, no Pará, e pegamos outro ônibus para Vizeu. Chegamos por volta das dez para as onze horas da manhã. Retiramos as bagagens: malas, caixa de livros, máquina de datilografia, ainda encaixotada, e um farnel, contendo de tudo um pouco, que a minha precavida ...

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