Os amigos, muitas vezes, são provocativos. No bom sentido. Fustigam-nos para que possamos acolher o desafio de realizar alguma empreitada nem sempre tão fácil de chegar ao bom termo. Quieto, fazendo outras leituras ou algum estudo, a não exigir grande esforço cognitivo deste cansado cérebro de setenta anos, recebo o sempre agradável telefonema do meu dileto amigo Lourival Serejo, com o qual tenho o prazer de trocar ideias quase diariamente. Provocava, incisivo, o nosso ilustre desembargador e acadêmico da AML e AIL: - Marx, se fosse vivo, faria 200 anos e tu não vais falar dele? No primeiro momento, fiquei indeciso quanto à resposta. Mas conversamos um pouco mais sobre Marx e, ainda assim, não lhe dei a resposta afirmativa. Quando me dei conta, estava às voltas com Marx. Não só em razão dos 200 anos que faria, caso vivo, mas também os mais de 150 anos da sua mais monumental obra, O Capital, publicada na Alemanha, em 1867, com o subtítulo Crítica da economia política. A partir de Marx, o mundo se dividiu, de forma mais revolucionária em termos de pensamento científico, em capitalismo e socialismo. Acrescente-se, neste ligeiro texto, que o socialismo não é uma criação marxiana, embora O Capital seja a principal obra da doutrina socialista. No entanto, outros pensadores como Thomas Moore, em Utopia, já bem antes, acreditavam numa sociedade ideal e de estrutura igualitária. Robert Owen, um industrial reformador, considerado o pai do socialismo e do cooperativismo, alinhado com o que se denominou de socialismo utópico, pensava ser possível criar-se um sistema socialista, de organização político-econômica de forma pacífica, sem subverter a ordem capitalista existente. Marx consolidou essas ideias socialistas, centradas em alguns pilares teóricos: o materialismo histórico, materialismo dialético, a luta de classes, a revolução proletária, a doutrina da mais-valia e a teoria da evolução socialista.
Leandro Konder, falecido filósofo marxista, em Marx - vida e obra, publicado pela Expressão Popular, relata que, em 24 de agosto de 1849, Marx deixa Paris para se instalar em Londres, onde passou por extremas dificuldades financeiras. Por essa razão, perdeu dois filhos, ainda bem pequenos. Mas era um leitor e pesquisador que trabalhava com grande intensidade. Lia sem parar e coligia dados para suas análises sociológicas e econômicas. Foi influenciado pelos estudos que fez de Hegel, sobretudo o método dialético, aplicando-o à análise da evolução social da humanidade. Com fundamento nesses estudos, Marx conclui que a sociedade capitalista apresenta numerosas contradições, e a principal delas é a que se estabelece entre o capital e o trabalho. Só a revolução pode eliminar essas contradições, como condição de existência das classes: a luta de classes, que necessariamente integra o DNA de toda sociedade. Tanto que Marx e Engels admitem que a burguesia exerceu, num determinado momento, papel revolucionário na história, quando rompe as amarras do feudalismo, para se estabelecer como classe dominante.
Marx viveu no século XIX e desenvolveu o seu pensamento em plena revolução industrial, com a predominância da classe burguesa. Embora ainda houvesse, como fruto de uma tradição intelectual, uma visão iluminista do mundo, com prevalência das doutrinas contratualistas, havia a crítica do ideário romântico que combatia a sociedade burguesa industrial, pelas mudanças que passou a realizar na vida humana, em prejuízo de alguns valores sedimentados no passado. Havia, pois, um romantismo crítico, antiburguês e conservador. Surge, ainda, no século XIX, como contribuição de Augusto Comte, o Positivismo que fomentava uma verdadeira repulsa ao pensamento metafísico, fixando como dogma: ver para prever; estudar o que é a fim para daí concluir o que será. Assim, como decorrência de todas essas circunstâncias que mudaram, na essência, a sociedade, três aspectos essenciais fundamentam o pensamento de Marx: o Positivismo, o Romantismo e a filosofia hegeliana, donde ele fez o estudo do método dialético, embora o criticando posteriormente.
Conquanto Marx tenha sido um homem do século XIX, a sua produção científica está assentada em elementos de uma cultura intelectual marcada pelo humanismo e, segundo autores que se aprofundaram no estudo do seu pensamento, pelo romantismo alemão. A teoria do materialismo histórico, concebida por esse filósofo alemão, teve, segundo o próprio autor, influência das ideias evolucionistas de Charles Darwin. Na verdade, toda a obra de Marx, no que pertine ao pensamento político, voltado para ação, consistente na organização operária, representa um projeto emancipatória para a humanidade. Ainda que tenha vivido no século XIX, a sua vasta obra continua viva e a ensinar caminhos de libertação. Marx, que nasceu em 5 de maio de 1818, perdeu a mulher, a quem muito amava, em 2 de dezembro de 1881, e faleceu em 14 de março de 1883. Na revista Os grandes filósofos, que trata de temas de filosofia, consta este epígrafe, como chamada de capa: Karl Marx - Seus pensamentos, ideias e teorias ainda ecoam na luta pelos direitos de homens e mulheres de todo o planeta. Ou seja: o velho Marx, de duzentos anos, ainda incomoda a classe dominante conservadora.
* Membro da AIL e AML.
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