A direitona é cruel; não respeita nem a morte. Além de a vereadora Marielle Franco ter sido assassinada com quatro tiros na cabeça, disparados por pistola de repetição ou por metralhadora, segundo afirmam os especialistas que têm se manifestado sobre esse bárbaro crime, ainda tem sido vítima do assassinato moral, em que balas de insultos preconceituosos são lançadas contra o seu cadáver, ora sedimentados em cima de mentiras, ora em razão da sua condição de destemida defensora dos direitos dos mais oprimidos, daqueles que sofrem a violência da marginalização social. Na história recente, tivemos outras vítimas. Basta apenas que se dê uma olhada nos acontecimentos trágicos dos anos setenta para cá. Santo Dias, operário metalúrgico e membro da Pastoral Operária de São Paulo, em 1979, foi morto pela Polícia Militar, quando comandava um piquete de greve. Chico Mendes, ativista político e ambientalista, em 1988, foi brutalmente assassinado por forças reacionárias. E a irmã Dorothy Stang, considerada mártir da Amazônia, em 2005, foi morta a tiros por defender pobres agricultores, para que tivessem uma vida de dignidade no cultivo da terra.

Lendo o jurista Oscar Vilhena Vieira (In: Marielle Franco, texto publicado na Folha de São Paulo, edição de 17/3/2018, p. B2), ressalto esta passagem: "Numa sociedade injusta, marcada pela profunda e persistente desigualdade, pelo racismo, pela banalização da vida e pela constante subordinação das mulheres, não é surpreendente que setores que lutam pelos seus privilégios e pela manutenção de sua dominação sejam tão refratários à ideia de que todas as pessoas devem ser tratadas com igual respeito e consideração. Por isso atacam os direitos humanos." E mais adiante, Vilhena faz esta grave advertência: "...a violência ilegal por parte do Estado não é um instrumento eficaz contra a criminalidade. Ao contrário, elas (arbítrio policial e a corrupção) rapidamente se associam e se fundem, com a única finalidade de explorar, extorquir e aterrorizar a sociedade. O resultado é o caos na segurança, que já vitimou mais de 1 milhão de brasileiros nos últimos 20 anos."
Os fatos não mentem e sinalizam para essa preocupação do constitucionalista Oscar Vilhena: a violência ilegal do Estado nunca foi e nunca será eficaz contra a criminalidade. De logo, vem a pergunta do mais afoito: - Como fazer, então? Primeiramente, impõe-me dizer que a história do Brasil, oficialmente ensinada nas escolas para nossas crianças e adolescentes, é uma farsa, recheada de golpes que foram dados para resguardar os interesses políticos (de poder) e econômicos da elite. Essa história do grito de independência ou morte é pura cretinice. Por mais que se lute, o nosso País continua vassalo de interesses alienígenas. A propósito, após o golpe do impeachment, dado pela elite, com o apoio dos grupos econômicos que dominam a mídia, as primeiras medidas foram para retirar direitos dos trabalhadores e entregar, sem qualquer cerimônia, as nossas riquezas (pré-sal) para empresas norte-americanas, enquanto se exorciza estrategicamente a esquerda, como se esta fosse a inventora da corrupção. E o pior: tem gente que acredita nessa balela.
Querem um exemplo patético dessa farsa. Vamos lá. Existe uma figura cujo nome de batismo é Paulo Vieira de Souza, que responde pela alcunha de Paulo Preto. Atua ou atuava em São Paulo. No âmbito dos governos tucanos. Trata-se do ex-diretor da Dersa. Está na lista dos investigados do PSDB. Opera no âmbito desse partido. As suas "ações" foram sempre vinculadas a José Serra, senador, e Aloysio Nunes, ministro do Temer. Paulo Preto, pelo que dizem, não ganhou na loteria, não herdou nenhuma fortuna, nem é um grande ou médio ou pequeno empresário. Mas, em suas contas no exterior, foram encontrados nada menos que R$ 120 milhões. Em que pesem outras prisões por menos que essa respeitável bolada de grana, Paulo Preto continua apenas investigado, porém incólume, sem que ninguém lhe toque num só fio de cabelo.
Feita essa ligeira digressão, um dos caminhos a ser percorrido é a eterna luta, como projeto de governo, de elidir ou reduzir a desigualdade, a índice suportável, através de uma educação de qualidade e voltada para o desenvolvimento, além de socializarem-se os lucros. É impositivo que seja criado o imposto sobre as grandes fortunas, até porque a suposta reforma trabalhista foi uma dádiva concedida a nossa elite empresarial, em detrimento dos direitos do obreiro.
Marielle militava nesse espaço de combate em defesa dos menos protegidos, entre os quais o favelado, sempre considerado, na ótica do mais abastado, como bandido. No último dia 10, por coincidência, denunciou os abusos do 41° batalhão da PM, de Acari, Rio. Ainda: as mesmas balas que foram utilizadas nas chacinas de Osasco e Barueri, em São Paulo - crimes praticados por policiais - serviram para que um expert atirador as usasse num tipo de arma, de uso restrito das forças de segurança, com absoluto êxito e matasse a vereadora, acertando-a com quatro tiros na cabeça. O modus operandi foi estrategicamente muito bem planejado, sendo projetado por uma mente que conhece logística, e, na execução, um especialista com perfeito conhecimento do que fazia. O crime, como foi praticado, nada tem a ver com a intervenção federal no Rio. Houve um aproveitamento desse momento crítico, provocado que fora, de forma insensata, por Temer, na ânsia de alcançar popularidade. O crime teve como finalidade eliminar um forte inimigo ideológico, até porque Marielle enfrentava o seu futuro algoz com a poderosa arma da ideologia, da palavra, silenciada pela violência. O resto são calúnias. Desprezo pelo ser humano.

* Membro da AML e AIL.