Servidoras do Hospital Geral de Palmas (HGP) e do Hospital e Maternidade Dona Regina relataram à imprensa a situação "crítica" das unidades de saúde. Há mais de uma semana os funcionários que cumprem plantão nos hospitais não recebem refeição. Os acompanhantes também buscam outros meios para se alimentar, já que a comida está escassa até mesmo para os pacientes. Outra dificuldade apontada pelas profissionais de enfermagem é a falta de copos descartáveis. "O jeito é improvisar", afirmam. Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado do Tocantins (Sintras), Manoel Miranda, o grande problema dos hospitais tocantinenses é a terceirização.

A solução, segundo o representante sindical, seria o Estado assumir "definitivamente" a gestão dos serviços prestados pela Litucera Limpeza e Engenharia. "Que o Estado mesmo comprasse os alimentos e ele mesmo contratasse os funcionários para fazer as refeições, porque o custo hoje é muito alto", sugeriu, ao acrescentar que falta autonomia para o governador Marcelo Miranda (PMDB). "O Estado, o governador, está nas mãos da Litucera, porque ele não tem autonomia de gestão nos hospitais, quem manda na limpeza, na rouparia, na alimentação é uma empresa terceirizada", criticou.
"Por isso que o dinheiro da saúde não dá", continua Miranda. "Todo mundo ganha uma coisa. É os dos medicamentos que lucram em cima, os hospitais particulares que prestam atendimento lucram em cima, os laboratórios lucram em cima, a empresa de alimentação e limpeza lucra em cima desse dinheiro. Então, o dinheiro não dá porque é mal gerido. O Estado é um mal gestor do dinheiro público na saúde", enfatiza.
Segundo o presidente do Sintras, com a gestão direta, além de economia, o governo teria maior controle dos gastos. "Inicialmente ele poderia contratar pessoas, emergencialmente, até fazer um concurso; e ele mesmo [Estado] comprar os insumos, comprar os produtos, fazer a alimentação e servir. Com um controle dos próprios servidores até melhor que o dessa empresa, pois não vai visar lucro, vai visar só qualidade e quantidade".
O sindicalista recorda que quando os serviços de alimentação e limpeza eram geridos pelo Executivo, o gasto era menor e não se ouvia falar em "desabastecimento de alimentos".
Há algum tempo o Sintras apresenta ao governo a proposta de voltar a assumir os serviços, mas ainda não teve resposta positiva. "A gente vem cobrando dele a responsabilidade no Conselho de Saúde e ele não quer assumir porque é cômodo está terceirizando esse serviço. Mas para gente a terceirização é muito mais cara", ressaltou Miranda.

Dinheiro para campanha
O presidente do Sintras aponta a terceirização como forma de beneficiar os políticos durante as campanhas eleitorais. "O jeito mais fácil de ter dinheiro para campanha política é terceirizando, porque a empresa tem condições de fornecer dinheiro para os governantes bancarem o caixa dois. Por isso que as campanhas são tão caras, porque quem banca ela é a saúde, educação, infraestrutura e a segurança pública. E o Estado não quer gerir os serviços nos hospitais porque não dará lucro, não terá recursos livres e dinheiro para campanhas políticas", denuncia Miranda. "O que o Estado mantém? O que é conveniente apenas para o Estado", acrescenta.

Refeição cara e escassa
De acordo com o sindicalista, o valor de uma refeição (almoço), por pessoa, que o Executivo paga para a empresa terceirizada é superior a R$ 17. Já por cada café da manhã ou lanche, o governo desembolsa mais de R$ 13. "É muito caro e nos dias que não tem, quando não servem a refeição, com certeza são cobrados do Estado", pontua Manoel Miranda.
Apesar do alto valor cobrado, a empresa chegou a servir somente arroz e macarrão ao alho e óleo no almoço e chá com bolacha no café da manhã, para os usuários do Hospital Geral de Palmas e Hospital e Maternidade Dona Regina. Já para os funcionários e acompanhantes nem o chá com bolachinha é fornecido há uma semana.
No HGP, somente após doações as refeições voltaram a ser normalizadas para os pacientes, mas não se sabe até quando porque o impasse entre Litucera e governo ainda não foi resolvido. "O almoço desta quinta foi arroz, feijão e frango desfiado, para alguns teve salada e eles serviram mexerica poncã e suco também. Mas para nós e para os acompanhantes não teve nada", afirmou uma servidora do hospital.
Outro problema frequente na unidade é a falta de materiais. Desde quarta-feira da semana passada, por exemplo, os copos descartáveis estão sendo improvisados pelos servidores e usuários do hospital. "A situação está difícil. Alguns compram garrafinha para usar, outros cortam garrafa pet. Eu e meus colegas estávamos bebendo água no frasco de soro fisiológico de 100 ml que a gente cortou. Fazer o quê? Se não tem copo", disse a profissional de enfermagem conformada.

Dona Regina
No Hospital e Maternidade Dona Regina a situação não é diferente. "Está triste! Sem comida. O que foi para as pacientes de café da manhã ontem foi chá e uma bolachinha. No almoço teve arroz, feijão e carne. O guarda estava orientando os acompanhantes a saírem e comprarem leite, bolo, porque não tinha nada para comer", relatou uma servidora.
Ela conta que os funcionários estão "revoltados" com o "descaso" do governo. "Não tem comida para os funcionários há mais de uma semana. Quem quiser tem que levar sua comida ou então sair para comer fora. E está todo mundo revoltado porque nós pagamos caro por essa alimentação", reivindicou.
A servidora questiona o destino dado aos recursos da maternidade, pois o Dona Regina ainda ganha um incentivo financeiro extra do Ministério da Saúde por possuir o título de "Hospital Amigo da Criança" - uma iniciativa que promove e apoia a amamentação. "Tem tanta verba. Onde está sendo metida essas verbas?", indagou a funcionária pública.

Cobrança
A falta de alimentação, principalmente para servidores, é um problema recorrente nos hospitais. "Essa situação já perdura há muito tempo", contou o presidente do Sintras. "A empresa contra o Estado e o Estado não paga e na realidade quem está perdendo essa guerra é a população, os usuários que estão internados e os servidores", lamenta Miranda.
O gestor do sindicato ressalta que já fez várias denúncias no Ministério Público Estadual (MPE) e também tem buscado alternativas, como mandato de injunção de liberação de servidor para se ausentar do setor de trabalho para comer em casa. Miranda pontua ainda que a entidade tem feito seu papel para tentar garantir a alimentação dos servidores e filiados.

Panelas vazias
O drama dos usuários dos hospitais públicos do Tocantins chegou ao ápice nessa terça-feira, 23, quando o estoque de alimentos do HGP ficou vazio. Fotos de panelas da cozinha do hospital apenas com água, divulgadas pelo MPE, circularam pelos jornais e redes sociais.
Nesta quarta-feira, 24, a situação caótica do hospital, que envolveu até a Polícia Civil, repercutiu nacionalmente nos telejornais. O problema se repete por hospitais do interior e também no Hospital Infantil de Palmas e Hospital e Maternidade Dona Regina.
A Litucera alega ter para receber mais de R$ 70 milhões do Estado, que não reconhece o total dessa pendência. Em razão do atraso nos pagamentos, a empresa ficou inadimplente com os fornecedores em mais de R$ 14 milhões. Por conta do débito acumulado, os fornecedores decidiram parar de abastecer os hospitais com os insumos para produção das refeições.
A alimentação só foi retomada após servidores e acompanhantes e membros das comunidades terem iniciado movimento pedindo doações para as unidades de Saúde. Sensibilizados, alguns empresários e particulares forneceram alguns produtos para que pelo menos os pacientes não ficassem sem comida.
Em Araguaína e Gurupi, a Justiça acatou pedidos do Ministério Público Estadual e determinou, em liminar, o bloqueio das contas do governo do Estado e da empresa Litucera na ordem de R$ 1.573.004,01 para custear o fornecimento de alimentação aos pacientes, acompanhantes e servidores dos hospitais regionais destes municípios.

Sem notificação
Em nota nessa quinta-feira, a Sesau informou que ainda não foi notificada sobre decisão de bloqueio de recurso. Questionada sobre a possibilidade de o Estado gerir os serviços nos hospitais, a pasta se limitou em reafirmar que está dando prosseguimento ao processo licitatório para a contratação de novas empresas. Isso indica que o serviço continuará sendo terceirizado.