Nezinho Alencar pagou fiança de R$ 22 mil e foi liberado; defesa alega “armação”

Após denunciar o ex-senador da República, Nezinho Alencar, por abuso sexual de suas filhas, de 6 e 9 anos, o vaqueiro, que era funcionário do político, e sua família foram incluídos em um programa governamental de proteção a testemunhas. Segundo reportagem do jornal O Globo, há quase dois meses a família vive refugiada e com medo.

Ao todo, dez pessoas foram incluídas no programa de apoio a ameaçados: o vaqueiro, a mulher e três filhos, incluindo as duas vítimas do abuso, além do irmão dele, também com a mulher e três filhos. O Globo aponta que os passos dos quatro adultos e das seis crianças são planejados e as ligações para parentes, só em horários determinados.
Para o vaqueiro, todo o sacrifício só valerá a pena se Manoel Alencar Neto, conhecido por Nezinho Alencar, for preso. Ele contou ao O Globo que gravou, com um celular escondido numa árvore, as cenas de violência sexual sofrida pelas filhas para garantir a punição do fazendeiro de 66 anos.
“Eu nunca quis dinheiro. Não vou negar que apontei muitas vezes a espingarda para ele, mas sempre pensava em Deus e na vida da minha família, que ia se complicar se eu apertasse o gatilho. Só quero ele preso”, disse o pai das vítimas.
Depois de mostrar as imagens dos abusos captadas pelo celular ao irmão, que diz ter confrontado Nezinho para cobrar explicações, a dupla procurou a Polícia Federal, em Palmas, que prendeu o fazendeiro numa operação de combate à pedofilia na internet. O proprietário ficou cerca de um mês e meio preso, antes de pagar fiança de R$ 22 mil para responder o processo em liberdade. A liberação de Nezinho revoltou o vaqueiro.
“A lei de lá é outra. Eu me arrependo de ter denunciado, devia ter feito justiça com as minhas mãos. Hoje eu é que estou preso, e ele está lá, vendendo e comprando gado”, desabafou.
Conforme relataram os irmãos a O Globo, não demorou para recados velados e ameaças mais diretas chegarem. Por isso aceitaram serem colocados sob proteção do Estado. Venderam os bens que tinham de última hora e deixaram o Tocantins. Os irmãos reclamam de morar daquela forma, mas não alimentam esperanças de voltar ao lugar que sempre viveram. “É pedir para morrer”, resume o tio das vítimas.
As duas crianças que aparecem no vídeo, de pouco mais de 40 minutos, sendo tocadas pelo fazendeiro, têm comportamentos variados. A mais nova pergunta, vez por outra, se “Nezinho está preso”. A mais velha costuma chorar quando falam do assunto, contou o pai ao O Globo. Ele acredita que a menina de apenas 9 anos sente vergonha.

Ministério Público
O Ministério Público de Tocantins acusa o homem de estupro de vulnerável e também de dar bebida alcoólica às crianças. A Justiça já aceitou a denúncia e abriu ação penal, mas ainda não julgou recurso apresentado pelo promotor Guilherme Cintra, de Colmeia, onde o caso tramita, contra o relaxamento da prisão.
“Se a própria família da vítima está custodiada pelo Estado, isso indica que o denunciado não deveria estar solto”, argumenta Cintra.

Defesa
Para o advogado de defesa, Ronivan Peixoto, não há motivos para o cliente ser mantido preso nem provas das intimidações alegadas. Ele argumenta que a prisão é ilegal por ter sido determinada por um juiz federal, dentro da Operação Confiar, de combate à pornografia infantil na internet, deflagrada pela Polícia Federal no início deste ano. Quando verificou que Nezinho não compartilhava imagens, o caso foi remetido para a Justiça estadual.
Houve ainda uma indecisão sobre qual comarca deveria cuidar do caso. Isso porque a fazenda fica numa área rural. Inicialmente, o processo estava em Guaraí, que depois foi transferido para Colmeia, onde tramita atualmente e deve ser julgado.
De acordo com o jornal O Globo, sem negar que a violência sexual flagrada no vídeo ocorreu, o advogado Ronivan Peixoto afirmou que o ex-senador Nezinho teria sido induzido a cometer os atos registrados, e que a gravação, embora autêntica, não passa de uma “armação” da família com a finalidade de exigir dinheiro do fazendeiro, o que os parentes das vítimas negam. “Houve uma indução para que ele fizesse aquele ato. O que eu lamento é o uso das crianças para esse fim” afirma Peixoto.
O uso frequente de antidepressivos misturados a álcool também teria contribuído para a alteração do comportamento do cliente. O advogado diz que o Nezinho vive em depressão por ter perdido uma filha ainda jovem. Por isso, toma remédios controlados.
O advogado diz que pediu que fosse feita uma “limpeza” no vídeo para que ficasse mais nítido. Ele argumenta que, em pontos muito específicos, que passam despercebidos para quem assiste desatento, é possível perceber que as crianças teriam sido “comandadas naquela ação”. Peixoto não contesta, entretanto, as imagens.
Peixoto nega, porém, que tenha havido outros episódios semelhantes, ao contrário do que relata a denúncia do Ministério Público aceita pela Justiça. Não há prazo para que o julgamento ocorra. O processo está em fase de instrução, quando são produzidas provas e ouvem-se testemunhas, entre outros procedimentos.

Entenda
O ex-senador Nezinho Alencar foi preso na Casa de Prisão Provisória de Palmas (CPPP) no dia 23 de janeiro deste ano, em Guaraí, durante a Operação Confiar. Segundo informações da Polícia Federal (PF), ele é suspeito de abusar sexualmente das duas filhas do ex-funcionário. Após pagar a fiança, no dia 10 de março ele foi liberado.
A mulher dele, que não teve o nome divulgado, também foi presa pois teria tentado subornar o pai das meninas para não denunciar o caso, mas foi solta no dia 4 de fevereiro.

Vida política
Alencar foi suplente de senador no Tocantins entre 2005 e 2011 e chegou a ocupar o cargo por quatro meses. Ele também foi deputado estadual no primeiro mandado do parlamento tocantinense.