Barra do Ouro (TO) - Bispos da Igreja Regional Norte 3 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Tocantins divulgaram nota contra o desmatamento na Gleba Tauá, localizada no município de Barra do Ouro, para a plantação de soja, milho e criação de gado, obrigando cerca de 86 famílias a deixarem a área. Eles classificam os camponeses como “injustamente perseguidas” e pedem a retirada dos grileiros do local, a efetivação imediata da regularização fundiária dos beneficiários do programa Terra Legal e que o restante da área seja destinado a criação do projeto de assentamento da reforma agrária.
Os religiosos alegam que o conflito para regularização fundiária dura aproximadamente dez anos, quando realizaram as primeiras denúncias para os órgãos públicos em prol das famílias atingidas. “Não podemos aceitar que tratores passem por cima de pessoas, história, famílias, casas, direitos conquistados e das leis que regem este país”, discorre a nota.
Descaso
A nota também ressalta os danos ambientais decorrentes do desmatamento das terras, como o aterro das nascentes, assoreamento dos rios e devastação da natureza, além dos prejuízos aos camponeses.
De acordo com os bispos, outros agravantes evidentes são a proibição de transporte escolar para os filhos dos trabalhadores que moram na Gleba Taurá, a situação precária das estradas vicinais e o “desrespeito aos familiares mortos” sepultados no cemitério local, já que os túmulos serão destruídos para o plantio dos produtos agrícolas e abertura de estradas.
“De sorte que as famílias não sabem mais onde estão exatamente sepultados seus entes queridos. Esse acentuado conflito tem revelado ainda práticas delituosas através da destruição das roças dessas comunidades tradicionais, sobretudo, o incêndio criminoso de moradias ocorrido recentemente, predominando a impunidade e a injustiça tão latente”, explicam os religiosos.
Os bispos lembram da trajetória do padre Josimo Tavares, assassinado a mando de fazendeiros devido à sua luta em defesa dos trabalhadores rurais em maio de 1986. “Já tivemos o padre Josimo Tavares martirizado por causa da luta. É inadmissível que em pleno século XXI ainda haja risco de outros novamente darem testemunhos de sua fé pela mesma causa, da injustiça que ainda permeia a nossa realidade”.
Confira a íntegra da nota
“Nós, Bispos da Igreja Católica, do Regional Norte 3 da CNBB, no Estado do Tocantins, vimos, por meio desta Nota, manifestar nossa preocupação e nossa solidariedade às famílias que habitam na gleba Tauá, município de Barra do Ouro (TO), que está sendo alvo de desmatamento de suas terras para a plantação de soja, milho e para a criação de gado. O nosso descontentamento é ainda maior porque esta é uma área da União e nela habitam cerca de oitenta e seis famílias, algumas a mais de cinquenta anos. Sem contar com os danos materiais e ambientais - aterro das nascentes, assoreamento dos rios e devastação da natureza -, o referido desmatamento é uma tática de choque para pressionar essas famílias a deixarem esta área.
Além de todo o cenário de destruição, há a proibição da entrada de transporte escolar para conduzir os filhos e as filhas dos camponeses, que residem na área, para as escolas na cidade de Barra do Ouro. Há ainda agravante com relação às estradas vicinais que estão deixando de existir em função do maquinário pesado arando a extensão da área. Outro fato ainda mais grave que tem causado indignação à população local é o desrespeito aos familiares mortos, sepultados no cemitério local, cujos túmulos estão sendo destruídos para o plantio de soja e a abertura de estradas. De sorte que as famílias não sabem mais onde estão exatamente sepultados seus entes queridos. Esse acentuado conflito tem revelado ainda práticas delituosas através da destruição das roças dessas comunidades tradicionais, sobretudo, o incêndio criminoso de moradias ocorrido recentemente, predominando a impunidade e a injustiça tão latente.
Afirmamos que as pessoas que moram nesta região são agricultoras e futuras beneficiárias da tão sonhada regularização fundiária. Denunciamos o descaso de partes das autoridades, sobretudo, pelo acirramento desse conflito. Ao mesmo tempo, manifestamos e reforçamos nossa solidariedade a essas famílias, injustamente perseguidas. Não podemos aceitar que tratores passem por cima de pessoas, história, famílias, casas, direitos conquistados e das leis que regem este país.
Portanto, diante do conflito que já dura, ao menos, dez anos, quando das primeiras denúncias, conclamamos os Órgãos Públicos, entre eles, o Ministério Público Federal, o INCRA, o Naturatins, o IBAMA, o Itertins, as Ouvidorias Regional e Nacional, a sentarem numa mesa de negociação com os Movimentos e as Pastorais Sociais, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a Igreja Local e as próprias famílias atingidas e ameaçadas a fim de mediarem, através de um diálogo construtivo, maduro e frutuoso, o conflito antes que aconteça o pior. Já tivemos o padre Josimo Tavares martirizado por causa da luta. É inadmissível que em pleno século XXI, ainda haja risco de outros novamente darem testemunhos de sua fé pela mesma causa, da injustiça que ainda permeia a nossa realidade.
Fiéis a Jesus Cristo que veio ao mundo para servir (Mc 10,45) e para que todos tenham vida, e vida em abundância (Jo 10,10), pedimos que nesta região se instaure a justiça, se viva a verdade e se respeite os direitos adquiridos. Em nome dele, denunciamos a omissão das autoridades responsáveis; exigimos que seja imediatamente realizada a retirada dos grileiros instalados na área; e também que seja imediatamente efetivada a regularização fundiária dos legítimos beneficiários do programa terra legal; e o remanescente da área seja destinada a criação do projeto de assentamento da reforma agrária.
Estamos todos nos preparando para a vivência do Ano da misericórdia. O papa Francisco nos diz o seguinte: “Não levamos dinheiro para o além. O dinheiro não nos dá a verdadeira felicidade. A violência usada para acumular dinheiro que transuda sangue não nos torna poderosos nem mortais. Para todos, mais cedo ou mais tarde, vem o Juízo de Deus, do qual ninguém pode escapar (Papa Francisco, Misericordiae Vultus, 19).
Que Deus, nosso Pai, de quem recebemos a terra para torná-la terra de irmãos, nos abençoe. E que Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, em peregrinação pelas nossas Igrejas, interceda junto a deus para uma solução urgente deste conflito.
Dom Philip Dickmans, bispo Iracema
Dom Pedro Brito Guimarães, arcebispo de Palmas
Dom Giovane Pereira de Melo, bispo de Tocantinópolis
Dom Rodolfo Luís Weber, bispo de prelazia de Cristalândia
Dom Romualdo Matias Kujawski, bispo de Porto Nacional
Miracema do Tocantins
Tocantins, 01 de junho de 2015.
29 anos do assassinato do Pe. Josimo Tavares, mártir da luta pela terra”
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