Ao longo da história, em situações de guerra ou durante governos autoritários como os períodos ditatoriais, muitas gerações vivenciaram o famoso e cruel "Toque de recolher". Ao som de uma sirene, ou por patrulha militar, as pessoas tinham seu direito de ir e vir cerceado após determinado horário. 
Medida outrora considerada cruel, hoje deve ser vista como um apelo a favor da vida. Há cerca de 60 dias o Brasil entrou na guerra mundial contra a Covid-19. Nossa região está nessa batalha há um mês e meio. 
Em menos de 45 dias, a famosa curva pandêmica tem subido de forma assustadora. O número de infectados no país já é superior à população de muitos municípios de pequeno porte. É sobre essas cidadezinhas que me reporto a vocês. 
Resido em Imperatriz no estado do Maranhão há 20 anos. Mas trabalho em Sítio Novo do Tocantins, município com pouco menos de dez mil habitantes, localizado a apenas 25 quilômetros da grande Imperatriz e dos seus mais de 260 mil moradores. Pela proximidade geográfica e relações econômicas entre as duas cidades, o contágio do novo Coronavírus seria quase que inevitável.
Imperatriz registra hoje mais de 130 casos confirmados e seis óbitos, uma média de dez novos pacientes a cada 24 horas. Em contrapartida, seu vizinho Sitio Novo segue com apenas um caso, assim como os outros municípios do Bico do Papagaio, no extremo norte do Tocantins. Segundo as estimativas, para cada caso confirmado, existem outros dez subnotificados. 
Mas como essas cidadezinhas conseguem manter a curva de contágio próxima à estaca zero? Pelas redes sociais tenho acompanhado as ações preventivas rigorosas executadas pelas prefeituras. Cientes do risco que a população corre pela falta de leitos de isolamento e UTI's num raio de 200 km dentro do estado, esses municípios têm recorrido à repressão da comunidade para que cumpram o isolamento social orientado pelo Ministério da Saúde.
Longe de paixões partidárias, até porque não sou eleitora de Sítio Novo, devo reconhecer a atuação firme da Secretaria Municipal de Saúde. Mesmo sem nenhum caso sequer suspeito, desde meados de março a Semus montou equipe de monitoramento para percorrer todas as residências da cidade que recebessem visitantes vindos de outros municípios, e determinou o distanciamento social preventivo dos habitantes que realizaram viagens no período de risco. 
Na contramão à decisão de municípios maiores como Araguaína, a gestão da saúde de Sítio Novo decidiu pelo fechamento do comércio antes que a curva de doentes se elevasse. Com o primeiro caso confirmado, procedeu ao atendimento e isolamento do paciente, e continua seu plano de contingenciamento cada dia mais arrojado.
O que mais me chamou a atenção nos últimos dias foi o toque de recolher, desta vez não exercido somente no período noturno, mas para dispersar aglomerações de qualquer natureza. Para garantir a segurança da comunidade local, tenho visto as equipes de saúde recorrerem ao apoio militar para garantir que a população não desrespeite o determinado por documentos oficiais.
Embora sempre tenha críticas às administrações da região, como cidadã que trabalha em Sítio Novo, tenho o dever de reconhecer que seu toque de recolher está salvando vidas!

Kayla Pachêco Nunes, professora da Rede Estadual do Tocantins e mestranda pelo Profletras, campus de Araguaína.