A próxima parada da equipe do documentário Rota do Sal Kalunga acontece nesta quarta-feira (27), em Imperatriz, segunda maior cidade do Maranhão que é cortada pelo Rio Tocantins e tem registros da passagem dos negros do quilombo Kalunga rumo a Belém em busca de sal, artigo essencial para sobrevivência. Essa saga fluvial dá base ao argumento que compõe o roteiro das gravações feitas ao longo de 2.400 km do Tocantins, trecho percorrido em caiaques. Rota do Sal é uma viagem que refaz a mais longa rota histórica, econômica e cultural do país. A iniciativa traz a assinatura da Avesso Filmes, produtora mineira dos cineastas André Portugal e Cardes Amâncio.
Os integrantes do projeto partiram dia 16 de maio do território Kalunga, na região da Chapada dos Veadeiros/GO, pelo rio Paranã, que deságua no Tocantins. O registro audiovisual da aventura e todas as histórias colhidas ao longo da jornada pelo Rio Tocantins darão origem ao documentário de longa metragem. Até o momento, três dos quatro estados brasileiros cortados pelo Rio Tocantins já receberam a equipe do projeto que completa a metade do percurso de 2.400 km. No momento, a equipe navega ora em águas maranhenses ora tocantinenses, já que neste trecho o rio é a fronteira entre os dois estados. São quatro pessoas em dois caiaques duplos oceânicos, fabricação Eclipse Caiaques. Outros três integrantes seguem navegando em barcos.
A rota do Sal
Heróis desconhecidos – esta é uma boa definição para os Kalungas que desbravaram a Rota do Sal. Considerada uma “odisséia tupiniquim”, a Rota do Sal Kalunga foi traçada a remo. Através do Rio Tocantins, os negros percorriam cerca de 5 mil quilômetros de território brasileiro, em busca do alimento essencial para os homens e o gado: o sal. Vem daí a origem da palavra salário - sal, a moeda de troca por trabalho no vasto sertão do planalto goiano.
A jornada durava um ano. Tal como uma saga, a viagem tinha como ponto de partida o Rio Paranã - “igual ao mar”, em língua tupi. Mais ao norte, o Paranã é o principal tributário do Tocantins. Segundo o Marquês de Pombal, “(...) é o mais seguro caminho para levar a civilização e o progresso ao interior do país.” O Tocantins foi, por mais de um século, a via do sal.
Nas primeiras décadas do século XX, outros caminhos para a troca de sal foram traçados, a partir do desenvolvimento do sudeste maranhense e do oeste baiano. A navegação no alto Tocantins ainda duraria mais algumas décadas, até a expansão da malha ferroviária brasileira e a construção da Rodovia Belém-Brasília nos anos 50. A Rota do Sal passou de história a memória, ao quase esquecimento. O projeto Rota do Sal Kalunga refaz a aventura histórica e social de um povo em busca de liberdade e sobrevivência.
O Rio Tocantins
O Rio Tocantins foi o grande arquiteto de uma sociedade que surgiu a partir de uma estreita ligação com suas águas que rasga o território em 4 estados, (Goiás, Tocantins, Maranhão,Pará). Tanto a vazante deixava suas margens irrigadas para a plantação do ribeirinho, quanto era o caminho ideal e necessário de comunicação e abastecimento do centro ao norte brasileiro. Era pelo rio que chegavam todo tipo de mercadoria para estas cidades originária, desde o material que construiu suas casas e igrejas, quanto, especiarias e itens de luxo.
Estes primeiros empreendedores nacionais precisaram se fazer além comerciantes, navegante; e em suas embarcações “de descida”, levavam sempre “a carne salgada, couro cru, óleos, grãos, mel e outros produtos não perecíveis de grande aceitação na praça do Pará.” “De subida”, navegavam com grandes cargas de sal, produto de primeira necessidade e ainda, tecidos, louças e boticas, ferragens, ferro em barra, aço, cobre em folhas, barricas com garrafas de cerveja, boticas de genebra em farinha de trigo, etc.”
As primeiras entradas e tentativas de ocupação das margens do grande rio, datam do século XVII, provavelmente se deram pelos missionários jesuítas. O Padre Antônio Vieira, autor dos “Sermões”, quem organizou e empreendeu, junto com outros três padres, a primeira entrada missionária pelo grande Tocantins. Durante o século XVIII, notícias das descobertas de ouro e instalação de diversas minas surgiam a cada ano: Água Quente (1732); Natividade (1734); Traíras (1735); São José (1735);Cachoeira (1736); São Félix 1736); Pontal e Porto Real (1738); Arraias e Cavalcante (1740); Pilar (1741); Carmo (1746); Santa Luzia (1746); e Cocal (1749). Muitas destas minas deram origem a algumas das cidades de hoje. Data deste século também o início da formação do quilombo Kalunga. Alarmados com a possibilidade de extravio e contrabando do ouro via rio Tocantins, durante todo este século qualquer navegação pelo rio ficou proibida por decreto da coroa portuguesa. Pode–se supor que data do final do século XVIII, as primeiras expedições Kalunga em busca do sal.
Os Kalungas
Os Kalunga são, hoje, o maior remanescente quilombola do Brasil - algo próximo do que pode ter sido o mitológico quilombo dos Palmares. Seu território localiza-se ao norte de Goiás, onde vivem entre as serras, em casas de adobe, na beira dos rios. Formam uma população em torno de 5 mil herdeiros dos antigos navegantes negros.
Para entender a vida do povo Kalunga é preciso olhar com cuidado para a história, quando no Brasil não havia estradas e a liberdade dos negros era absolutamente cerceada. Em meados de 1700, os negros africanos foram levados para a província de Goiás, terra do ouro e do garimpo. O território, devido às dificuldades de acesso, parecia perfeito para a fuga desses homens escravizados.
À medida que os quilombolas desbravavam as matas e serras, encontravam os povos indígenas e daí novas relações se estabeleciam. Misto de liberdade e reclusão, a Kalunga, que na língua banto também significa lugar sagrado, de proteção, foi escolhido para viver pelos ex-escravos. Ali, começaram a observar o melhor tempo para plantar e colher, a reconhecer a madeira boa para construir as embarcações, móveis ou habitações, a descobrir plantas medicinais e novas formas de comércio.
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