Uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho no Maranhão (MPT-MA) - com pedido de tutela antecipada - resultou no bloqueio de bens do pecuarista Francisco Gil Alencar. Ele poderá pagar R$ 3 milhões por danos morais coletivos, por ter mantido 12 trabalhadores em condições análogas à de escravo na fazenda “Coronel Gil Alencar”, na cidade de Santa Inês. Além de gado, o empresário cria, na mesma propriedade, centenas de animais silvestres, em um zoológico chamado de “Gilrassic Park”.
Os homens tinham sido contratados para preparar o pasto do gado, a cerca de cinco quilômetros de distância do zoológico. O Grupo Especial de Fiscalização Móvel, formado pela procuradora do Trabalho, Christiane Nogueira, por auditores fiscais e policiais rodoviários federais, identificou várias irregularidades trabalhistas, como a falta de registro na carteira profissional, o atraso no pagamento de salário, a ausência de equipamentos de proteção individual, o descaso com a saúde dos funcionários e o total desrespeito à dignidade dos 12 trabalhadores.
Foram lavrados 26 autos de infração e MPT-MA também denunciou a inexistência de alojamento adequado, a escassez de alimentos e a falta de higiene. Os homens dormiam no mesmo terreno da pastagem dos bois. O alojamento funcionava em um barraco feito de lona e palha, sem paredes laterais contra animais peçonhentos, chuva e outras intempéries. Não havia local para guardar roupas e objetos pessoais, já que esses materiais ficavam pendurados ou eram armazenados em sacos de ração.
“A mesma água do igarapé, que servia o gado, era utilizada pelos homens para beber, tomar banho e cozinhar. O líquido era armazenado em embalagens de agrotóxicos. Não havia instalações sanitárias. O quadro era de total violação aos direitos fundamentais daqueles trabalhadores”, explicou Christiane.
Outra constatação que chocou o grupo responsável pelo resgate foi a disparidade entre o tratamento dado aos trabalhadores e aos animais silvestres criados no parque. O fazendeiro possui 900 bichos de 100 espécies diferentes, que recebem alimentação balanceada, água mineral e acompanhamento de zootecnista.
Aos homens, pela manhã, era fornecido café preto com uma massa de farinha de milho cozida. No almoço, eles tinham direito a feijão e arroz – às vezes só um ou outro. O jantar era a repetição do almoço.
Na ação, a procuradora citou a poesia de Manuel Bandeira, “O Bicho”, para retratar a situação degradante na qual os trabalhadores se encontravam. “Vi ontem um bicho [...] catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, não examinava nem cheirava: engolia com voracidade. O bicho não era um cão. Não era um gato. Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem”.
Depois do resgate, os 12 trabalhadores receberam carteiras de trabalho, foram encaminhados a um alojamento apropriado e tiveram acesso ao seguro-desemprego. O fazendeiro Gil Alencar teve que desembolsar quase R$ 40 mil pela rescisão contratual desses funcionários.
A ação foi protocolada na Vara do Trabalho de Santa Inês (MA). O juiz Carlos Eduardo dos Santos decidiu pela concessão de liminar em razão do dano moral coletivo. Ele determinou o cumprimento de 27 medidas em defesa dos trabalhadores e bloqueou 14 bens do réu, entre prédios, fazendas, casas, lotes e um sítio – localizados nas cidades de São Luís, Santa Inês, Zé Doca, Paço do Lumiar e Juazeiro do Norte (CE).
“Implantar no inconsciente de um trabalhador que sua alimentação é menos importante que a de animais criados em cativeiro e arriscar a saúde dessas pessoas pelo não fornecimento de condições mínimas de higiene me parece aviltar o imponderável”, disse o juiz.
Para a procuradora Christiane, o caso lembra o episódio vivido pelo comunista Harry Berger, que durante a ditadura Vargas foi submetido a péssimas condições na prisão, o que fez com que o advogado dele invocasse a aplicação do Decreto de Proteção e Defesa dos Animais. “No habeas corpus, ele disse que Berger estava sendo submetido a situação tão desumana, que parecia que os animais irracionais tinham mais direitos que as pessoas”, finalizou.
O pecuarista maranhense poderá ser incluído na “lista suja” do trabalho escravo, que reúne os empregadores que já exploraram esse tipo de mão-de-obra. O caso está sendo acompanhado pela Procuradoria do Trabalho no Município (PTM) de Bacabal. (Ascom - MPT-MA)
Publicado em Regional na Edição Nº 14571
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