São Paulo-SP – A estudante Maria Clara Leal de Sousa e a professora Ires Nazaré Barros dos Santos, de São João dos Patos, estão entre os 20 vencedores nacionais da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, cuja final foi realizada ontem em Brasília. O texto da aluna, que foi vencedora na categoria Memórias Literárias, concorreu com outros 13.849 inscritos na Olimpíada. Ao todo, mais de três milhões de estudantes participaram desta edição.
A Olimpíada é desenvolvida pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Fundação Itaú Social, sob a coordenação técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). O programa, que este ano alcançou 5.014 municípios brasileiros, busca aprimorar a prática dos professores em sala de aula para o ensino de leitura e escrita em escolas públicas.
Participaram alunos de 5º, 6º, 7º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental e 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio. Os alunos de 5º e 6º anos no gênero Poema, os de 7º e 8º anos desenvolvem textos do gênero Memórias Literárias, 9º ano do ensino Fundamental e 1º ano do Ensino Médio trabalham o gênero Crônica. Os alunos do 2º e 3º anos do Ensino Médio produzem Artigos de Opinião. Em 2014, foram realizadas cinco etapas de triagem: escolar, municipal, estadual, regional e, finalmente, a nacional.
Durante o ano, os professores das escolas participantes passaram por um processo intenso de formação. Para realizar as atividades em sala de aula, as escolas públicas de todo o país receberam a Coleção da Olimpíada, material de apoio no ensino da escrita de diferentes gêneros textuais, utilizado com os alunos no horário regular de aulas. A Olimpíada tem como tema O Lugar Onde Vivo, que proporciona aos estudantes uma reflexão sobre sua própria realidade.

Premiação: Os 20 vencedores nacionais, professores e alunos receberão medalhas de ouro, um notebook e uma impressora. As escolas nas quais lecionam/estudam os selecionados também serão contempladas com laboratórios de informática, compostos por dez microcomputadores e uma impressora, além de um projetor multimídia, um telão para projeção e livros.

Confira o texto da estudante Maria Clara Leal de Sousa, de São João dos Patos

Pedra “consinada”
Aluna: Maria Clara Leal de Sousa
Categoria: Memórias Literárias

Hoje acordei cedinho, passei um café e fui para o quintal botar milho para as galinhas. Nem percebi que encostara naquela pedra preciosa trazida das cacimbas nos tempos de dona Noca, época em que quem tinha uma tropa de jumento era rico. O tempo passou sem que eu percebesse e lá se foram mais de setenta anos da minha vida, todos vividos nesta pequena cidade de São João dos Patos, no sertão maranhense.
Cá, sentada na velha cadeira de balanço, balançando a minha memória, relembro todas as histórias que vivi naquela casa de taipa, porta de talo de coco amarrada com um cordão velho, construída pelo meu avô. Uma saudade toma conta de mim e me embala rumo às minhas mais doces memórias de criança.
Ouço passos silenciosos dentro de casa na caída da noite. Sinto um toque suave no meu rosto e o perfume inconfundível da minha mãe toma conta do quarto velho e abafado. Acordei de manhãzinha com a candeia na mão para acender as trempes, pensando que era apenas um sonho bom, mas na realidade ela havia mesmo ido embora, e eu fiquei com meu pai, que trabalhava vendendo arroz, feijão e milho nas redondezas. As viagens eram demoradas, porque de vez em quando o jumento amuava e a labuta era grande para ele levantar.
Eu completava de 9 para 10 anos quando comecei a subir a ladeira para lavar roupa nas cacimbas, perto do olho-d’água. Muito antes de o sol nascer, as mulheres colocavam três caminhos de água e só depois saíam com suas trouxas de roupa na cabeça e uma penca de meninos correndo nas veredinhas atrás do “churrim” – cachorro vira-lata –, a poeira cobrindo o mundo e elas brigando com a gente. De longe dava para ouvir o tac, tac, tac da roupa batendo nas pedras e ressoando mato adentro.
De primeiro era assim: as mulheres mais velhas possuíam sua pedra “consinada”. Quando chegavam à cacimba e havia outra mulher lavando roupa no seu lugar, ela colocava a trouxa de roupa no pé da pedra e a outra logo levantava e ficava esperando até que pudesse terminar o trabalho. Imagine eu, na minha meninice, brincando com a espuma de sabão, correndo, pulando nas águas frias e cristalinas das cacimbas. O tempo passando e eu crescendo, até o dia em que finalmente ganhei a minha pedra preciosa. A felicidade foi tanta que nesse dia lavei até a minha alma.
Naquele tempo não havia escova, sabão em pó ou qualquer outra coisa que pudesse nos ajudar. A roupa era esfregada na mão, batida na pedra e colocada no quarador até que ficasse limpa como o céu no mês de agosto. O cheiro amargo do sabão de tipi, feito nas gamelas, tomava conta de nós e dos meninos que se escondiam atrás dos pés de jatobás para olhar as mulheres nuas tomando banho.
O rebuliço de mulheres correndo e se escondendo era grande, mas, no final, tudo terminava em graça. “Eita meninos danados do capeta, num tem quem possa com essas tranca ruim”, dizia dona Deusina.
Depois daquele banho gostoso, era hora de comer banana com farinha e fazermos o mesmo caminho de volta. À noite, o ponto de encontro para a prosa era no único poste da cidade que ficava bem ali na esquina. Sentada no tamborete, enquanto os outros papeavam, eu admirava a beleza daquela candeia que não precisava de querosene.
Agora durmo até mais tarde, levanto e ligo a máquina de lavar roupa, que jamais pensei um dia possuir. Já velha e com a vista curta, avisto-a no fundo do meu quintal, aquela que mandei buscar de tão longe para ficar ao meu lado, aquela que sustentou os meus seis filhos, aquela que me faz mergulhar nas minhas lembranças: minha pedra preciosa, que está “consinada” no meu coração.

(Texto baseado na entrevista feita com a senhora Andrelina Rosa de Alencar, 71 anos.)

Professora: Ires Nazaré Barros dos Santos
Escola: U. E. Padre Santiago S. Prieto – São João dos Patos