Illya Nathasje
Porto Franco – Com o objetivo de identificar as causas da morte do líder camponês e comunista Epaminondas Gomes de Oliveira, acontecida em 20 de agosto de 1971, quando se encontrava sob custódia do Exército em Brasília, membros da Comissão Nacional da Verdade (CNV) chegaram ontem em Porto Franco, onde foram recebidos pelo prefeito Aderson Marinho Filho. Realizadas ontem e hoje, as audiências acontecem na sede da Loja Maçônica Tiradentes, nº 18. Amanhã, a Comissão vai a Tocantinópolis (TO) e visita uma ilha que foi usada como base no período da ditadura militar.
Já iniciados, os trabalhos são divididos em duas fases. Uma técnica, pericial, com a coleta de DNA e a busca do reconhecimento de uma prótese dentária e outra, mais política, com a realização de audiências para colher o depoimento de pessoas que conhecem o caso. O Grupo de Trabalho é composto por Daniel Josef Lerner (coordenador), Aluísio Trindade (médico legista), Suelen Maciel e os assessores Marcelo Oliveira e Tiago Vilela.
Daniel Lerner afirmou que a CNV trabalha para esclarecer 140 casos de desaparecidos políticos no Brasil. “É o número principal, mas não é um número fechado”. Para a Comissão, criada em maio de 2012, não existe número fechado sobre a quantidade de crimes e casos de atrocidades ocorridas no período da ditadura militar.
Em Porto Franco, a CNV - que vem ao Maranhão pela segunda vez - dá continuidade ao trabalho realizado em Brasília, quando em 24 de setembro do ano em curso, foi efetuada por médicos legistas do Instituto Médico Legal do DF, peritos da Polícia Civil do DF e funcionários do cemitério Campo da Esperança a exumação dos restos mortais de Epaminondas Gomes de Oliveira, ocasião em que foi encontrada na arcada dentária uma prótese de prata, afirmada pelos familiares como utilizada pela vítima. Busca também tomar conhecimento de outras histórias do período do regime militar no Maranhão.
As amostras de sangue e os depoimentos tomados serão levados para Brasília e de sua análise, a expectativa é que resulte na identificação definitiva de Epaminondas Oliveira, com os restos mortais passando por exames de antropologia forense e de DNA, bem como a verdadeira razão de sua morte. A exumação resultou do encontro de dados e uma foto, até então inédita, nos acervos da base do SNI no Arquivo Nacional. Entre os documentos, uma comunicação do Exército informava que o líder camponês estava sepultado na quadra 504 do cemitério. O prazo previsto para a apresentação do relatório é maio de 2014, mas pode ser prorrogado. O coordenador evitou fixar datas. - A gente espera que possa sair antes, não é um prazo que esteja sob nossa governabilidade, destacou.
De acordo com as investigações, há também na região outros nomes identificados apenas como “Zé Maria”, Abrão, Abelardo, Pedro Morais e Euclides, que também serão investigados durante essa visita. A existência desses casos pode resultar na implantação da comissão municipal da verdade, conforme sugerido pela própria CNV, para que outros relatos e documentos aqui coletados sejam enviados posteriormente.
Tortura, morte e violência
Epaminondas de Oliveira Neto, que juntamente com Cromwell de Oliveira Filho (ambos netos) acompanhou a exumação, ressaltou a expectativa da família com a vinda da CNV ao Estado, embora a família esteja muito abalada desde a exumação, quando o caso ganhou maior intensidade. “Não é um caso banal. É um caso de tortura, morte e violência cometida contra um membro de nossa família, meu avô”, enfatizou. Declaração de óbito emitida pelo Exército em 1971 dá como causa mortis choque decorrente de anemia e desnutrição. Quando da exumação, o médico legista Aluízio Trindade (IML-DF) afirmou: “Estamos à procura de vestígios de traumatismos”. Essa é a suspeita da CVN e da família: que Epaminondas morreu sob tortura. O líder camponês foi prefeito de Pastos Bons, onde nasceu, morou em Porto Franco, onde se radicou, e nos últimos tempos, quando foi capturado, se dedicava a explorar garimpo em Ipixuna (PA). E um detalhe: opositor do regime militar, não aderiu à luta armada.
Testemunha
Durante depoimento à CVN, Epaminondas Neto declarou ter a família localizado uma pessoa que conhece uma testemunha da prisão. No entanto, por trauma do episódio, essa pessoa pediu para não ser identificada. A testemunha teria contado que Epaminondas foi torturado por meio de espancamento e choques elétricos.
Entre as relíquias de Epaminondas há fotos e uma carta, de quando já estava preso, enviada de Imperatriz, em 11 de agosto de 1971. Na carta ele dá instruções aos filhos sobre o garimpo no Pará e informa a esposa, Avelina Cunha da Rocha, que seria levado para Brasília. Em seu depoimento, Epaminondas Neto informou ter obtido a informação de que o avô teria feito intervenção junto ao Partido Comunista para que fossem enviados médicos para a cidade. O caso mais conhecido dessa atuação é o médico João Carlos Haas Sobrinho, morto na guerrilha do Araguaia anos mais tarde.
Segundo Epaminondas Neto e Cromwell Filho, com a identificação definitiva, Epaminondas deverá ser enterrado ao lado da esposa, em Porto Franco. A família deve exigir também um enterro com honras e um pedido formal de desculpas do Estado brasileiro. (Com informações da CNV)
Publicado em Regional na Edição Nº 14835
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