O presidente Jair Bolsonaro afirmou na tarde desta segunda-feira (29) que o advogado Fernando Santa Cruz, que era militante de esquerda durante a ditadura militar (1964-1985), foi morto por integrantes da Ação Popular (AP), um grupo de luta armada contra o regime, e não pelas Forças Armadas. Santa Cruz é pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz.
“O pai do Santa Cruz integrava a Ação Popular do Recife, era o grupo terrorista mais sanguinário que tinha. E esse pessoal tinha algumas ramificações pelo Brasil, tinha uma grande no Rio de Janeiro. O pai dele, bastante jovem ainda, veio para o Rio de Janeiro. (...) O pessoal da AP no Rio de Janeiro ficou, primeiro, estupefato: ‘como é que pode esse cara vir do Recife se encontrar conosco aqui?’ O contato não seria com ele, seria com a cúpula da Ação Popular de Recife. E eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz. Essa é a informação que eu tive na época sobre esse episódio. Por que, qual é a tendência? ‘Se ele sabe, nós não podemos ser descobertos’. Existia essa guerra naquele momento. Isso que aconteceu, não foram militares que mataram ele não. É muito fácil culpar os militares por tudo o que acontece”, disse o presidente durante uma transmissão ao vivo (live) em sua página no Facebook, na qual ele apareceu cortando o cabelo.
Pela manhã, em uma entrevista na porta do Palácio do Alvorada, Bolsonaro disse que sabia como Fernando havia morrido. Ele fez a revelação ao responder uma pergunta sobre sobre a atuação da OAB na investigação do caso de Adélio Bispo, autor do atentado à faca contra o então candidato a presidente, durante as eleições do ano passado.
“Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados [de Adélio Bispo]? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele”, afirmou a jornalistas.
Bolsonaro ressaltou que não quer “polemizar” com o presidente da OAB e que apenas expressou uma divergência. “Não quero polemizar com ninguém, não quero mexer com os sentimentos do senhor Santa Cruz porque não tenho nada pessoal contra ele. Eu acho que ele está equivocado em acreditar em uma versão apenas do fato. Ele tem todo direito de me criticar, mas essa é a versão minha, de quem participou ativamente do nosso lado, na época”, acrescentou. (Agência Brasil)
OAB divulga nota de repúdio
A Ordem dos Advogados do Brasil, através da sua Diretoria, do seu Conselho Pleno e do Colégio de Presidentes de Seccionais, tendo em vista manifestação do Senhor Presidente da República, na data de hoje, 29 de julho de 2019, vem a público, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 44, da Lei nº 8.906/1994, dirigir-se à advocacia e à sociedade brasileira para afirmar o que segue:
1. Todas as autoridades do País, inclusive o Senhor Presidente da República, devem obediência à Constituição Federal, que instituiu nosso país como Estado Democrático de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos.
2. O cargo de mandatário da Chefia do Poder Executivo exige que seja exercido com equilíbrio e respeito aos valores constitucionais, sendo-lhe vedado atentar contra os direitos humanos, entre os quais os direitos políticos, individuais e sociais, bem assim contra o cumprimento das leis.
3. Apresentamos nossa solidariedade a todas as famílias daqueles que foram mortos, torturados ou desaparecidos, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe Militar de 1964, inclusive a família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema do Senhor Presidente da República.
4. A Ordem dos Advogados do Brasil, órgão máximo da advocacia brasileira, vai se manter firme no compromisso supremo de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, e os direitos humanos, bem assim a defesa da advocacia, especialmente, de seus direitos e prerrogativas, violados por autoridades que não conhecem as regras que garantem a existência de advogados e advogadas livres e independentes.
5. A diretoria, o Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes das 27 Seccionais da OAB repudiam as declarações do Senhor Presidente da República e permanecerão se posicionando contra qualquer tipo de retrocesso, na luta pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e contra a violação das prerrogativas profissionais.
Brasília, 29 de julho de 2019
Diretoria do Conselho Federal da OAB
Colégio de Presidentes da OAB
Conselho Pleno da OAB Nacional
Comentários