Por cerca de duas horas e meia, parlamentares e entidades interessadas discutiram na segunda-feira (28) proposta de eventual redistribuição do número de vagas de deputados federais, estaduais e distritais no país, em audiência pública realizada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Relatora do processo, a ministra Nancy Andrighi destacou que o evento buscou ouvir e colher a contribuição de todos os que se inscreveram para falar sobre o assunto.
“Esse tipo de audiência pública só faz engrandecer o Tribunal e, principalmente, fazer com que o julgador tenha uma noção exata do que acontece e do que ele está julgando de acordo com a realidade”, afirmou ela ao final do evento, que foi aberto pela presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.
Questionada sobre quando a matéria será analisada pelo TSE, a ministra Nancy Andrighi explicou que não há prazo regimental ou no Código Eleitoral para o julgamento, mas frisou que como o caso é de interesse direto da população do Amazonas, que se sente sub-representada, ela dará prioridade imediata para a análise do processo. “O que está em ordem de prioridade é o interesse da população e esses processos merecem toda a minha especial atenção. A resposta do Tribunal tem de ser dada no tempo mais rápido possível”, disse.
Após ser formalmente iniciada a audiência pública, a ministra Nancy Andrighi passou a palavra aos debatedores pela ordem de inscrição prévia no encontro. Sucederam-se, então, manifestações da tribuna contra e a favor do pedido feito pela Assembleia Legislativa do Amazonas para que o TSE analise uma eventual redefinição do número das bancadas dos Estados na Câmara dos Deputados de acordo com a população de cada unidade federativa.
Argumenta a Assembleia Legislativa que, de acordo com a Constituição Federal, cabe à Justiça Eleitoral redefinir o número de deputados federais por Estado segundo a proporção de cada uma de suas populações. Lembra a Assembleia que, pelo artigo 45 da Constituição, o número total de deputados e a representação por Estado e pelo Distrito Federal devem ser estabelecidos “por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma das unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de 70 deputados”.
Já a Lei Complementar nº 78, de 30 de dezembro de 1993, estabelece que o número de deputados não pode ultrapassar 513 e que cabe ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fornecer os dados estatísticos para a efetivação do cálculo. Feitos os cálculos, o TSE deve encaminhar aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos partidos políticos o número de vagas a serem disputadas.
No entanto, antes de julgar o pedido da Assembleia Legislativa do Amazonas, os ministros do TSE decidiram na sessão plenária administrativa de 22 de março discutir o assunto com a população, políticos e entidades interessadas.
Posições a favor e contra
Parlamentares do Amazonas defenderam a redefinição das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados para as eleições de 2014 ressaltando que o Estado do Amazonas deveria ter mais do que os oito deputados federais que hoje tem – podendo chegar a 10, caso a redistribuição das vagas ocorra. Lembraram que, hoje, o Amazonas tem uma população maior do que Alagoas e o Piauí, que têm, respectivamente, nove e dez deputados federais.
“Não queremos causar embaraços aos entes federados. Viemos aqui hoje para reivindicar um direito do povo do Amazonas, que vem aumentando a sua população desde 2005”, disse o deputado federal Átila Lins (PSD-AM). Segundo o parlamentar, a Constituição Federal de 1988 determina a revisão periódica das bancadas dos Estados na Câmara dos Deputados, o que jamais ocorreu. “O que não podemos é ficar nessa situação”. De acordo com o deputado, a revisão das bancadas deveria ocorrer a cada quatro anos, com base em censo populacional do IBGE.
O presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas, deputado Ricardo Nicolau (PSD-AM), e o procurador da Assembleia, Vander Reis Goes, afirmaram que a redistribuição das vagas de deputados federais por Estado, conforme determina a Constituição, é um desejo antigo dos amazonenses. “O TSE vive a possibilidade de registrar um momento histórico, o de acolher o direito cristalino do povo do Amazonas”, destacou Nicolau.
Já os deputados federais Julio Cesar Lima (PSD-PI), Hugo Napoleão (DEM-PI) e a deputada estadual Margarete de Castro Coelho (PP-PI) falaram contra o apelo da Assembleia Legislativa amazonense.
O deputado Julio Cesar Lima ressaltou que, se hoje o Piauí tem uma população menor do que a do Amazonas, isso se deve aos grandes incentivos dados desde a década de 1960 à criação e expansão da Zona Franca de Manaus – hoje Polo Industrial de Manaus. Segundo ele, isso levou ao aumento da migração para o Amazonas.
Afirmou ainda o parlamentar que item das disposições constitucionais transitórias impede a redução nos números das bancadas que os Estados tinham na época da promulgação da Constituição, em 1988. Eventual redistribuição das vagas dos Estados na Câmara dos Deputados, de acordo com a representatividade populacional de cada Estado, poderia levar ao aumento ou à diminuição nas bancadas de alguns Estados.
Tanto Julio Cesar quanto a deputada estadual Margarete Coelho afirmaram que a redefinição das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados somente pode ocorrer no ano anterior às eleições, e, mesmo assim, com base em censo recente. Segundo eles, para as eleições de 2014, haveria, portanto, a necessidade de realização de um censo populacional em 2013.
Ao falar contra o pedido da Assembleia Legislativa do Amazonas, o deputado Hugo Napoleão afirmou que a representação dos Estados na Câmara dos Deputados deveria se basear no critério de carência. Ele defendeu a manutenção do número da bancada piauiense na Câmara em dez integrantes.
Último a falar, o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade da Brasília (UnB) Mathieu Turgeon defendeu uma ampla reforma no cálculo de vagas de deputados federais diante do que classificou como “grande distorção” na representação dos Estados na Câmara Federal. “Hoje há uma desproporcionalidade grande. Cerca de 10% das 513 cadeiras de deputado, ou seja, quase 51 cadeiras, estão mal distribuídas atualmente na Câmara dos Deputados”, afirmou.
Segundo o professor, “a Câmara dos Deputados representa os interesses da população” e a proporcionalidade somente se concretiza quando votos se transformam em representação. “O grande perdedor é o Estado São Paulo”, disse. Ele citou ainda outros Estados que, segundo defendeu, também estão sub-representados, como Roraima, que deveria ter um deputado a mais, Pará, que deveria ter três deputados a mais, além do Rio Grande do Norte e Santa Catarina, que mereceriam ganhar mais um deputado cada.
Para Mathieu Turgeon, a cada dez anos deveria ser feito um ajuste na distribuição de deputados federais, cortando vagas de um Estado para aumentar o número de cadeiras em outros Estados com maior crescimento populacional. Ele ressaltou que a desproporcionalidade na representação na Câmara Federal “afeta a dinâmica da barganha entre Executivo e o Legislativo”.
Ainda de acordo com o professor, entre os Estados mais beneficiados estão aqueles que têm o piso mínimo de oito cadeiras como, por exemplo, Roraima. “A fonte principal de desproporcionalidade que temos hoje no Brasil provém desse teto de 70 deputados, que é completamente insuficiente, e do piso exagerado de oito deputados”, concluiu.
Além da presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, que abriu a audiência pública e, ao se despedir, passou a direção dos trabalhos à ministra Nancy Andrighi, compuseram a mesa do evento os ministros Henrique Neves e Luciana Lóssio, a vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, e o diretor do Departamento de Estudos Jurídicos e Contencioso Eleitoral da Procuradoria Geral da União (PGU), José Roberto da Cunha Peixoto.
Publicado em Política na Edição Nº 14416
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