No segundo dia de julgamento do mensalão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, faz leitura da acusação de cada réu no processo

Brasília-DF – O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, reafirmou ontem a existência do mensalão, que, segundo ele, foi o “mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro público” da polític
a nacional. Na primeira metade de sua sustentação, no Supremo Tribunal Federal (STF), Gurgel citou o papel de cada integrante do esquema, dando destaque à atuação do ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu, que, de acordo com o procurador, era o “mentor” da ação.
Mesmo com tempo limitado, o procurador dedicou os 20 minutos iniciais a considerações filosóficas sobre a relação entre ética e poder. Gurgel citou pensadores como Raymundo Faoro (brasileiro, autor do livro Os Donos do Poder), o italiano Norberto Bobbio e o alemão Max Weber. E, concluindo a etapa teórica da denúncia, deu os motivos pelos quais considerou o esquema criminoso. “Com base na prova reunida na ação penal, os fins não justificam os meios, quando ignoram, cabalmente, o que é moralmente correto e socialmente aceitável”.
O procurador ainda rebateu críticas dos advogados dos réus que figuram no processo, que consideraram o mensalão “uma criação de delírio” do Ministério Público. “A robusteza da prova colhida torna risível a assertiva”, argumentou Gurgel.
Segundo o procurador, o mensalão foi montado em 2003, logo no início do primeiro mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para cooptar apoio político. “Maculou-se a República, instituindo-se à custa do desvio de dinheiro público, um sistema de movimentação financeira à margem da legalidade, com o objetivo de comprar o voto de parlamentares em matérias relevantes para o governo”.
Gurgel disse que a base do esquema constituía na captação de verbas por parte do publicitário Marcos Valério, a mando da cúpula do PT, para distribuição entre parlamentares da base aliada.
O procurador tem direito a cinco horas para falar sobre os 38 réus, uma média de oito minutos para cada um. Na primeira parte de sua apresentação, ele optou por dar destaque a José Dirceu, primeiro da sequência acusatória, a quem dedicou quase 30 minutos de sua fala.
Gurgel concordou que há provas pouco robustas contra quem chamou de “principal figura de tudo que apuramos” e “o grande protagonista” do mensalão, mas atribuiu o fato ao papel de liderança que Dirceu exercia. “Como quase sempre ocorre com chefes de quadrilha, o acusado não aparece nos atos de execução do esquema”, justificou.
Ainda no núcleo político (os réus foram divididos em três núcleos: político, operacional e financeiro), Gurgel citou o ex-presidente do PT José Genoíno, o ex-secretário-geral do partido Silvio Pereira e o ex-tesoureiro da legenda Delúbio Soares, além dos parlamentares dos partidos beneficiados pelo esquema – PL (hoje PR), PTB e PP.
Do núcleo publicitário-financeiro, o destaque foi para Marcos Valério. “Dirceu foi o mentor do esquema, enquanto Marcos Valério foi seu executor”, sintetizou Gurgel. O interesse desse núcleo, segundo o procurador, era se aproximar do governo a fim de obter vantagens em contratos publicitários e desvio de verba em benefício próprio.
Ainda segundo Gurgel, o núcleo financeiro – formado por dirigentes do Banco Rural à época – aceitou entrar no esquema para obter vantagens em transações envolvendo instituições financeiras. Segundo a denúncia, o grupo forjou empréstimos que não ocorreram na realidade, dissimulando a origem ilegal da verba. O procurador lembrou que representantes do Banco BMG não estão na ação penal do STF porque o caso está sendo tratado em outro processo, que tramita na Justiça de primeiro grau.
Na segunda fase da exposição, Gurgel passou a tratar dos crimes imputados a cada um dos réus e as provas que sustentam as acusações. Os crimes citados na denúncia – variáveis para cada réu – são formação de quadrilha (um a três anos de prisão), corrupção ativa e passiva (dois a 12 anos cada), peculato (dois a 12 anos), evasão de divisas (dois a seis anos), gestão fraudulenta de instituição financeira (três a 12 anos) e lavagem de dinheiro (três a dez anos). (Agência Brasil)