A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados discutiu ontem (10) o acordo de salvaguardas tecnológicas Brasil-Estados Unidos envolvendo a base espacial de Alcântara (MA), cidade próxima à capital São Luís. Se não houve objeção à celebração do acordo, as diferentes representações discordaram bastante sobre os termos e os procedimentos tanto para a celebração do termo quanto acerca do que será feito antes ou a partir dela.

O acordo precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional para ter efetividade. A proposta é analisada no momento pela Câmara dos Deputados em três comissões. Caso tenha a votação favorável dos parlamentares na casa, deverá ser apreciada pelo Senado Federal.

Divergências

As principais diferenças giraram em torno de três pontos. O primeiro está ligado à natureza do acordo e à transparência das informações. O segundo diz respeito a que tipo de proteções sociais serão asseguradas às comunidades quilombolas da região da base. E o terceiro envolve, em existindo tais garantias, se elas devem ser resolvidas antes ou a posteriori.
Representantes de comunidades quilombolas e de órgãos públicos presentes apontaram falta de informações claras sobre os termos do acordo. “Temos um histórico já de várias tentativas não só da DPU (Defensoria Pública da União) mas do Ministério Público de provocações formais a diferentes ministérios que ou não são respondidas ou são respondidas de maneira genérica, quando não com informações trocadas”, reclamou o representante da Defensoria Pública da União na audiência, Yuri Costa.
O Chefe da Divisão do Mar, da Antártida e do Espaço do Ministério das Relações Exteriores, Rodrigo Almeida, esclareceu que o acordo consiste em um instrumento com regras para as operações de lançamento do centro espacial de Alcântara que envolvam a utilização de tecnologia dos EUA, com obrigações para a proteção desta.
“O país detentor desta tecnologia precisa de garantia que ela não vai ser apropriada. Não tem a ver com transferência, mas com proteção de tecnologia. São regras por meio das quais essas tecnologias dos Estados Unidos serão manipuladas em atividade de lançamento espacial no nosso centro de lançamento em alcântara”. Essa proteção, acrescentou, seria necessária para que o Brasil seja incluído no mercado de lançamento de aeronaves e satélites.
A procuradora federal dos direitos do cidadão do Ministério Público Federal, Débora Duprat, destacou que por mais que o objeto seja a proteção de tecnologia estadunidense ele terá impacto sobre as comunidades. “Ele vai tornar a base operável. E ele vai gerar necessidade de definir espaços, o que ninguém sabe, e aí a ameaça sobre as comunidades. É uma zona de incerteza que não é justo que comunidades próximas não tenham noção do que pode acontecer a partir da assinatura deste acordo”, comentou.
A deputada Áurea Carolina disse que visitou a base e que um representante teria dito que haverá a necessidade de remoção de famílias e questionou o desencontro de informações entre órgãos do governo sobre esse impacto. O representante do ministério da Defesa respondeu que tal informação não seria correta.

Salvaguardas sociais

Representantes diferentes de comunidades do local apresentaram a necessidade de estabelecer salvaguardas para os quilombolas da região, especialmente a obtenção da titulação de suas áreas. “Não somos contra o acordo e o avanço tecnológico, o que não aceitamos é mais remoção de família e expansão da área. Se o acordo não diz que não tem expansão, por que o governo não tem coragem de dar o título daquelas comunidades?”, indagou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras rurais de Alcântara, representando a Comunidade Quilombola Mamuna de Alcântara/MA, Antônio Marcos Diniz.
Já o Coordenador-Geral do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE), Leonardo dos Anjos, manifestou-se contrário em razão das incertezas sobre as garantias para as comunidades. “Somos contra o projeto da base espacial. Não vamos aceitar expansão nem consolidação. Queremos a titulação da nossa terra e não remanejamento de família. Vamos pra onde?”, opinou.
O tenente-brigadeiro do ar Carlos Almeida Júnior, representante do Ministério da Defesa, admitiu não saber qual é a “solução para Alcântara”. Mas ponderou que, a despeito do acordo não ser o que o país queria, os questionamentos não podem inviabilizar a sua aprovação. “Nós não podemos condicionar a tramitação e aprovação deste acordo às questões de titulação de terra quilombola ou de quaisquer outros se, porque estaremos perdendo a nova oportunidade”, declarou.
O secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Maranhão, Davi Telles, assinalou que a solução das demandas das comunidades está diretamente vinculada à definição do acordo. “O governo do Maranhão é favorável [ao acordo]. Por outro lado, não é uma questão separada as salvaguardas sociais. Em relação a estas, este é o momento propício para que essa discussão seja retomada e os passivos históricos das comunidades sejam debatidos”, defendeu.

Cronograma

O Presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB) e representante do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Carlos Augusto Moura, avaliou que a solução dos passivos teria que ocorrer em um momento posterior. “O acordo de salvaguarda é um passo inicial, não garante nada. A partir dele podemos o que é viável ou não, conversar com interessados e partir para a implantação”, pontuou.
A Coordenadora Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Celia Pinto, afirmou que os quilombolas não são contra o acordo, mas que ele não pode ser assinado sem as proteções serem garantidas antes.
“Mas ninguém nos garante que se não tiver garantias antes do acordo ser assinado essas sejam respeitadas. Será que depois de amanhã essa área não será insuficiente para que a base possa operar para gerar os retornos que vocês almejam? E aí, quem garante que vão voltar atrás para a gente rediscutir novamente a ampliação deste espaço? Não vamos assinar acordo sem saber o que está por trás”, questionou.
O secretário de Direitos Humanos do Governo do Maranhão, Francisco Conceição, destacou que a legislação brasileira exige consulta prévia às comunidades tradicionais em iniciativas com impacto sobre elas. Segundo ele, há a necessidade de realizar “uma consulta conforme protocolos previstos e possibilitar modos pacíficos e negociados de resolução de conflitos”. (Agência Brasil)