Brasília-DF - Após intensa polêmica, a Advocacia-Geral da União (AGU) concordou em suspender temporariamente o efeito da Portaria 303, publicada no último dia 17, segundo informação divulgada pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A norma regulamenta a atuação dos advogados públicos e procuradores em processos judiciais envolvendo a demarcação de terras indígenas de todo o país.
A medida não havia sido confirmada pela AGU, cuja assessoria, procurada, disse não estar ciente da decisão. Após a publicação da matéria, a Advocacia-Geral da União enviou nota informando “que está analisando o pedido” de suspensão da portaria por 60 dias.
Em nota, a Funai informa que o advogado-geral da União, o ministro Luís Inácio Adams, concordou com a suspensão temporária da portaria, atendendo a pedido da própria fundação, para permitir que os povos indígenas possam ser consultados sobre os efeitos da aplicação da portaria.
Confirmada a decisão, a AGU terá que publicar um ato de vacância suspendendo a vigência da portaria até a conclusão das consultas. Durante este período, a Funai terá que ouvir as críticas e sugestões das populações indígenas e apresentar novas propostas ao texto original.
Em nota divulgada na semana passada, a Funai se manifestou contrariamente à portaria, sustentando que a norma restringiria o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, especialmente os direitos territoriais, consagrados pela Constituição Federal.
Na prática, a Portaria 303 estende para todos os processos demarcatórios as 19 condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em terras contínuas, em decisão tomada em março de 2009. Essas exigências passariam a ter que ser observadas pelas unidades da AGU em todo o país.
Entre as condicionantes (ou “salvaguardas institucionais”, conforme diz o texto da portaria) estão a proibição à comercialização ou arrendamento de qualquer parte de terra indígena que possa restringir o pleno exercício do usufruto e da posse direta pelas comunidades indígenas; a exigência de que os índios obtenham permissão para a garimpagem em seus territórios; além da proibição à ampliação das reservas já homologadas e a obrigatoriedade de que os processos já finalizados sejam revistos e adequados às novas normas.
Enquanto organizações socioambientais e de defesa de direitos dos índios criticaram a portaria, temendo o acirramento de conflitos agrários, o advogado-geral da União declarou à Agência Brasil que não está criando novas regras, mas sim regulamentando a atuação da AGU em conformidade com o que decidiu o STF em 2009.
“Estou acatando e não criando normas, apenas apropriando uma jurisprudência que o STF entendeu ser geral, para todas as terras indígenas. Não é uma súmula vinculante, mas estabeleceu uma jurisprudência geral”, explicou Adams em entrevista concedida no dia em que a portaria foi publicada no Diário Oficial da União.
Para especialistas como o jurista José Afonso da Silva, a interpretação da AGU a respeito da decisão do STF é um equívoco e a portaria inconstitucional. Além disso, conforme a Agência Brasil noticiou na última sexta-feira (20), o processo envolvendo a demarcação da Raposa Serra do Sol ainda não foi concluído devido ao menos seis pedidos de esclarecimentos, chamados embargos de declaração.
Os recursos tratam de algumas das 19 condicionantes estabelecidas em 2009, que ainda podem ser modificadas ou parcialmente anuladas, conforme o julgamento dos embargados, que ainda não tem data para acontecer. (Agência Brasil)