Um relatório parcial, divulgado na tarde de ontem (7) pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), na capital paulista, mostra que pelo menos 17 centros clandestinos de tortura funcionaram no país durante a ditadura militar. Dos centros clandestinos, também chamados de “casas de morte”, sete foram mapeados e dez ainda estão em fase de pesquisa e aprofundamento.
O relatório, coordenado pela pesquisadora Heloisa Starling, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), confirmou que os centros clandestinos eram ligados às Forças Armadas. “O principal resultado da pesquisa até aqui mostra que tanto a criação quanto o funcionamento regular dos centros clandestinos é resultado de uma política definida pelas Forças Armadas. Não são estruturas autônomas, nem isoladas ou subterrâneas, e não são de grupos autônomos, milícias ou grupos paramilitares. Eles eram parte da estrutura de inteligência e de repressão do regime militar e obedeciam ao alto comando das Forças Armadas”, disse.
Os centros podem ter funcionado entre 1970 e 1975. “Os centros clandestinos eram casas, apartamentos, sítios ou fazendas, em geral de propriedade privada, que foram cedidos pelos proprietários e que funcionavam como órgãos da estrutura de repressão do regime militar. Eles não se confundem com quartéis, com instituições militares ou delegacias de polícias”, disse Heloísa. A Casa de Petrópolis, por exemplo, era um imóvel que tinha sido emprestado pelo empresário Mário Lodders ao Exército.
Nos centros, militantes eram torturados, mortos, interrogados, presos ou desapareciam. Em alguns desses locais, como por exemplo na casa do Bairro Ipiranga, em São Paulo, militantes eram cooptados para se tornarem agentes infiltrados para “entregar” aqueles que faziam oposição ao regime. Eles, inclusive, assinavam contratos de prestação de serviços com o Exército, o que incluía a delação de ex-companheiros e fornecimento de informações que pudessem levar ao desmantelamento de aparelhos [pontos de encontro dos militantes]. “Isso me surpreendeu”, disse a pesquisadora.
Sete dos centros foram mapeados, trazendo endereço de funcionamento; período de funcionamento; a cadeia de comando; e quantas vítimas foram torturadas, mortas ou desapareceram nesses locais. Quatro delas - a Casa de Itapevi, em Itapevi (SP); a Casa do Bairro Ipiranga, em São Paulo; a Casa Azul, em Marabá, no Pará; e a Casa de Petrópolis, em Petrópolis, no Rio de Janeiro - estavam ligadas ao Centro de Informações do Exército. Já a Casa de São Conrado, no Rio de Janeiro, utilizada como centro de tortura, estava ligada ao Centro de Informações da Marinha. A Fazenda 31 de Março, na região da represa de Guarapiranga, na Grande São Paulo, foi cedida pelo empresário Joaquim Fagundes ao Exército, e era ligada ao Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). A Casa do Renascença, em Belo Horizonte, era ligada ao 12º Regimento de Infantaria do Exército e à Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais.
A maior e mais violenta delas era a Casa Azul, local onde atualmente funciona o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), em Marabá (PA). A Casa Azul foi implantada entre os anos de 1972 e 1973 para reprimir as ações dos militantes da Guerrilha do Araguaia. No local, pelo menos 22 militantes do PCdoB e dois camponeses foram mortos. “Das vítimas que passaram pela Casa Azul, ninguém sobreviveu. Não existem testemunhos, até agora, da Casa Azul. Não há informações de que existam sobreviventes”, falou a pesquisadora.
Já a Casa de Itapevi, na Estrada da Granja, em Itapevi (SP), era utilizada para interrogatório e detenção de militantes que foram presos na Operação Radar, uma ofensiva das Forças Armadas contra o Partido Comunista Brasileiro (PCB). O relatório apontou que pelo menos oito pessoas desapareceram no local, todas ligadas ao PCB. Segundo Heloísa, um relatório encontrado do Centro de Informações do Exército, produzido em 1976, informa que 347 militantes foram presos somente na cidade de São Paulo durante a operação, com 585 denúncias de torturas.
Outros dez centros clandestinos ainda estão sendo investigados, mas segundo o relatório, eles existiram em Olinda (PE), Goiânia (GO), São João do Meriti (RJ), Recife (PE), Fortaleza (CE), Ribeirão das Neves (MG), Alagoinhas (BA), Triângulo Mineiro e Brasília (DF).
Os centros, segundo Heloísa, funcionavam como um mecanismo para as ações fora do “sistema de legalidade”, criado pela própria ditadura. “A partir de um tipo de opositor que a ditadura tivesse prendido, ela não poderia usar os procedimentos da própria legalidade de exceção que ela construiu. E é nesse sentido que ela [ditadura] precisou construir essa estrutura clandestina. Tinha presos que ela não podia assumir ter feito as prisões. Então criou uma série de práticas, ferindo a legalidade de exceção que ela criou, como os desaparecimentos, a política de extermínio e a tortura como técnico de interrogatório”, acrescentou. (Agência Brasil)
Publicado em Política na Edição Nº 14974
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