Atenta às urgências dos municípios brasileiros, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia, afirmou que a União deve ser o primeiro Ente a ser cobrado, quando o assunto são processos judiciais de saúde. "A determinação é que primeiro se responsabilize a União", declarou a magistrada, nessa terça-feira, 31, em reunião mobilizada pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), com prefeitos e vice-prefeitos de 14 capitais.
A ministra afirmou que irá informar à FNP, até o final de fevereiro, o andamento de cada processo e o que pode ser feito no Supremo e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). "O STF é o tribunal da Federação. Tudo aquilo que afetar estados e municípios e for judicializado, vamos dar preferência", destacou.
Segundo o vice-presidente da FNP, Maguito Vilela, a ministra prometeu "pacificar todas essas questões que estão em discussão no STF para facilitar a vida dos municípios e esse excesso de ações no Poder Judiciário".
O grupo de governantes locais elencou, em um documento entregue à ministra, 12 pontos prioritários, que envolvem as contas municipais e dependem de decisões da Justiça. Segundo o presidente da FNP, Marcio Lacerda, o propósito do encontro foi buscar um reequilíbrio nas responsabilidades dos Entes Federados. "Viemos propor uma revisão de promessas e anseios da Constituição Federal de 1988", falou.
"Participamos de uma reunião objetiva, falando de forma séria sobre a reformulação do pacto federativo que, da maneira que está, é injusto aos munícipes", disse o prefeito dede Manaus/AM, Arthur Virgílio Neto.
De acordo com o prefeito de Aracaju/SE, Edvaldo Nogueira, os municípios nunca tiveram o papel e o protagonismo que o federalismo exige. "Viemos tentar firmar uma jurisprudência que unifique para os três entes esses temas que são importantes", disse.
Judicialização da saúde - O prefeito de Fortaleza/CE, Roberto Cláudio, apontou a necessidade de um suporte técnico para qualificar as decisões judiciais na área, evitando prejuízos à saúde da população. Cláudio destacou ainda que, apesar do apelo nobre pelo acesso a alguns tipos de serviços previstos em tese pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os prefeitos convivem com "despesas excessivas que acabam, muitas vezes, limitando o poder discricionário de gasto com a própria saúde".
Para o prefeito de Belém/PA, Zenaldo Coutinho, o fato de a ministra compreender que quando houver necessidade de decisão judicial é a União que, primeiramente, deve responder é importante para os municípios. "Essa orientação nacional também aponta para um caminho mais inteligente, eficaz, para que as coisas aconteçam", declarou.
A presidente do STF afirmou que os Núcleos de Apoio Técnico (NATs) foram implementados em todos os Tribunais de Justiça e estão sendo fortalecidos para subsidiar de maneira adequada as decisões envolvendo a Saúde. "A ministra Cármen Lúcia deu encaminhamento a várias pautas que são importantes para 100% dos municípios brasileiros, a exemplo da questão da judicialização da saúde, que vêm sangrando os municípios há muito tempo", concluiu o prefeito de Maceió/AL, Rui Palmeira.
Execução fiscal - Conforme dados apresentados pela presidente do STF, atualmente há 750 mil ações no STF. "Exatamente 11.398 ações têm como parte os municípios. Ou seja, são em média, dois processos por município", falou. Segundo o prefeito de Salvador/BA, ACM Neto, números mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que 40% das ações judiciais, hoje, correspondem a executivos fiscais.
Para ele, é relevante o registro da angústia do poder judiciário local com relação ao excesso de ações judiciais, sobretudo, de execução fiscal. "O caminho é trabalhar pela desjudicialização da cobrança da dívida ativa dos municípios", afirmou.
"Nós gostaríamos que o CNJ estabelecesse um piso. A partir de quanto podemos entrar com ação?", pontuou o prefeito de Palmas/TO, Carlos Amastha. Dessa maneira, o Poder Judiciário poderia concentrar seus esforços em menor número de ações judiciais, porém de grande valor, dando respostas céleres às grandes demandas dos municípios.
Os prefeitos também solicitaram o apoio da Suprema Corte para uma mudança na legislatura que faça com que o protesto da dívida interrompa o prazo de prescrição. Sobre a questão, a ministra se comprometeu em verificar medidas para auxiliar.
Terrenos de Marinha - Prefeitos de Florianópolis/SC, Gean Loureiro; Vitória/ES, Luciano Rezende; e Belém/PA manifestaram a preocupação com o tema. Loureiro afirmou que na capital catarinense mais de 30% das residências são atingidas pela Linha de Preamar Média (LPM). Em Belém são 39 ilhas de rio, todas com o mesmo problema, conforme Coutinho. "Essa é uma deformidade jurídica na Constituição Federal Brasileira que precisa ser tratada em algum momento", declarou Luciano Rezende.
O município de Vitória/ES, que segundo o prefeito possui mais da metade de seu território nessa situação, é autor de Recurso Extraordinário que tramita no STF, sob a relatoria da ministra Rosa Weber, e terá repercussão geral para os demais municípios. Assim que o processo estiver disponível, a ministra afirmou que o tema entrará na pauta para julgamento.
Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) - Diante de uma instrução normativa da Receita Federal, de 2015, que restringiu o IRRF a servidores e aposentados, o grupo alertou a necessidade de uma segurança jurídica. "Isso gera uma cobrança de imposto de renda em relação aos municípios de uma relevância muito grande", falou o vice-prefeito de Porto Alegre/RS, Gustavo Bohrer Paim.
A capital gaúcha obteve decisão favorável sobre matéria no órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado. "Alertamos a ministra de que em breve outros municípios passarão por isso e nós precisamos de uma uniformização, uma segurança jurídica", disse.
Cobrança do ISS - O prefeito de Campinas/SP, Jonas Donizette, mencionou a importância de uma atualização na lista de materiais da construção civil que podem ser deduzidos no calculo do ISS. "O ISS representa um imposto muito importante para os municípios, é até maior do que o próprio IPTU em algumas cidades", destacou.
Precatórios - "Esse é o tema mais difícil desta pauta", reconheceu a presidente do STF. "De um lado há o direito de quem espera pelo pagamento e do outro, o ente, que não tem como pagar, sobretudo porque não houve uma regra de transição para a mudança do tempo de pagamento", disse o prefeito de Macapá/AP, Clécio Luís Vilhena Vieira. Com a aprovação da Emenda Constitucional 94/2016, houve uma redução de prazo para pagamentos de precatórios de 15 para cinco anos, e, para viabilizar essa redução, foi autorizada a utilização de até 20% dos depósitos judiciais de terceiros.
Ainda de acordo com Vieira, o volume de precatórios da capital amapaense representa 13% da Receita Corrente Líquida do município. "Precisamos da determinação para que os tribunais ou instituições financeiras liberem o uso de depósitos judiciais de terceiros", disse.
Na mesma linha de demanda, o prefeito de Porto Velho/RO, Hildon Chaves, afirmou que a emenda constitucional, em vários casos, pode inviabilizar a prestação de serviços básicos em vários municípios, caso os recursos não sejam liberados, visto que o legislador encurtou o prazo para o pagamento dos precatórios em razão da utilização desses recursos.
Segundo Chaves, 11% da Receita Corrente Líquida de Porto Velho está comprometida para pagamento de precatórios. Caso não seja viabilizada a utilização dos depósitos judiciais aos municípios, estes correm o risco de terem sequestrados os valores pelo Tribunal de Justiça, em razão do não pagamento de precatórios.
A ministra se comprometeu em analisar a situação e conversar com os presidentes de Tribunais de Justiça e do Banco do Brasil de forma a buscar uma solução.
Judicialização de vagas em creche - No que diz respeito a vagas em creches, o presidente da FNP, Marcio Lacerda, atentou para o fato de que há critérios para a designação de vagas, priorizando famílias com baixa renda, além de se observarem os prazos estabelecidos no Plano Nacional de Educação.
Prefeitos sugerem que seja feita uma audiência pública para que a sociedade participe do debate sobre a judicialização das políticas públicas de educação.
Imunidade Tributária Recíproca - Segundo Virgílio, a divisão do bolo tributário é injusta e precisa ser revista. Essa situação é agravada ainda mais quando se aplica a imunidade tributária às sociedades de economia mista, que possuem atividades altamente lucrativas e não trabalham apenas com a prestação de serviço público.
Casos como o da Sabesp, Petrobras e Infraero foram apontados durante a reunião. "Vamos tentar reunir todos os processos para que o plenário decida em uma única sessão", encaminhou a magistrada.
Participaram da reunião: o presidente da FNP, Marcio Lacerda; vice-presidente da FNP: Maguito Vilela; os prefeito de Salvador/BA, ACM Neto; de Manaus/AM, Arthur Virgílio Neto; de Fortaleza/CE, Roberto Cláudio; de Vitória/ES, Luciano Rezende; de Belém/PA, Zenaldo Coutinho; de Maceió/AL, Rui Palmeira; de Aracaju/SE, Edvaldo Nogueira; de Porto Velho/RO, Hildon Chaves; de Florianópolis/SC, Gean Loureiro; de Macapá/AP, Clécio Luís Vilhena Vieira; de Palmas/TO, Carlos Enrique Amastha; de Campinas/SP, Jonas Donizette; de Aparecida de Goiânia, Gustavo Mendanha; e os vice-prefeitos de João Pessoa/PB, Manoel Júnior; e de Porto Alegre/RS, Gustavo Paim, além do presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), Jurandir Gurgel, secretário de Finanças de Fortaleza/CE; e representante do Fórum Nacional de Procuradores das Capitais Brasileiras, Rúsvel Beltrame, procurador de Belo Horizonte/MG.
Publicado em Justiça na Edição Nº 15812
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