Como resposta ao Mandado de Segurança Coletivo protocolado pelo Núcleo de Direitos Humanos (NDH), da Defensoria Pública do Estado (DPE/MA), no Fórum de Viana, a Justiça concedeu liminar parcial, obrigando o 2º Cartório Extrajudicial daquela comarca a proceder a lavratura de registro civil das crianças recém-nascidas indígenas autorreconhecidas como da etnia Gamella que ainda estão sem o documento, devendo constar no assento o sobrenome “Gamella”, sem a necessidade de apresentação do Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (Rani), fornecido pela Fundação Nacional do Índio (Funai), até julgamento final da ação. Conforme a juíza titular da 1ª Vara, Odete Maria Pessoa Mota Trovão, o descumprimento da ordem ensejará o pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00, por cada registro de nascimento recusado.
A magistrada sustentou, em sua decisão, que a atitude ilegal do cartorário infringe às regras estabelecidas na Declaração Americana Sobre os Direitos dos Povos Indígenas, na Convenção 169 da OIT, no art. 231 da CF/88 e também nos próprios artigos 2º e 3º da Resolução Conjunta CNMP/CNJ nº 03/2012. “Ser indígena está além da questão racial ou da manutenção dos costumes ancestrais. Os indígenas são aqueles que reivindicam sua relação histórica e social com os grupos que aqui estavam antes da colonização europeia. Desse modo, os índios que vivem nas cidades ou que já incorporaram práticas do meio urbano ao seu cotidiano não perdem identidade nem são considerados menos indígenas. Além disso, identidade e pertencimento étnico não são conceitos estáticos, mas processos dinâmicos de construção individual e social. Dessa forma, não cabe ao Estado reconhecer quem é ou não indígena, mas garantir que sejam respeitados os processos individuais e sociais de construção e formação de identidades étnicas”, destacou a juíza.
Ainda de acordo com o entendimento da magistrada, “a identificação civil é direito fundamental e sua ausência impede que as crianças tenham acesso ao sistema de saúde, educação e às demais políticas públicas, colocando-as em grave e concreta situação de vulnerabilidade”.

Entenda o caso - O caso foi acompanhado pela defensora pública Clarice Viana Binda, que esteve em agosto último no município, onde constatou que o direito à identificação civil vinha sendo realmente negado aos indígenas. Segundo relatos da Defensoria, o cartório vinha exigindo que os indígenas comprovassem sua “condição indígena” para que o registro civil fosse emitido, o que segundo a defensora fere os direitos à autoindentificação, ao nome e ao reconhecimento jurídico da pessoa, garantias já expressas pelo direito pátrio e tratados e convenções internacionais de direitos dos povos indígenas.