Isabel Ibarra Cabrera, pró-reitora de Ensino da UFMA
A crise sanitária produzida pela Pandemia da Covid-19 trouxe desdobramentos de novas crises sociais, políticas, econômicas e educacionais. As instituições educacionais foram pegas de surpresa e, de maneira geral, todos os países ricos e pobres tiveram que enfrentar a pandemia buscando respostas de como manter a educação e a transmissão dos conhecimentos num novo mundo que exigia o fechamento de universidades e escolas. A reinvenção do ensino, pela necessidade imposta do distanciamento social em plena pandemia levou a muitos teóricos a cunhar um novo termo que nasceu com ela, “ensino remoto emergencial”. A utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) para dar continuidade às aulas apresentou-se como uma saída utilizada por quase todos os países. No entanto, considerando que o atendimento educacional ainda é extremamente desigual entre as diversas regiões do mundo e são abissais as diferenciações de acesso digital entre as diferentes classes sociais, os países mais pobres se viram forçados a manter formas de ensino sem a mediação exclusiva da internet, sobretudo, na maior parte dos países centro-americanos e caribenhos e também na maioria dos países do continente africano. Essa também tem sido a saída em diversas regiões do Brasil, inclusive no Estado do Maranhão, onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um dos mais baixos do país e onde as aulas foram mantidas por meio da TV e do rádio.
No Brasil, desde 2012, a transformação das Universidades Federais com a adoção da Lei de Cotas e a inclusão de uma parcela significativa da população vulnerável trouxe novas preocupações aos gestores nesse momento de pandemia. Como sabemos, só a gratuidade não constitui um meio eficaz para garantir a equidade. As políticas não podem se reduzir ao acesso senão que devem ser abrangentes à permanência no ensino superior dos estudantes mais pobres. Estes chegam ao ensino superior em condições diferenciadas que exigem deles um esforço maior para concluírem os seus cursos de graduação. Com a nova exigência de um novo modo de ensinar, o “ensino remoto emergencial”, uma nova preocupação com a exclusão digital passou a ocupar e preocupar a maioria das instituições públicas de ensino superior que buscam condições e recursos para garantir o direito à educação para todos.
A Universidade Federal do Maranhão foi a primeira instituição no Estado do Maranhão a interromper o ensino presencial e a suspender o seu calendário acadêmico. A Universidade, com uma inserção no estado em nove municípios, onde radicam os seus campi, tem enormes desafios pela frente quando uma nova normalidade seja estabelecida.
A educação não pode aguardar o fim da Covid-19, até porque não sabemos ao certo quando e como será o seu fim, para propor mudanças e ajustes ao ensino. É emergencial que as unidades acadêmicas discutam as novas alternativas de ensino: “remoto ou híbrido” de acordo com a realidade de seus cursos. Neste novo momento de reinvenção e de criação de novas maneiras de ensinar e de apreender, quando os espaços privados e públicos se confundem, o processo está posto, as diferentes profissões, pois todas precisam se refundar, as saídas não podem ser únicas porque não são únicas as condições dos diversos cursos, as condições de professores e estudantes, as condições das diversas regiões e cidades onde é ofertado o ensino de graduação presencial. Por isso, o momento exige planejamento, capacitação, partilha, colaboração, tolerância e entendimento por parte de gestores, professores, técnicos e estudantes. O momento que nos tocou viver demanda uma “refazenda” dos nossos cursos, do nosso ensino e de nossa Universidade. Nessa “refazenda toda”, nos encontramos desafiados a ressignificar ideias, práticas e vivências.
Como historiadora, acredito que a Covid-19 é um marco histórico que transformou as nossas vidas de forma definitiva. Ainda que a pandemia chegue ao fim endêmico ou social nada pode nos garantir que não haja novos surtos de vírus diversos ou transmutações da Sars Cov. O reconhecido historiador inglês Eric Hobsbwam que marcou os vários séculos anteriores com o título de Eras: das revoluções, do capital, dos impérios e dos extremos acredito, se estivesse vivo, que não passaria despercebido o estabelecimento de um novo marco que nasce com um vírus invisível, em escala planetária, e a poderia cunhar como a “Era das incertezas”2 . Dentre as grandes mudanças produzidas neste momento, a mediação tecnológica passou, com mais intensidade, a fazer parte do nosso cotidiano e da manutenção das nossas relações sociais. Por uma parte, trouxe aproximações que antes parecia ser impossível, num mesmo dia participamos de várias reuniões, seminários, encontros acadêmicos e familiares em lugares distantes. As colações de grau, as comemorações, as assembleias e reuniões remotas fizeram parte dos novos tempos de recolhimento social. Todos nos vimos forçados a nos reinventar e aprender a ficar mais em casa. Por outra, a Pandemia tem nos ensinado a constituir outras formas de relação com a vida, com as pessoas, com o lazer e o trabalho. Nas instituições de ensino, a Pandemia acabou gerando economia em vários setores, energia elétrica, água, passagens aéreas e outros. Pela necessidade de refazer tudo, a curto e médio prazo, precisamos de governos e gestores da educação que invistam em disponibilizar redes de internet de qualidade para todos, acesso a equipamentos eletrônicos, capacitação de professores e estudantes para o uso das ferramentas digitais e apoio socioemocional e financeiro para os mais vulneráveis. Assim, como os profissionais da saúde no mundo inteiro ficaram na linha de frente no combate a pandemia, os profissionais da educação têm que assumir o papel de exigir dos governos que o direito à educação seja garantido a todos e apresentar propostas educacionais que mitiguem a desigualdade de aprendizagem, a fim de evitar o aumento descomunal da evasão e o fracasso educacional em tempos de Pandemia.
1Gilberto Gil, letra e álbum “Refazenda”.
2O conceito a “era das incertezas” foi usado pelo economista John Kenneth Galbraith para caracterizar o século XX.
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