Prestes a completar um mês, nesta quinta-feira (26), a greve dos servidores municipais da educação, em Goiânia, expõe um fato cada vez mais frequente: paralisações e manifestações trabalhistas sem participação ou aval de instituições formais como sindicatos ou centrais sindicais. Situação idêntica ocorreu na greve dos garis do Rio de Janeiro, em março deste ano, e nas paralisações de motoristas de ônibus, em São Paulo e em Goiânia, no mês passado.
À frente da paralisação e da ocupação da Câmara Municipal de Goiânia está o Sindicato Municipal dos Servidores da Educação (Simsed). Criado em 2010, por um grupo insatisfeito com a atuação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), o Simsed não é filiado a nenhuma central sindical e ainda está em processo de regularização do registro sindical.
Enquanto tenta acertar a situação jurídica em relação ao Sintego, o Simsed não pode receber o valor descontado, a título de contribuição sindical, de nenhum trabalhador da área de educação; nem mesmo daqueles que se associaram à entidade. Por isso, as doações são importante fonte de renda para o Simsed. A pendência não o impediu, porém, de compor uma diretoria, atrair filiados e convencer milhares de trabalhadores a cruzarem os braços.
“Hoje, funcionamos como uma associação. Temos CNPJ [Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica] e nosso estatuto está devidamente registrado em cartórios. Já temos cerca de 300 associados, mas nossa maior representação na categoria é política e jurídica, e não burocrática”, declarou à Agência Brasil o coordenador do Simsed, Renato Regis, reconhecendo que a situação em que o sindicato se encontra impõe limites na hora de negociar as reivindicações da categoria com a prefeitura ou de representar os trabalhadores na Justiça.
“O Poder Público não está acostumado a lidar com esse tipo de situação. Por isso, a prefeitura alega que o movimento não é legítimo, que o sindicato está irregular e não pode negociar. A meu ver, o que dá legitimidade a uma negociação é a presença da categoria nas manifestações e assembleias. E isso nós temos conseguido mobilizar, mostrando que havia um desgaste”, acrescentou Regis. Segundo ele, a greve atinge a pelo menos 60% da categoria - informação negada pela prefeitura e por outros sindicatos.
Para alguns especialistas e sindicalistas, além da velha disputa por associados, a estratégia desses novos grupos sugere uma crise de representatividade das organizações sindicais tradicionais e das instituições públicas em geral.
“Acredito que haja interesses em desmoralizar as instituições sindicais, em criar esse clima de desconfiança em relação aos sindicatos. Quanto mais desmobilizados os trabalhadores estiverem, melhor para certos setores. Quantas vezes vimos o aparelhamento de instituições por interesses pessoais”, declarou a socióloga Talvane Garcia, diretora de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Goiânia (SindiGoiânia), que divide com outros sindicatos (Sintego, Sindsaúde, Sinatran e Sindfisco) a representação legal dos cerca de 52 mil servidores públicos goianos, e não concorda com a atual greve dos profissionais da educação.
Já a vice-presidenta do Sintego, Iêda Leal de Souza, afirmou que não há, na greve dos educadores goianos, disputa por espaço político ou de sindicalizados, mas deixou claro não concordar com uma greve neste momento.
“A greve é um instrumento legítimo, que tem que ser usado de forma inteligente. Há outros mecanismos para se chegar a um acordo. Continuamos negociando com a Secretaria de Educação e com o prefeito a pauta dos trabalhadores, que é diferente dessa outra [apresentada pelo Simsed]”, disse Iêda. “Respeitamos todos os movimentos que reivindicam melhorias trabalhistas, e não estamos dizendo que não deva existir outros sindicatos. Se há trabalhadores descontentes querendo se organizar, isso é um direito deles. Só que é necessário respeitar os princípios do sindicalismo, o processo de negociação e o diálogo, pois é preciso ter responsabilidade com a própria categoria”.
Especialista em sindicalismo e coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação, o escritor Vito Giannotti diz que o fato não o surpreende. Para ele, a clara insatisfação dos trabalhadores indica “o fim de mais um ciclo de esvaziamento dos sindicatos, que, em sua maioria, perderam a combatividade”.
“É óbvio e ululante que há uma crise de representatividade sindical. Em junho de 2013, os sindicatos nem sonhavam o que estava prestes a acontecer - o que mostra o quão distante eles estão da realidade dos trabalhadores. Milhares de jovens lutando por um transporte público gratuito e de qualidade, e poucos sindicatos dedicaram uma página dos seus jornais à questão”, disse Giannotti, antes de defender que são os apoios dos próprios trabalhadores, bem como a simpatia e compreensão da população, que legitimam qualquer greve ou reivindicação.
“Durante a recente greve dos garis do Rio de Janeiro, a prefeitura disse que não ia negociar. Os garis continuaram em greve e, em pouco tempo, a prefeitura teve que dialogar com a comissão. Foi assim com os bancários de Porto Alegre e com metalúrgicos da cidade de São Paulo no final da década de 70. Isso se deve à correlação de forças. E é um fato saudável que os trabalhadores tomem em suas mãos a organização de suas lutas. Se vão se beneficiar, ainda não há como dizer. No Rio, eles saíram vitoriosos. Mal não fará”, completou Giannotti. (Agência Brasil)
Publicado em Geral na Edição Nº 15037
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