Mariana Tokarnia
Agência Brasil
No Brasil, 35 escolas públicas se destacam por conseguir, mesmo em condições adversas, garantir um bom aprendizado aos alunos no ensino fundamental. São escolas que atendem alunos de baixo nível socioeconômico em diferentes regiões do Brasil e conseguem que eles avancem juntos e tenham bons desempenhos nas avaliações nacionais. Os dados são da pesquisa Excelência com Equidade – Os desafios dos anos finais do ensino fundamental.
O estudo mapeia elementos que são comuns às escolas e que podem ser replicados em larga escala para melhorar as etapas de ensino. Primeiro, é preciso assegurar condições para que os alunos frequentem e não abandonem a escola. Além disso, o tempo pedagógico é garantido, ou seja, o tempo que o estudante está na escola é ocupado com aulas ou outras atividades que vão ajudar no desenvolvimento. “Educação é um direito independente do contexto social. Todo aluno tem que ter o direito ao aprendizado garantido”, diz o coordenador da Fundação Lemann e coordenador geral da pesquisa, Ernesto Faria.
Nessas escolas, o trabalho dos professores é pautado por avaliações, feitas sistematicamente para medir o aprendizado e orientar as aulas. Além disso, a Secretaria de Educação oferece suporte pedagógico e estrutural e os gestores atuam para fortalecer o vínculo dos profissionais com as escolas. Os professores também levam em conta o contexto de vida dos alunos na prática educacional. Por fim, são feitas mudanças na prática em sala de aula, para melhorar a aprendizagem dos alunos.
“É importante porque não é por um contexto mais vulnerável que se pode perder o aluno. Não se pode cair na armadilha de olhar apenas para o aluno mais engajado, todo aluno importa”, diz Faria. As escolas atendem alunos de baixo nível socioeconômico, têm um alto percentual de alunos com aprendizado adequado em português e matemática, mostraram evolução no desempenho dos alunos na Prova Brasil, de 2009 a 2013, e pertencem a redes de ensino que melhoraram como um todo nos últimos anos.
A pesquisa avalia escolas em diferentes contextos – urbanas e rurais – inseridas em grandes capitais e em pequenos municípios, com muitos ou poucos alunos. “O estudo desmonta mitos relacionados à educação que são bastante difundidos. O primeiro, é que escola pública é ruim. O segundo, é que criança pobre não aprende. O estudo mostra que as escolas públicas conseguem fazer um trabalho de altíssimo nível”, diz a consultora do Itaú BBA, Ana Inoue.
Excelência com equidade
A pesquisa, feita em parceria pela Fundação Lemann, Instituto Credit Suisse Hedging-Griffo e Itaú BBA, dá continuidade ao estudo lançado no ano passado, referente aos anos iniciais do ensino fundamental, período que vai do 1º ao 5º ano. Agora foi analisado o período escolar do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. Se na primeira pesquisa foram encontradas 215 escolas públicas que garantiam educação de qualidade a estudantes de baixa renda, esse número, usados os mesmos critérios, cairia para apenas três nos anos finais do ensino fundamental.
O grupo decidiu então flexibilizar os critérios considerando, entre outros, não apenas os resultados finais, mais o quanto essas escolas evoluíram nos últimos anos, o que elevou o número de escolas a 35, com experiências que podem ser compartilhadas.
De acordo com a pesquisa, a baixa quantidade de escolas evidencia os desafios específicos dos anos finais do ensino fundamental. Entre eles, a heterogeneidade das turmas. A evasão escolar e as defasagens acumuladas no percurso escolar têm mais impacto nos anos finais do ensino fundamental, do que nos iniciais, quando os alunos são mais jovens e estão no início da vida escolar.
O estudo, divulgado essa semana, está disponível na internet.
Conheça as experiências de seis dessas escolas:
A escola Miguel Antonio de Lemos fica na zona rural do município de Pedra Branca, a cerca de 18 quilômetros (km) do centro da cidade. A estrutura da escola é simples, falta, por exemplo, água encanada. No entanto, é o único local da comunidade que congrega educação, esporte, arte e lazer, assumindo a função de centro cultural e espaço de eventos familiares, como casamentos e batizados, nos fins de semana. Essa proximidade com a vizinhança favorece a atribuição de valor à escola.
“Vivemos em busca de sucesso e não em função dos problemas. Eles existem em todas as instituições. Nossa comunidade concentra não alfabetizados. A escola procura abraçar isso. Temos dois trabalhos: fazer com que nossos alunos aprendam e fazer com que as famílias tenham consciência de que os filhos precisam aprender”, diz o diretor da escola Pedra Branca, Amaral Barbosa. Um terço da população de Pedra Branca com idade igual ou superior a 15 anos não sabe ler nem escrever.
Segundo Barbosa, o envolvimento da família é fundamental. Para aqueles alunos cujos responsáveis não se comprometem com o acompanhamento, a escola tem uma estratégia: o adote um aluno. “Os alunos com dificuldades e ausência de família são distribuídos entre os funcionários e professores, que assumem papel de pai. Acompanham, parabenizam e buscam fazer com que essa ausência da família seja suprida por uma pessoa da escola”, conta Barbosa.
Segundo dados da Prova Brasil, o percentual de estudantes do 9º ano com aprendizado adequado em matemática passou de 84% para 100%. Em língua portuguesa, passou de 77% em 2011, para 83% em 2013. A escola manteve Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 6,2 nos dois levantamentos. Ao todo, são 98 alunos no centro de ensino.
Escola Municipal Maria Leite de Araújo, Brejo Santo (CE)
A escola Maria Leite de Araújo fica a aproximadamente 25 quilômetros do centro do município Brejo Santo. A maior parte dos estudantes usa o transporte escolar para frequentar as aulas. Alguns professores moram próximo às famílias dos alunos e conhecem bem seu contexto de vida. Além disso, o acesso das famílias à escola é informal e rotineiro. Muitas mães de estudantes usam os serviços do posto de saúde vizinho à escola e aproveitam ocasiões de consultas médicas para conversar com os professores e se inteirar sobre o desenvolvimento e comportamento dos filhos.
“O que eu percebo que interfere no resultado dessas escolas é a gestão. Se não tiver uma gestão fortalecida, corre o risco de não ter a eficiência desejada. Tem o envolvimento de toda a equipe, professores, pais e o entendimento dos alunos sobre a necessidade de fazer o melhor”, diz o coordenador pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de Brejo Santo, Jucélio Santos. “Sabemos o nosso dever na escola e do que precisamos fazer para melhorar. A vontade de fazer é o primeiro passo”, acrescenta.
Ele conta que antes de haver o esforço conjunto, cada professor atuava na sala de aula da maneira que achava que era a melhor. “Agora tem dado sucesso essa cultura do coletivo. Eu sozinho não posso me responsabilizar por todo o trabalho”, diz. Segundo ele, a secretaria reúne-se mensalmente com os diretores das escolas para discutir os trabalhos que estão sendo realizados e compartilhar as experiências exitosas e também os erros, para que não se repitam, entre todas as escolas. Bimestralmente, a reunião é feita com os professores. Há também uma equipe de professores que atuam na formação dos demais docentes e todo o processo é avaliado constantemente.
A escola tem o melhor Ideb entre as visitadas, 7,4. Em 2009, apenas 8% dos alunos tinham aprendizado adequado no 9º ano em língua portuguesa e em matemática. Em 2013, o cenário mudou: 100% tinham aprendizado adequado em matemática e 70% em língua portuguesa. A escola tem 79 alunos do 6º ao 9º ano.
A escola Gerardo Rodrigues fica na periferia da cidade de Sobral, em uma área sem muitas construções nem circulação de pessoas, onde é comum a ocorrência de furtos. A direção escolar adota medidas para coibir situações de conflito e criminalidade, o que faz dela um dos poucos pontos seguros do bairro. A escola pertence à rede de ensino de Sobral, município com uma trajetória de superação do fracasso escolar nos últimos 15 anos e que hoje apresenta um dos melhores indicadores de qualidade da educação do país.
Em Sobral há um grande envolvimento pelo ensino que vai, desde a Secretaria de Educação até os estudantes. Os professores recebem formação mensal para atuar em sala de aula. “Para nós, enquanto professores, esse apoio é extremamente importante”, diz a professora de português da escola, Fernanda Lopes.
Ela diz ainda que o tempo pedagógico é aproveitado ao máximo. “Trabalhamos com habilidades que podem ser desenvolvidas ao longo do ano. Eu atendo pela manhã e outro professor atende no contraturno. As dificuldades que eu percebi, eu repasso para ele”. A rede de ensino é acompanhada por consultoria e passa por um diagnóstico frequente do desempenho. “Sabemos qual aluno tem dificuldade e qual é a dificuldade”, explica.
Na escola, 80% dos alunos do 9º ano têm o aprendizado adequado em língua portuguesa e 64%, em matemática, segundo os dados de 2013. A escola não oferecia a série nos anos anteriores do levantamento, então não é possível analisar a evolução da porcentagem. O Ideb registrado em 2013 foi 6,9. A escola atende 1.191 alunos.
A escola Hebe de Almeida Leite Cardoso atende aos bairros de nível socioeconômico mais baixo do município de Novo Horizonte, em São Paulo. A infraestrutura é destoante da realidade das demais escolas públicas: todas as 20 salas de aula são equipadas com ar-condicionado, há salas multimídia, anfiteatro e jardim no pátio. O cenário atual da escola é bastante diferente do que era visto até alguns anos atrás, quando professores e gestores tinham resistência em trabalhar lá, pela fama de ser uma “escola difícil”. As melhorias na estrutura física, junto a outros fatores, são apontadas como importantes para a autoestima da comunidade escolar e foram lideradas pelo educador Paulo Cesar Magri, secretário de Educação do município desde 2001.
Em todo o município, são feitos simulados semanais e avaliações bimestrais. “Sexta-feira na primeira aula os alunos fazem a avaliação e na segunda de manhã eu já tenho os resultados. Tenho uma média da sala e do aluno e qual foi a questão que errou. Consigo saber se ele não entendeu uma charge ou um gráfico. Tenho como medir como está sendo o aprendizado”, diz o professor de história Ademir Almagro.
Para ele, o retorno imediato das avaliações, ao contrário de exames nacionais que levam um ano para ter os resultados divulgados, ajuda no aprendizado do aluno e faz com que dificuldades sejam identificadas rapidamente. Os professores também se reúnem semanalmente para trocar experiências e fazer discussões em cada uma das áreas de atuação. Ademir Almagro destaca ainda a participação das escolas na concepção da educação para o município. “Geralmente as mudanças são feitas de cima para baixo. Dessa vez não, é a primeira vez que eu falo”, diz.
Com 662 alunos, a escola registrou Ideb de 5,3 em 2011 e 6,3 em 2013. O percentual de alunos do 9º ano com aprendizado adequado em matemática passou de 50% em 2011 para 52% em 2013. Em português, o percentual passou de 44% na primeira avaliação para 58%, dois anos depois. A escola não tem avaliações em 2009, porque ainda não oferecia essa etapa de ensino.
A escola fica na periferia de Belo Horizonte e é conhecida na vizinhança por exigir o rígido cumprimento de horários e por não liberar os alunos por falta de professores. A escola faz um acompanhamento também das faltas dos estudantes e aciona os responsáveis daqueles que têm cinco faltas consecutivas ou dez alternadas.
O maior desafio da escola, segundo a vice-diretora, Ivani de Paula, é a localização. “A escola está em uma divisa, entre Belo Horizonte e Ribeirão das Neves. Atendemos alunos de todo o entorno. Temos que lidar com a violência, contê-la dentro e fora da escola”. Uma das estratégias para combater a violência é envolver as famílias e a comunidade na formação dos estudantes. A escola promove chá das mães, bingo dos pais, além de sessões de cinema para a comunidade. “Quando consigo trazê-los em um momento de lazer para dentro da escola, consigo também em um momento de dificuldade. Quando chamo só para apontar os erros dos filhos, os pais não querem ir. Mas quando sentem que se tem parceria nos momentos agradáveis, facilita”, diz.
Para combater a violência, a direção da escola está presente na entrada e na saída dos alunos, na porta da escola. “Sabemos que ficam pessoas da comunidade para passar drogas na porta das escolas, mas quando sentem a presença da direção, ficam intimidadas”, diz Ivani, e acrescenta que a escola conta também com a presença de guardas municipais.
Com 465 alunos, a escola obteve Ideb de 5,3 em 2013. O índice apresentou evolução ante o índice de 3,8 registrado em 2009 e 4,7 em 2011. Na escola, o percentual de estudantes do 9º ano com aprendizado adequado em língua portuguesa saltou de 27% em 2009, para 47%, em 2013. Em matemática, esse percentual passou de 16% para 36%, no mesmo período.
A escola Rodrigues Alves fica na Barra da Tijuca, região nobre da cidade do Rio de Janeiro, mas atende adolescentes que vivem em comunidades pobres do entorno. A localização facilita a oferta de serviços e infraestrutura e minimiza problemas como a violência. A escola pertence ao programa Ginásio Experimental Carioca (GEC), ou apenas Ginásio Carioca, iniciado pela prefeitura do Rio de Janeiro em 2011, para atender alunos do 7º ao 9º ano, em horário integral. A carga horária estendida, a dedicação exclusiva dos professores e a pequena quantidade de alunos contribuem para a qualidade do ensino e tornam a escola disputada pelas famílias de baixo nível socioeconômico da região.
Segundo a coordenadora pedagógica Maristela Motta, os alunos se tornam parte importante do próprio processo de aprendizagem. “O aluno que tinha dúvida se podia aprender, agora sabe que pode e o professor sabe que pode incentivá-lo”, diz. Os alunos são avaliados e o retorno, de acordo com Maristela, é imediato. “Recebemos os resultados das provas e imediatamente sentamos e alinhamos ações. Se determinada turma não atingiu os resultados desejados, buscamos saber o que aconteceu”. Os professores todos tem carga horária de 40 horas e dedicação exclusiva à escola.
A escola também trabalha com um modelo de tutoria: o aluno escolhe um funcionário que vai fazer o acompanhamento da vida escolar, incentivando os estudos e parabenizando os bons resultados e investigando o que aconteceu, se os resultados não forem bons.
Rodrigues Alves atende 227 alunos do 6º ao 9º ano. O Ideb passou de 4,6 em 2009, para 6,7 em 2013. Em 2009 apenas 25% dos alunos do 9° ano tinham aprendizado adequado em língua portuguesa e 7% em matemática. O cenário mudou em 2013, quando o percentual, em língua portuguesa, passou para 64% e em matemática foi para 58%.
Comentários