O tradicional cafezinho é uma das bebidas mais consumidas e apreciada no Brasil e no exterior. Mesmo tendo essa popularidade, as propriedades nutracêuticas do café ainda é vítima de desinformação. No entanto, estudos recentes mostram que a bebida, se consumida com moderação, é saudável para o ser humano.
De acordo com o médico e pesquisador Luiz Antonio Machado César, do Instituto do Coração - InCor, do Hospital das Clínicas - HC da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP, o café não faz mal à saúde se tomado em quantidades moderadas e habituais, ou seja, até quatro xícaras ao dia. Ele avalia os efeitos do café sobre variáveis que envolvem o sistema cardiovascular para saber os efeitos da bebida na pressão arterial e no coração de pacientes que já têm doenças coronárias. Segundo o médico, considerando os estudos recentes, não há evidências de que o café seja ruim para pessoas com problemas no coração. Os estudos vêm sendo desenvolvidos há quatro anos na Unidade Café e Coração, instalada no InCor, por meio de parceria com o Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café. A pesquisa analisou o comportamento de mais de cem pessoas por meio de diferentes baterias de exames feitos periodicamente com pacientes que tomavam café.
Luiz Antonio Machado César é graduado em Medicina pela FMUSP (1976) e doutor em Medicina, na área de Cardiologia, também pela USP(1989). Defendeu sua Livre-Docência em 1996. Desde 2002, é professor associado de Cardiologia dessa mesma Universidade. Foi diretor da Emergência do InCor de 1985 a 1994 e da Unidade Coronariana do Hospital Sírio Libanês de 1994 a 2002. É diretor da Unidade de Coronariopatias Crônicas do InCor desde 1998. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Cardiologia e principalmente nos seguintes temas: doença aterosclerótica coronária, doença coronária, infarto agudo do miocárdio e aterosclerose.
Saiba, nesta entrevista realizada pela Embrapa Café, o que pensa Luiz Antonio sobre os benefícios do café para o coração. Ele acredita que, para diminuir o desconhecimento e o preconceito das pessoas em relação às propriedades da bebida, os resultados das pesquisas científicas e sua divulgação são excelentes aliados.
Embrapa Café: Como foi feita a pesquisa que trata dos efeitos do café sobre variáveis que envolvem o sistema cardiovascular?
Luiz Antonio: O estudo foi feito da seguinte forma: convocam-se pessoas saudáveis e pessoas com doenças coronarianas. Antes do início das análises, todos os voluntários são proibidos de ingerir cafeína durante três semanas. Então, uma bateria de exames é feita com cada paciente: testes de esteira, exame do Holter, monitoramento da pressão arterial e dosagens de sangue. Em seguida, é realizado um sorteio. Alguns pacientes são selecionados para beber café de torra clara; outros, para beber café de torra mais escura. Cada um recebe uma cafeteira com café e recebe orientações de preparo da bebida. Durante quatro semanas, cada voluntário toma de três a quatro xícaras de café por dia. Em seguida, voltam ao consultório e repetem todos os exames. Agora, os pacientes que haviam tomado o café de torra mais escura devem repetir o mesmo procedimento, durante quatro semanas. Só que, dessa vez, ingerindo café de torra mais clara. E vice-versa. Todos os voluntários retornam ao consultório e repetem todos os exames.
EC: O que mostram os resultados?
LA: Os resultados mostram que tomar café não faz mal. O café de torra clara tem leve tendência a aumentar a pressão arterial. Já o café de torra escura não causou nenhuma alteração na pressão. Houve discreto aumento no colesterol ruim e também no colesterol bom. Observou-se também que, depois de ingerir café, as pessoas normalmente conseguiam andar mais na esteira. Além disso, estudos epidemiológicos realizados pelo Instituto do Câncer americano avaliaram mais de 400 mil pessoas, durante o período de 20 anos. Os resultados, publicados no New England Journal of Medicine, uma das revistas de maior impacto na América, mostram que os pacientes com câncer que tinham o hábito de tomar café morreram menos do que aqueles que não ingeriam a bebida.
EC: O que motivou a pesquisa? Qual é a idade média das pessoas que participaram do projeto?
LA: No século passado, algumas pessoas acreditavam que o café trazia malefícios à saúde, podendo aumentar a pressão sanguínea, causar arritmia e até mesmo provocar infartos. A partir de 2000 e 2001, estudos começaram a comprovar que tais crenças não possuíam base científica. Estudos recentes sugerem que os diabéticos que tomam café morrem menos do que os diabéticos que não tomam. Além disso, não há evidência alguma que comprove a relação entre o consumo de café e a ocorrência de infartos. Por isso, foi LA: criada uma unidade de pesquisa sobre café e coração no InCor, com programação de estudos a serem feitos ao longo de anos. Os estudos clínicos são financiados pelo Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café. A média de idade dos voluntários varia entre 53 e 54 anos. Cerca de 60% dos pacientes eram saudáveis e 40% possuíam doenças coronárias. Todos eles obtiveram respostas muito similares.
EC: Como essa pesquisa está atualmente? E as perspectivas futuras?
LA: Fechamos os grupos de estudos com café arábica e com blends (composição de grãos diferentes). Ainda falta estudar os efeitos do café descafeinado e do café expresso. Gostaríamos também de fazer testes com pessoas diabéticas, mas sem incluir pessoas que tomem remédio para diabetes.
EC: O InCor possui parcerias com instituições?
LA: Sim, temos parceria científica com a Universidade de São Paulo, na Faculdade de Saúde Pública, e estamos em fase de contato com a South University, na Georgia, Estados Unidos. Além disso, atuamos em colaboração com a rede de hospitais D'Or, do Rio de Janeiro.
EC: Há alguma restrição para a ingestão de café por pessoas com problemas de hipertensão, problemas nas válvulas mitrais ou pessoas que já passaram por cirurgias cardiovasculares, como ablação e cateterismo?
LA: Não, não há nenhuma restrição, desde que a pessoa tome em quantidade habitual e que o paciente seja acostumado a tomar café. Entretanto, algumas pessoas são mais sensíveis a determinados tipos de alimento ou bebida. Há quem consuma cafeína e tenha taquicardia. Nesses casos, não é recomendado ingerir.
EC: No passado, um grande número de cardiologistas julgava que o café possuía apenas cafeína, desconhecendo que a bebida contém também maiores quantidades de sais minerais (2-4%), ácidos clorogênicos e quinídeos (2-4%), niacina ou vitamina PP (B3 ou ácido nicotínico) (1%) além da cafeína (1-2%) e centenas de óleos voláteis responsáveis pelo aroma e sabor da bebida. Esse pensamento mudou?
LA: Mudou bastante. Hoje, evidências comprovam que tomar café pode ser benéfico para a saúde, mas também não é obrigatório! Pesquisas sérias concluíram que a cafeína e o ácido clorogênico induzem o indivíduo a responder melhor à sua própria insulina.
EC: Crianças com problemas cardíacos podem ingerir a bebida?
LA: Podem sim. Recomenda-se café com leite.
EC: O que se deve fazer para não ficar dependente do café?
LA: É normal nos acostumarmos à cafeína. Entretanto, parando de tomar por um tempo, os efeitos da dependência, como dor de cabeça, incômodo e irritabilidade, logo desaparecem. Os mesmos efeitos manifestam-se em quem toma café demais. Nesses casos, recomenda-se que a diminuição da bebida seja feita progressivamente. É possível e fácil.
Mais sobre café e saúde - Pesquisas também têm mostrado que a bebida tem ação estimulante sobre o sistema nervoso e aumenta a atenção, a concentração e a memória de curto e médio prazo, sendo recomendado inclusive para estudantes de todas as idades. Os estudos também apontam que o café pode atuar na prevenção do câncer de cólon e reto, doença de Parkinson e de Alzheimer, apatia e depressão, obesidade infantil, diabetes tipo II, cálculos biliares e câncer de fígado, além de aumentar o estado de vigília do cérebro e diminuir a sonolência. Saiba mais sobre os resultados já alcançados no site da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic).
Consórcio Pesquisa Café - Congrega instituições de pesquisa, ensino e extensão localizadas nas principais regiões produtoras do País. Seu modelo de gestão incentiva a interação das instituições e a otimização de recursos humanos, físicos, financeiros e materiais. Foi criado por dez instituições: Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola - EBDA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais - Epamig, Instituto Agronômico - IAC, Instituto Agronômico do Paraná - Iapar, Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural - Incaper, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Mapa, Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro - Pesagro-Rio, Universidade Federal de Lavras - Ufla e Universidade Federal de Viçosa - UFV. (Carolina Costa e Flávia Bessa - Maxpress)