Urna funerária com os restos mortais dos religiosos. Igreja em Barra do Corda
Igreja de Barra do Corda com as imagens dos Mártires de Alto Alegre
Imagem ampliada da fachada da Igreja de Barra do Corda

Em 13 de março de 1901, no interior do município de Barra do Corda-MA, aproximadamente a 70km, no meio das terras dos índios Guajajaras (etnia Tenetehara), eclode uma violenta revolta. Aproximadamente 400 indígenas, liderados pelo cacique João Caboré, ou Capitão Caboré, pois o mesmo possuía tal patente conferida pelo então governador do Maranhão, João Gualberto Torreão da Costa, com índios de outras aldeias da região atacaram com armas de fogo e mataram os religiosos da Missão de Alto Alegre. Logo em seguida, tomaram de assalto várias fazendas da região entre Grajaú e Barra do Corda, espalhando o medo e o terror pelo interior do estado. Aproximadamente 200 pessoas foram assassinadas. Como represália, o governo do Maranhão envia tropas para pacificar a região. Outra carnificina foi realizada.
Os índios que participaram da revolta foram cassados pelas diversas aldeias da região. Aproximadamente o número de mortos varia de 400 a 1000 índios. Seus líderes, incluindo João Caboré, foram presos na cadeia de Barra do Corda. Um processo foi aberto logo em seguida. Dos 36 índios presos, a metade não chegaria viva ao fim do processo em 1905. Certamente morreram vítimas de maus tratos. O próprio Capitão Caboré morre três meses depois de ser preso. No veredito final, os índios foram libertados, pois de acordo com o Código Penal (Decreto nº 847 de 11 de outubro de 1890) no Art. 27, estabelece que "Não são criminosos: § 3º Os que por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente incapazes de imputação".
Passados 113 anos da revolta ou como foi denominada na época "Massacre de Alto Alegre" ou "Hecatombe de Alto Alegre", muitas dúvidas ainda persistem. As explicações de ambos os lados distorcem. Para a igreja católica, os frades lombardos são verdadeiros mártires da fé, homens e mulheres que deram a vida pela catequese e civilização dos indígenas. Para os Guajajaras, a revolta foi um "tempo", foi uma forma de luta pela preservação de sua cultura.
No entanto, há muitas questões a serem compreendidas. Era comum um indígena receber patente de capitão pelo governo do Maranhão? As armas de fogo utilizadas na revolta, como elas surgiram? Os indígenas as compraram? Foi fruto de doações? Quem armaria os índios e com que intenções?
Foram três campanhas militares, as duas primeiras foram derrotadas pelos índios. Somente a terceira tropa, com 111 soldados e 40 índios Canelas, é que conseguiu êxito. Nos relatos do capitão Goiabeira, é exaltada a perícia dos índios no uso das armas de fogo.
Quem estaria incentivando ou patrocinando os indígenas para tal ato? O certo é que durante muito tempo a mão-de-obra indígena era explorada pelos fazendeiros locais. Os produtos de suas roças eram vendidos a atravessadores ou diretamente pelos próprios indígenas nas feiras da região por preços irrisórios. Muitos lucravam com o uso da mão de obra indígena pelos vastos sertões maranhenses.
O período da formação da Missão de Alto Alegre ocorre em um momento de ausência de leis sobre a questão indígena. Pois com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, as leis sobre a questão da "civilização" do índio foram abolidas. Somente uma legislação específica foi criada em 1910, pelo Decreto nº 8.072, do presidente Nilo Peçanha, criando o Serviço de Proteção ao Índio - SPI, e confiando ao Marechal Cândido Rondon com o seu lema "Morrer, se preciso for, matar, nunca".
Mas, no final do século XIX, a ocupação das terras já era um problema para os indígenas. As fazendas se instalavam nas proximidades das aldeias forçando os índios a buscarem um local mais distante. Alguns conflitos eram comuns. Os grupos indígenas eram controlados ou administrados por um "diretor" que lhes tratavam, na maioria das vezes, com ignorância, brutalidades e abusavam de seu cargo para lhes explorar economicamente. Era comum o aluguel da força de trabalho dos índios, pelos diretores, a quem possa interessar, sem que haja o devido pagamento para os indígenas.
As explorações eram de todos os lados e de todas as formas, pelo governo por meio das diretorias parciais, pelos fazendeiros e comerciantes locais. Até mesmo o recrutamento militar era exigido aos índios, pois acreditavam as autoridades ser uma forma de civilizá-lo. É possível que muitos dos participantes da revolta tenham servido no Exército.
Neste cenário, surgem os capuchinhos lombardos chefiados pelo frei Carlos de San Martin Olearo, Superior Regular das Missões do Norte e, posteriormente, as irmãs de madre Rubato. Os religiosos foram convidados pelo governo republicano em 1891 para "civilizar" os índios do norte. Estes religiosos italianos prontamente aceitam o pedido e passam quase um ano em estudo da língua indígena e da cultura brasileira. Em 25 de dezembro de 1892 chegam ao Brasil, em Pernambuco, e dirigem-se ao Maranhão, chegando em 16 de agosto de 1893, para prosseguir com as instalações das missões junto aos povos indígenas. A sede da missão no Maranhão passa a ser o Convento do Carmo, a partir de 1894. Foram estabelecidas três missões, duas no estado do Pará e uma no Maranhão, em Barra do Corda, pois a igreja desta localidade estava havia anos sem pároco.
Já estabelecidos em Barra do Corda no ano de 1895, um colégio foi criado para os filhos dos índios. Assim como uma banda musical composta por meninos guajajaras. Mas o desejo era de irem para próximo das aldeias. A igreja, com apoio financeiro do governo do Maranhão, adquiriu uma fazenda comprada de um posseiro, justamente nas terras dos Guajajaras (Teneteharas), o plano seria executado. Em definitivo a Missão de Alto Alegre foi aberta no ano de 1896. Um internato para meninos foi construído. E com a chegada de 6 freiras italianas vindas da Argentina e do Uruguai, juntamente com uma brasileira que se junta ao grupo, um segundo internato só para meninas é inaugurado em 1898. Educar os filhos dos índios, pois os adultos já estavam seriamente contaminados pelos pecados e vícios da carne, assim os frades acreditavam. Vários comerciantes e fazendeiros locais entregaram suas filhas para serem educadas no internato.
A missão prospera e isso vai incomodar os exploradores da mão-de-obra e dos produtos agrícolas dos índios, inúmeras famílias não indígenas estavam se estabelecendo na missão, pois os religiosos acreditavam que os índios aprenderiam as atividades agrícolas pela imitação. Foi construída uma grande estrutura produtiva na missão, com recursos vindos da Itália, para a aquisição de fornos de farinha e engenho de cana-de-açúcar, entre outros. O índio, neste cenário, era peça fundamental para a existência e manutenção dessa colônia agrícola, pois o trabalho era utilizado como prática educativa e civilizadora. Existiam rotinas e horários a cumprir, o que exigia muito dos índios e estes não compreendiam as razões de tanto trabalho.
Não é difícil perceber que a vida social e cultural dos indígenas foi seriamente afetada. Não estavam livres para a prática da pesca, da caça ou para cuidar de suas próprias roças. A organização em famílias extensas estava comprometida. Pois a produção familiar, base de seu sustento, foi abalada com a transferência de pessoas para viverem na missão e, principalmente, das crianças que eram retiradas do convívio familiar para serem colocadas em regimes de internato, longe de casa e de seus familiares.
As crianças dos dois internatos seriam o futuro da missão, pois educadas nos princípios europeus deveriam abandonar toda a herança cultural indígena para formarem uma nova sociedade. Assim os laços que lhes prendiam seriam quebrados, tornando-se "civilizados" e cristãos.
Em 1899 uma epidemia de varíola mata aproximadamente trinta crianças dos dois internatos. A situação fica crítica, os pais querem retirar seus filhos da missão. Muitos acusam os religiosos pelas mortes. Um clima de hostilidade e revolta fica no ar. Algum tempo depois, o clima fica menos hostil e os freis adquirem a confiança das famílias. Tempos depois, foi realizado o casamento do líder dos Tenetehara, o cacique Caboré. Inúmeras autoridades de Barra do Corda são convidadas para a cerimônia. Era o sinal que a missão estava no caminho certo. Mas esse índio comete poligamia. Os padres repreendem severamente. Mandam prender e castigar o grande líder dos guajajaras. Este, inconformado com a humilhação pública, promete vingança. Pouco tempo depois, a revolta foi realizada. Na missa matinal do dia de 13 de março e 1901, a igrejinha é invadida e o Frei Rinaldo de Paulo, Frei Victor de Bergamo, Frei Zacarias de Malenho, Frei Salvador, irmão Pedro Paulo, freiras Inês, Leonora, Maria Benedita, Natália, Epifêmia, Maria Ana e a senhora D. Carlota Bezerra, colaboradora do Instituto feminino, moradores da missão e as meninas não indígenas do internato, são assassinados, salvo algumas meninas que foram tratadas como troféu de guerra, sendo levadas para a floresta para serem transformadas em esposas de alguns dos líderes. Somente uma menina foi resgatada com vida.

Nelson Lima Pessoa
E-mail: prof.nelson2008@hotmail.com
Historiador, Mestre em Ciência Política e Doutorando em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS-RS.