Hemerson Pinto

"Não era para andar pelas calçadas? Essa não é a recomendação para nós pedestres? Mas quais calçadas? O que temos são locais utilizados pelos proprietários de residências ou comércios para atenderem às suas necessidades. O pedestre, o cadeirante, o idoso? Esses que procurem outro caminho. É assim que funciona"
O PROGRESSO começa esta reportagem com o depoimento de uma servidora pública do município de Imperatriz. Pediu para não ser identificada, alegando que o acesso ao prédio público onde trabalha também é um exemplo da falta de consciência das gestões que ao longo de décadas administram a cidade. Estivemos no local. Evitamos fotos para não complicar nossa entrevistada, mas constatamos que um idoso com dificuldades de locomoção ou um cadeirante não consegue chegar à entrada sem auxílio, principalmente pelos obstáculos que dificultam o caminho até a calçada do prédio.
A conclusão de alguns dos nossos entrevistados é a seguinte: usar os passeios públicos no Centro e nos bairros e conseguir chegar ao destino utilizando unicamente este caminho são tarefas para atletas acostumados com maratonas e provas com obstáculos. "E talvez super-heróis, pois seriam necessários poderes em alguns casos para elevar os dois pés do chão ao mesmo tempo e superar algumas dessas barreiras", desabafa Carlos Henrique, morador da Vila Nova, falando sobre a realidade do bairro onde mora. Depoimento que sugeriu o título da reportagem.
Tirando de cena os super-heróis e falando de pessoas reais que precisam das calçadas para se locomoverem no dia-a-dia, fomos às ruas e perguntamos a um público formado por estudantes, idosos e trabalhadores do comércio se de alguma forma já foram prejudicados pela falta de organização dos passeios públicos de nossa cidade, o que permite calçadas bem mais altas que outras, mais largas ou mais estreitas e até com decorações que provocam acidentes.
"Foi o meu caso. Passava por uma rua e a dona de uma casa tinha acabado de lavar a calçada, que é decorada com um piso cerâmico escorregadio e não aquele antiderrapante. Escorreguei e caí de costas sobre a mochila que carregava. Graças a Deus não quebrei nada, mas passei vergonha no meio da rua e fiquei dois dias com dores nas costas", relatou a estudante Patrícia Mendes, afirmando que o caso aconteceu na Nova Imperatriz.
O aposentado Manoel de Alencar nunca sofreu queda, tropeçou ou escorregou em calçadas. Na verdade, ele escolhe outro caminho onde qualquer desvio de atenção pode ser fatal. "Na rua. Ando na rua porque nas calçadas não dá certo. Tem coisas que o povo coloca no meio. Na hora, se subir em uma ou descer, minhas costas doem e a perna quer travar. Então, vou logo abeirando a rua. Os carros passam tirando fino, mas é o jeito".
Para chegar ao trabalho, Ana vai de moto com o marido até a Rua Sousa Lima esquina do Calçadão. O esposo segue para o trabalho e ela continua o percurso a pé até a loja na Avenida Getúlio Vargas. Caminha quase dois quarteirões. "Tem calçada que o comerciante colocou os manequins ou as bancas com roupas. Tem as calçadas ocupadas por camelô, eles colocam a banca na rua e ocupam as calçadas com cadeiras, mesinhas. A gente acaba caminhando pela avenida mesmo", relatando um outro tipo de problema, não relacionado à falta de padrão das calçadas, mas a ocupação do espaço público para fins privados.
Cadeirantes
Um público que busca superar limitações impostas pela vida e quando se depara com lesões ao direito de ir e vir por onde o caminho deveria ser facilitado sabe que é preciso se movimentar no sentido de cobrar do poder público atitudes que promovam a mobilidade. É o que estão fazendo. Os movimentos de pessoas com deficiência em Imperatriz estão buscando maneiras de cobrar soluções.
"Estamos articulando uma série de intervenções para que este problema das calçadas seja resolvido, pois hoje temos um dispositivo legal para exigir do poder público municipal a padronização das calçadas. A [LBI] Lei Brasileira de Inclusão (nº 13146/2015), que entrou em vigor no mês de janeiro de 2016, que trouxe muitos ganhos às pessoas com deficiência. Ressalto as alterações feitas no Estatuto das Cidades (Lei 10.257/01), que transferiram ao Poder Público a responsabilidade pela manutenção e reforma das calçadas de todos os municípios do país. A padronização do passeio só será permitida porque foi incluída nessa legislação a previsão - durante elaboração dos planos diretores dos municípios - da preparação também de um plano de rotas estratégicas, que sãos as vias que apresentam os principais serviços da cidade", revela o cadeirante Evandro Fernandes, militante nas causas relacionadas a busca pela garantia dos direitos à pessoa com deficiência.
Evandro garante que a LBI é uma arma com mira certeira nas mãos das pessoas com deficiência, que provoca modificações no Estatuto das Cidades e colocou a responsabilidade nas mãos do poder público no que diz respeito à reforma das calçadas, assunto que deve ser resolvido na construção do Plano Diretor. Ele destaca que entre os portadores de deficiência não apenas os cadeirantes são prejudicados com o desnivelamento ou falta de padrão. "Os cegos não conseguem transitar sozinhos e os idosos caem com frequência nas calçadas irregulares e totalmente sucateadas".
João Batista é cadeirante há 14 anos e é atleta do Centro de Apoio Profissional ao Amputado e Deficiente Físico de Imperatriz - Cenapa, uma das entidades que está na luta pelos direitos das pessoas com deficiência, incluindo o direito de poder trafegar pelas calçadas. "Infelizmente, nossa cidade não tem acessibilidade para pessoa com deficiência de um modo geral, principalmente as calçadas mal planejadas fora de padrão. Somos obrigados a desafiar os carros no meio da rua e arriscando a vida". Apesar das barreiras, não deixaremos de lutar pelos direitos das pessoas com deficiência física.

Plano
O crescimento rápido e desordenado de Imperatriz, somado à falta de cuidados por parte das gestões com os problemas gerados com toda essa velocidade, resultou no emaranhado de situações pelas quais o imperatrizense passa hoje. Entre o final do ano de 2003 e início de 2004, a organização que faltou no início do processo de desenvolvimento da segunda maior cidade maranhense começou a ser pensada.
Primeiro com a criação da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de Imperatriz, com o objetivo de definir normas para o uso do solo e estabelecer intensidades de ocupação, utilização e as atividades adequadas, toleradas e proibidas. Isso inclui, por exemplo, apontar as áreas da cidade onde deveriam ser instaladas as indústrias - e só indústrias ficariam ali -, o comércio atacado, o varejista, as áreas residências. Assim poderia se pensar em padrões para os passeios públicos. O problema é que a Lei foi criada há apenas 13 anos e agora fica o questionamento: como colocar isso em prática?
Em seguida, surgiram as discussões em relação à necessidade da criação do Plano Diretor para abranger temas como legislação urbanística. Mas o Plano Diretor vem caminhando a passos lentos e deixou de ser discutido por quase dez anos porque ninguém se preocupou em provocar o debate, em realizar audiências públicas para despertar o interesse do poder público na aprovação da proposta do plano, o que veio a acontecer recentemente.
A atual gestão teve a ideia de tentar acelerar os passos para a realização e aplicação do Plano Diretor de Imperatriz e entregou a missão, a princípio, ao agente de sociedade Richard Seba, ex-secretário de Planejamento Urbano e Meio Ambiente. Ele define passeio público, ou calçadas, como "um bem público com obrigação do particular manter" e afirma que esse é um grande problema, pois cada um utiliza desses espaços como quer, para atender primeiramente a seus interesses. E assim uma calçada é construída em nível mais alto que outra, com piso cerâmico, ocupada com árvore ou servindo de estacionamento. "É o uso do direito individual, mas ofendendo o direito coletivo", resume.
Richard lembra que dentro das discussões do Plano Diretor já foi criado um projeto de lei (ainda projeto) para a Lei das Calçadas. O mérito desse início de conquista é de entidades como o Cenapa, Casa do Idoso, o Ministério Público, entre outros. Vai chegar o dia em que esse projeto vai ser apresentado, votado e quem sabe aprovado.
A padronização das calçadas também pode ser colocada nos debates que montam o Orçamento Participativo, que elege anualmente as prioridades com as quais devem ser gastos os recursos públicos ao longo do ano. A questão é que mesmo cobrado no Plano Diretor, há anos o Orçamento Participativo não é realizado em Imperatriz pelo município.

Casos
Nas fotos registradas por nossa reportagem, calçadas que não permitem a passagem de pedestres e cadeirantes por causa de obstáculos como o mato, rampas para entrada ou saída de veículos, falta de rampas para cadeirantes, postes e até palmeiras. Existem os casos onde a área que poderia ser destinada ao passeio público foi transformada em estacionamento. As calçadas muito altas, segundo Richard Seba, na maioria dos casos foram elevadas para evitar alagamentos e são localizadas em ruas onde não existem drenagens. O Plano Diretor, citado no tópico anterior, também trata sobre a construção de drenagens e esse seria o momento exato para corrigir a altura das calçadas, que deve ser compatível à altura do meio-fio.
Ofício - A cobrança por melhorias e organização nas calçadas de Imperatriz foi o objeto de um ofício enviado ao prefeito Sebastião Torres Madeira pelo Rotary Club de Imperatriz. O documento, assinado em 25 de fevereiro de 2015, foi reforçado com uma carta da entidade em 13 de janeiro de 2016, solicitando respostas ao que foi sugerido no ofício: a verificação da nivelação e inclinação mínima das calçadas, inexistência de degraus e de guia rebaixada para cadeiras de rodas, além de outras demandas que resolvidas pudessem colocar Imperatriz, como diz no ofício do Rotary "[...] no rol das cidades cuja mobilidade e habitabilidade se pautem pela urgente e efetiva execução de serviços e fiscalização relacionados às condições físicas e uso das calçadas".
Prefeito - O prefeito Sebastião Torres Madeira reconhece a necessidade da correção do problema antigo e que vem apenas se agravando, mas justifica a ausência de ações com o que ele chama de falta de recursos. "A escassez de recursos é como numa casa onde a renda é pequena e você tem que atender primeiro às prioridades, como educação, saúde, alimentação. Do mesmo jeito é em um município. Mas vai chegar o momento, já não deve ser na minha gestão, mas para outro gestor. Isso vai melhorar", justificou.