Uma pequena casa de tábuas coberta com telhas desgastadas pelo tempo. Por um espaço da porta entreaberta, os móveis se mostraram sem cor, sem luxo, porém zelados com cuidado. Com quatro passos, a proprietária chega ao portão, na verdade uma cancela. Com as mãos que conserva o casebre e retira do lixo o sustento, cumprimenta, tímida e sem entender o motivo da visita.
Sem convite para entrar, a conversa com a mulher, de 55 anos, acontece ali mesmo, na frente da residência levantada no canto direito do terreno largo da Rua 15. Entrevista testemunhada por um vizinho e pelo formigueiro de habitantes graúdas que davam boas vindas logo na entrada. Naquela tarde, os cabelos brancos de dona Maria Stela da Conceição foram lembrados e contribuíram com a projeção da Vila Macedo.
Corrigindo: o bairro distante 6 km do centro de Imperatriz ganhou projeção antes de ser escolhido como ambiente para a produção desta reportagem. Cenário de crimes, as cenas que marcam Vila Macedo não são aquelas que passam imagem negativa da sofrida comunidade. Os próprios moradores dizem que o bairro é lembrado pelos eventos culturais que promove e pela luta para ser visto como parte da segunda maior cidade do Maranhão.
Não foi por acaso que em 2011 a juventude se armou com câmeras amadoras e reuniu talentos escondidos entre os altos e baixos do terreno sobre o qual a vila é construída, e gravou o primeiro filme contando a história de um bairro de Imperatriz. Ruas sem infraestrutura nem rede de esgoto, água que não chega a todas as torneiras e, porque não, histórias de amor e traição foram parar na produção caseira ‘100 Noção’.
Ônibus do transporte coletivo, caminhões que carregam o progresso para a fábrica de papel e celulose – em instalação a cerca de 10 km da vila - táxis do serviço de lotação, vendedores ambulantes e carros de propaganda circulam pela única via asfaltada. A Avenida Silvino Santis, antiga ‘Rua do Gás’, liga a BR-010 à Estrada do Arroz. É a esperança passando às margens da Vila Macedo, deixando o bairro de lado, mas vista como um bom sinal.
Lembra da dona Stela? Pela mesma avenida ela e o marido Pedro, 16 anos mais jovem, seguem todos os dias para o lixão. Desde 1997, seis anos após mudar para o bairro, ela cata o que a cidade descarta e vende para a reciclagem. A renda do casal alcança média de R$ 350 por mês. Insuficiente. O que é jogado fora pelos aproximados 250 mil habitantes de Imperatriz muitas vezes serve para vestir, decorar a casa de dona Stela e até alimentar. Dezenas de famílias da Vila Macedo têm como único meio de sustento o que retiram do Lixão Municipal.
“Antes eu trabalhava nas casas alheias, era empregada, seu menino. Sempre pedia a Deus que ele me mostrasse um serviço pra que não precisasse ser empregada. Me mostrou o lixo. (...) A gente vai pra lá de segunda a sábado. Sai 6h30 da manhã, são 9 km, sempre acha alguém pra oferecer carona. Assim chegamos antes de 7h. Se faltar carona, vai a pé. Leva almoço, água e lanche. Quatro horas da tarde se ajeita pra voltar pra casa”.
A volta depois do dia cansativo tem mais sabor se dona Stela leva um pacote de arroz, 1 kg de farinha, ovos ou uma lata de leite. “Muitas vezes a gente encontra alguma coisinha que serve para trocar por algo pra comer”. O radinho de pilhas encontrado no lixo ganha a função de animar o começo e o fim do dia. “Espero que Deus me mostre outro serviço para melhorar a vida um pouquinho. Também quero a Vila Macedo maior e organizada”.
História – Há 24 anos, no antigo Alto da Pipira, as primeiras famílias chegavam para garantir um pedaço de chão. Rosilene Chagas Sena, hoje 39, era apenas uma menina. Nascida em Codó, Maranhão, Rosa veio com os pais para Imperatriz. Morou em pelo menos três bairros, antes do pai descobrir a área de invasão na parte alta da cidade. Na varanda da casa situada na pacata Rua Santa Teresa, a mãe de sete de filhos conta o que era a Vila Macedo duas décadas atrás.
“Um local bom pra brincar e tinha alguns salões de festa. Meu pai era o Valdimiro Chagas Sena, Valdimiro do Boi. Ele fazia carnavais e Bumba meu Boi no Alto da Pipira, em parceria com os jornalistas Manoel Cecílio e Conor Farias. As casas eram apenas um espaço cercado de armação e cobertas de lona na Avenida Silvino Santis, que antes de ser a ‘Rua do Gás’ era a ‘Rua Principal’. Na nossa cabia o pai, a mãe, eu e meus irmãos: Vadimiro Júnior, Charles, Cláudio, Rogério, Lucinha, Mirinha e França”.
A cultura já era marcante na época em que não se cobrava saneamento básico – um dos problemas do bairro atualmente. Rosa descreve o que considerou pontos negativos para a imagem da Vila Macedo tempos atrás. “Era perigoso. Quando fiquei adolescente e comecei a trabalhar, meu pai me acompanhava até o serviço, perto do Gás, e costumava levar o facão. Se falava muito em tarados”, como o famoso ‘homem da lanterna’.
Além das brincadeiras promovidas por seu Valdimiro, os primeiros moradores do Alto da Pipira tinham como distração o ‘Bar da Gorda’. Como acontece hoje, se alguém pensasse em ‘diversão pra valer’ – fora do período de festa promovido pelo pai da Rosa – tinha de se deslocar até outros bairros. As opções eram o Clube Ferro Velho, próximo ao Gás; Casablanca, no bairro Santa Rita, ou as discotecas Flesh Dance e Disco Blay, na Nova Imperatriz.
Explicando como a invasão passou a ser Vila Macedo, a mulher de pele morena e cabelos negros revela que os moradores receberam apoio do ex-deputado estadual e ex-prefeito de Imperatriz, Davi Alves Silva, assassinado em 1998. O nome Macedo, segundo Rosa, foi uma homenagem ao ex-vereador Macedo, primo de Davi, que na época teria contribuído para a realização do sonho dos habitantes da área antes invadida.
Hoje – As manifestações de fé chegaram com a instalação de uma igreja católica, duas evangélicas e o terreiro de umbanda. Diversão para a juventude da Vila Macedo é procurada nos arredores, apesar da herança deixada por seu Valdimiro influenciar um dos netos, que mantém viva a memória do avô nas gincanas, festivais de musica e projetos de produção cinematográfica.
A educação para os estudantes da Vila Macedo está do outro lado da Avenida Silvino Santis. Nos bairros Bonsucesso e São José estão as escolas de Ensino Fundamental e Médio que atendem aos alunos da vila. Da mesma forma, o posto de saúde do bairro é instalado no Parque São José. Outro transtorno é necessitar do Centro de Referência em Assistência Social – CRAS. Ele está no Santa Rita. Antes que pergunte sobre o posto policial, esse foi desativado. Apenas uma creche mantida pelo município funciona no bairro.
A Vila Macedo é composta por 11 ruas e a Avenida Silvino Santis. Tirando a via asfaltada, não é difícil confundir as ruas 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20, com a Santa Teresa, a Porto Rico, Castelo Branco e Centenário. Todas sem rede de esgoto, infraestrutura, cobertas por uma mistura de piçarra e barro. No verão a poeira invade as residências. No inverno a lama é quem incomoda as poucas mais de 200 famílias – números da associação de moradores – que habitam o espaço entre os bairros Imigrantes e Ouro Verde.
Juventude – O menino franzino, alto, de olhos grandes e sorriso largo é Joenes da Conceição, filho de Rosa e neto de Valdimiro do Boi. Aos 21 anos, foi eleito presidente da Associação de Moradores da Vila Macedo. Saiu da cabeça dele o filme ‘100 Noção’, onde atuou como autor, ator, diretor, cinegrafista e editor. O filme foi lançado durante o Festival de Talentos da Vila Macedo, em 2011. Dois dias de apresentações. O primeiro da cidade.
“A novidade (filme) envolveu 44 pessoas, apenas seis não eram do bairro. Descobriu talentos e incentivou a participação de alguns dos nossos jovens em grupos de teatro. Personagens que falam sobre a realidade do bairro aparecem em cenas cômicas onde reclamam o drama diário da falta de água e vivem as traições de maridos e mulheres. Tem uma cena onde a mulher, cansada de ser traída, tira a máscara de boazinha e resolve vingar mandando o esposo ir embora. Histórias que a gente viu aqui e colocamos no filme”, explica.
Morena, magra e desinibida, Ruthe Léia Lima Silva, 18 anos, viveu em ‘100 Noção’ a jovem Bruna. “Foi inspirada em mulheres da Vila Macedo, que se casam jovens e em pouco tempo os maridos as deixam em casa com as crianças e saem para se divertir. Bruna deu o troco. Amava o marido e não acreditava que era traída. Um dia se deu conta e o largou na rua, mostrando que tinha outro. Aqui existem mulheres que traem bastante, como a que traiu o marido com dois ao mesmo tempo. Hoje o casal ainda dorme junto”, revela a atriz enquanto espia a rua, a observar se as paredes não ouvem a conversa.
O filme produzido pela juventude conquistou pelo menos um benefício para o bairro. O poço artesiano foi construído quando o poder público notou que a realidade mostrada na ficção chamava atenção da sociedade para a Vila Macedo. Ainda não funciona, mas tranquiliza quem espera há mais de 20 anos, como a comerciante Carmelita Nascimento Costa. Aos 47, ela e o marido, Antônio Puça, são os donos do maior comércio do bairro. Atrás do balcão da mercearia, o casal ouve diariamente as reclamações de quem frequenta o estabelecimento.
“Falam sobre os pontos de ônibus que não possuem estrutura, o posto de saúde que não é instalado aqui, escolas, telefones públicos danificados e a falta de uma farmácia. Aqui na Vila Macedo não existe farmácia”, declara, enquanto embala os produtos colocados sobre o balcão, pelo cliente que balança a cabeça em sinal de positivo a cada informação de Carmelita.
Desejo – Da jovem atriz de 18 anos à catadora de lixo de 55, passando pela mãe de sete filhos e a dona do maior comércio da Vila Macedo, o desejo é que 2013 seja o ano da sorte para o bairro. Transmitem esse sentimento no olhar e na recepção cuidadosa com quem chega para fazer uma visita, mesmo que para contar ao mundo a vida levada por eles.
Ao fim das entrevistas, o sol dava sinais de que não demoraria a recolher-se. As gargalhadas do outro lado da rua chamam atenção. Eram sete crianças brincando com um jabuti que acabou virando alvo dos pequenos, que atiravam paus e pedras para ver quem acertava primeiro. O bicho se protegia dentro do casco, enquanto o menor da turma, nu como veio ao mundo, cuidou em acolher o animal indefeso nos braços. A cena representa o carinho que os moradores da Vila Macedo têm pela pequena comunidade.
Por Hemerson Pinto (Acadêmico do 8º período de Jornalismo - UFMA) Reportagem vencedora do I Concurso de Reportagem do VI Simpósio de Comunicação da Região Tocantina
UFMA - Imperatriz.
Publicado em Cidade na Edição Nº 14730
Uma vila chamada Macedo
A antiga área de invasão esconde personagens batalhadores e revela jovens que buscam uma realidade melhor para o bairro
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