Roberto Wagner*

Por conta da enxurrada de fraudes cometidas na concessão de empréstimos consignados, fraudes essas que, para vergonha nacional, continuam sendo largamente perpetradas, conforme vem sendo amplamente noticiado pela grande imprensa, tramitam nas Comarcas deste nosso imenso País um número proporcional de ações voltadas para a solução dos problemas vivenciados por aqueles que foram e/ou continuam sendo vítimas desse tipo de golpe. O coitado, ou a coitada, via de regra, é pessoa idosa, analfabeta (ou semianalfabeta, o que dá quase na mesma coisa) e que, junto com a família, sobrevive com o benefício previdenciário que recebe, representado, em 99,99% dos casos, por um mísero salário mínimo.

Devido ao enorme volume de ações dessa natureza em cursonas Comarcas aqui do Maranhão, o assunto, como seria de se esperar, terminou chegando às barras do Tribunal de Justiça, sob a forma de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR nº 053983/2016), permitindo, dessa forma, que o Pleno de nossa Egrégia Corte, sob a firme relatoria do Ilustre Desembargador Jaime Ferreira de Araújo,  se posicionasse sobre determinados temas acerca dos quais os(as) Juízes(as) de base, às vezes de uma mesma Comarca, estavam adotando entendimentos diferentes, divergência essa que, em muitos casos, estavam resultando desfavoráveis, é claro, para uma expressiva parcela daqueles que, corajosamente, tinham ingressado em juízo, no afã de ver o seu problema resolvido.

Um desses temas diz respeito às provas documentais que o autor da ação precisa, indispensavelmente, juntar à petição inicial, já que haviam Magistrados(as) exigindo, no despacho inaugural, que a peça vestibular fosse emendada, de sorte que viessem aos autos, sob pena de indeferimento da inicial, tais e tais extratos bancários.  Interpretando esse tema específico, a Corte deixou expressamente consignado, na primeira das quatro Teses Jurídicas que fixou, que o extrato bancário do consumidor/autor “não deva ser considerado, pelo juiz, como documento essencial para a propositura da ação”.

Este humilde advogado de província, a quem logicamente falta cultura jurídica para fazer análises mais profundas, ousa dizer que, no concernente a essa Tese Jurídica, o Tribunal, com o devido respeito, cometeu um pecadilho, na medida em que deixou fixado que a inversão do ônus da prova, em situações tais, “deve ser decretada apenas nas hipóteses autorizadas pelo art. 6º, VIII, do CDC, segundo avaliação do magistrado no caso concreto”.

Ora, é absolutamente inquestionável que, nos casos dos empréstimos consignados, dá-se a obrigatória atração da regra contida no artigo 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, segundo a qual o fornecedor de serviços só não será responsabilizado se provar que, havendo prestado o serviço, inexiste o defeito apontado pelo consumidor ou que tal defeito foi causado exclusivamente pelo consumidor, ou por terceiro.

Sobre esse assunto, trago o gabaritado magistério de José Carlos Maldonado de Carvalho, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e um dos mais respeitados tratadistas sobre Direito do Consumidor, que, em síntese magistral, diz o seguinte: “(...), em se tratando de fato do produto ou do serviço, a inversão do ônus probatório, nas hipóteses previstas nos artigos 12, § 3º; 14, § 3º; e 38 do CDC se dá ex vi legis, independentemente, pois, de determinação judicial.” (Direito do Consumidor – Fundamentos Doutrinários e Visão Jurisprudencial, 4ª Edição,Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 90).

Em outras palavras: nos casos de empréstimos consignados, a inversão do ônus da prova, obediente ao comando do artigo 14, § 3º, e não à regra geral instituída pelo artigo 6º, inciso VIII, é obrigatória (opelegi), não se sujeitando, portanto, a qualquer juízo de valoração (opejudicis). Aliás, se não fosse assim, não faria qualquer sentido o enunciado contido no Verbete 479 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, de acordo com o qual “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”

Pois bem, a despeito de o Egrégio TJMA ter se posicionado, da maneira acima comentada, sobre a juntada de extrato bancário pelo consumidor/autor, isto é, a despeito de o expresso e inconfundível entendimento da nossa Corte de Justiça ser no sentido de que os Juízes de 1º graunão devem considerar esse documento como essencial à propositura da ação, alguns Magistrados, como se nada disso tivesse sido exaustivamente debatido e decidido pelo Tribunal, seguem proferindo despachos, assim que a petição é protocolizada, determinando que o autor emende a inicial, fazendo a juntada de extratos bancários, sob pena de extinção do feito.

Em resposta a esses cada vez mais recorrentes despachos e confiantes em que a Corte de pronto os modificará, os advogados outra solução não têm encontrado senão agravar, resultando unanimemente exitosas, como, aliás, não poderia ser diferente, tais justíssimas irresignações. Como deletéria consequência dessa inexplicável teimosia desses Juízes, o TJMA, como se os(as) nossos(as) Ilustres Desembargadores(as) já não tivessem pilhas e mais pilhas de recursos para julgar, teve acrescido a tão penoso fardo mais essas centenas, que logo, logo se transformarão em milhares, de Agravos de Instrumento para decidir. É lamentável, portanto, que esses Magistrados, invariavelmente brilhantes no resto, estejam travando tal inglória queda de braço com o Tribunal, uma vez que não há qualquer indicação de que a Corte, em decorrência dessa insubordinação da base, voltará atrás no entendimento das Teses fixadas no referido IRDR.

*Roberto  Wagner é advogado