Weliton Carvalho

Ainda não consegui acreditar que o professor Iron Vasconcelos tenha morrido, principalmente de um modo tão brutal. Um misto de angústia e compaixão se abateu sobre mim. Recebi a notícia como se um tiro houvesse alvejado a poesia.
Aqui não compareço no exercício da judicatura e me sinto livre para escrever estas linhas, vez que não tenho competência para julgar os crimes de homicídio com vítima adulta. E se por ironia – em caso de substituição a um colega – o possível processo que venha apurar este caso me cair nas mãos, dele me afastarei.
Poderia, pois, dizer que estou aqui na qualidade de pai de aluna do professor Iron ou por exercer minha cidadania na cidade de Imperatriz. Digo apenas que compareço aqui por ser humano – que de tudo na vida é o que me agrada ser, inclusive por saber que em nada mais posso me tornar. Tudo que se agrega ao ser não é: está. Deveríamos encontrar o nosso ser, porque é ele o infinito que toca os nossos limites.
E quando lembro do Iron me ocorre pensar assim: de um ser que nada mais queria que mostrar que somos capazes – apesar de nossos limites – de tocar o infinito. Os palhaços nada mais fazem que demonstrar o quanto somos patéticos ao perder o espetáculo da vida. Diante dos palhaços, dos artistas, dos mímicos, dos poetas e dos loucos, voltamos ao nosso estado de natureza, ao reconhecer que o nascimento e a morte são os dois extremos do destino em que a igualdade se realiza, profundamente. E o que há de melhor na vida é apreciar e construir o belo.
Em verdade, não tive uma convivência mais próxima com o professor Iron Vasconcelos. A gente se cumprimentava rapidamente no cotidiano da Escola Santa Teresinha ou durante os eventos que ele organizava em datas comemorativas. Devo dizer aqui que não me aproximei mais dele por ter muito medo das suas performances. De repente, ele escolhia alguém da plateia para participar das invenções que criava. Confesso que tinha receio de ser o escolhido. Para algumas coisas, sou extremamente tímido. Ainda bem que a irmã Claudete estava sempre disponível para participar dos números pensados pelo Iron.
Essa era a minha visão do Iron: um professor fora dos esquadros rígidos do senso comum. E essas pessoas no fundo me agradam muito, porque apontam para novas perspectivas do viver. Somos tão impregnados pelos (pré)conceitos, que nunca o imaginei tão religioso como vim a saber agora. Eu o sabia palhaço e artista. E isso para mim já era mais que suficiente. Talvez nunca tenhamos conversando mais demoradamente, porque entre um artista e um poeta há pouco o que se dizer e muito que contemplar.
E de súbito, vem esta vida a ser ceifada por um homicídio – que, de tão brutal, abalou a cidade inteira. Nas faculdades de Direito se diz que o assassinato é o crime por excelência, um dos mais terríveis. E assim o é, porque ele estanca a vida, palco de todas as esperanças. O homicídio é o crime do desamparo e da negação plena do amor. O assassino destrói um dos pilares mais sublimes do cristianismo, lembrado por João (20, 19-23), exatamente quando Jesus disse: “A paz esteja convosco”.
O homicídio provoca tal desamparo que até o discurso estanca. De qualquer modo só existimos na linguagem. E dela me valho para lembrar: por que o ser não morre, nós o teremos em nossos sentimentos, onde o infinito habita e nenhuma bala pode alvejar a poesia. E a poesia – que não se cala nunca – sempre perguntará por que a beleza de que é dotado o ser humano quase sempre é imolada pelo ódio? Por quê?

Weliton Carvalho é poeta.
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