Raimundo Primeiro

Cidade pequena, entretanto agitada, em razão da chegada abrupta de importantes empresas. A multidão, em tropel, passa, com pessoas se dirigindo para várias direções. O tão propalado progresso finalmente havia chegado, após anos de espera.
Boa parte dos transeuntes acordara cedinho, por volta das 5h. Muitos trabalhadores se dirigiam aos locais de onde tiravam o sustento de suas famílias.
Mas a pouco mais de dois dias do Natal, o clima já era de feriado, sobretudo em virtude de a data cair durante o transcurso do fim de semana. Algumas instituições, principalmente as da iniciativa pública, já estavam com suas portas fechadas desde o final do dia anterior.
Portanto, apenas e, sobretudo, o comércio estava com suas atividades em pleno funcionamento, chamando a atenção dos consumidores por meio de diversas ferramentas, notadamente as campanhas promocionais.
Mas, num povoado distante, localizado a uns 30 quilômetros da sede do município, uma mulher sofria as primeiras dores do parto. Franzina, porém resistente, ela estava prestes a dar à luz seu primeiro filho. De acordo com a benzedeira, seria um menino. O primogênito era esperado com muitas expectativas. Apesar da experiência, ela nada conseguira fazer.
O marido, cearense que havia chegado àquela localidade anos atrás, quando ainda era menino, acompanhado dos pais, retirantes, a exemplo de uma significativa parte de nordestinos que migrara para distintos recantos do País, não sabia o que fazer.
Todavia, não conseguia conter a emoção. Preocupado com o estado de saúde da companheira, saiu em busca de ajuda. Subiu o burro e começou a percorrer a vizinhança, anunciando o que estava acontecendo. Nada de ajuda.
Após ter se afastado demasiadamente da comunidade em que vivia, o homem, conhecido pelo apelido de Zecão, em consequência da sua estatura, chegara ao lugarejo conhecido por Vila da Esperança.
Zecão era magro, cabelos encaracolados e sobrancelhas acentuadas. Não fosse o bigode, era retrato fiel dos demais homens que viviam naquela próspera cidade. Fazia amizades facilmente, pois, apesar do seu jeitão esquisito, comunicava-se com certa facilidade. As palavras saíam sem dificuldades de sua boca. Um comunicador nato.
Contudo, os esforços que Zecão empreendia não logravam êxito. A maioria dos habitantes da povoação havia ido ao comércio, em busca dos produtos de última geração expostos nas vitrines das lojas da cidade. O objetivo dos lojistas era fazer com que todos fossem, digamos assim, seduzidos pelas novidades do grande Centro comercial.
Foi aí que Zecão exclamou, baixinho, consigo mesmo:
– Estou fazendo de tudo, mas as coisas estão difíceis!
– Será que a minha mulher, com quem dividido alegrias e tristezas já faz um tempão, vai sofrer por mais tempo?
– Não deixe que isso aconteça, Senhor!
Por mais que ele tentasse encontrar uma alternativa, a situação parecia incontornável.
As pessoas permaneciam distantes, mesmo que involuntariamente.
Num piscar de olhos, Zecão lembrou que o Natal estava chegando e que na casa situada no final da ruazinha chamada Passagem da Alegria morava uma senhora, muito idosa, conhecida por todos por um nome incomum: Zefirina, cujo apelido era ainda mais exótico. Os moradores chamavam-na de Lapidadora. Corriam rumores de que a estranha mulher havia ajudado a melhorar a vida de muitas pessoas, quando ainda era criança, lá por volta dos seus oito anos. Era considerada iluminada e até certo ponto um anjo enviado por Deus.
Por tais motivos, portanto, recebera o apelido, tendo em vista que conseguia melhorar as coisas para quem estava próximo dela.
Não hesitando, Zecão, acompanhado da mulher, montados no burro, foram até a casa de Lapidadora. Lá chegando, explicara o que estava acontecendo. A mulher, inerte por alguns instantes, pensou, mas retrucou:
– Tudo bem!
– Fiquem aqui, já estou pensando como posso ajudar vocês!
Zecão, sem saber o que fazer, obedeceu-a imediatamente.
Dona Lapidadora aproveitou para lembrar uma das frases ditas por Madre Teresa:
– Para nós, não tem a menor importância a fé que professam ou deixam de professar as pessoas por nós assistidas. Nosso critério de ajuda não é o da crença, mas o da necessidade. Todos são corpo de Cristo, todos são Cristo sob as aparências de seres humanos necessitados e nosso objetivo não é que se convertam ao cristianismo, mas que encontrem a Deus através de qualquer religião. É a fé em Deus que nos salva. Qual seja o grupo religioso que serve de ponto de partida para chegar a ele, é coisa de importância secundária.*
Lapidadora adentrou, sozinha; sem permitir que ninguém observasse o que faria, foi lá para uma área de sua casa. Após uns trinta minutos, retornou.
– Tudo bem! Qual o nome da sua esposa, homem? Não se desespere, não precisa mais sofrer, daqui a pouco ela estará com a criança no colo!
Zecão não pensou duas vezes. Permaneceu ali, meio que paralisado, esperando pelo atendimento de Dona Lapidadora.
O cearense suava, perguntando:
– Será que o problema vai mesmo ser resolvido por aqui?
Eis que surge um novo personagem.
Sem perceber, Zecão fora abordado subitamente pelo amigo Miguel.
– Oi, Zecão, o que houve? Fiquei sabendo que vocês estavam procurando ajuda!
– Pois é. Mas acho que encontramos! Dona Lapidadora recebeu-nos prontamente e providenciou o atendimento necessário. Estão lá dentro – ela e minha amada esposa! Graças ao nosso Pai, as coisas estão solucionadas!
Os dois ficaram ali por um bom tempo.
Inesperadamente, porém, ouve-se um grito ressonante.
Para alegria de todos, nascera um menino. Uma saudável criança viera ao mundo, com um largo sorriso.
A dúvida atroz, a partir de então: que nome ele receberia.
Sem pestanejar, Dona Lapidadora sugeriu:
José de Jesus Natal!
Ideia acatada, todos saíram.
O nascimento do pequeno e robusto José de Jesus Natal foi comemorado efusivamente. O feito de Dona Lapidadora se espalhara pelos quatros cantos da região.
Quando as pessoas decidiram procurá-la, quatro dias depois do feito marcante, a mulher havia desaparecido misteriosamente, sem deixar vestígios. Para muitos, tratava-se de um ser celestial. Outros, entretanto, tinham-na como uma feiticeira. O que ficou marcado é que a estranha mulher ajudou a trazer ao mundo uma criança que mudaria para sempre a relação de seus pais. A família se consolidou ainda mais e novos frutos, ou seja, filhos aumentaram-na, com Jesus Natal crescendo e sendo um homem efetivamente comprometido com as causas sociais e com a Igreja.
A data de seu nascimento, todos os anos, era retumbantemente festejada. Os natais não passavam em branco.

*A frase consta do livro “Madre Teresa de Calcutá”, de José L. Gonçalves Balado - Editora Paulinas, 1977, pág. 48.