Marcelo Baldoch
O ilustre Carlos Drummond de Andrade na sua memorável escrita "No meio do caminho", dizia que "no meio do caminho tinha uma pedra".
Por tragédia do destino ou por força da própria condição humana, as "pedras" podem (ou devem) ser toda sorte de acontecimentos que palmilham nossos passos ao longo da jornada. Boas ou ruins, indesejadas, injustas, felizes, memoráveis, enfim, as pedras parecem mais serem as lapidadoras daquilo que somos ou (re)construímos, do que elas mesmas representam.
Não conseguimos os benefícios da pedra filosofal ou do elixir da longa vida, tão desejados na idade média. Talvez tenhamos evoluído pouco. Seria tão pródigo ter dons mágicos!
Se assim fosse, num agitar de condões, poderia trazer o "amigo Pereira" de volta. Não dá pra crer no seu passamento. Talvez porque vivamos num meio saudável, de boa expectativa de vida, onde o óbito prematuro assuste tanto.
Entre tantas asserções, visando justificar tamanha fatalidade, creio acertar aquelas que opinam pelas "pedras".
O Marcelo era filho de pais que foram funcionários públicos. Pessoas essas que, provindo de camadas mais humildes da sociedade, fincaram nos estudos e formação o meio de galgar melhor assento social. E com essa perspectiva também foi educado. Sempre exigido pelos pais, foi aluno exemplar e graduou-se em Engenharia e posteriormente em Direito.
Foi um orgulho para o pai quando aprovado em concurso para o mesmo cargo que exercia de "fiscal de rendas" do Rio de Janeiro. Estudou mais, pós graduou-se e enfim obteve o merecido cargo de oficial de registros e notas aqui no Maranhão.
Assumiu o 6º Oficio Extrajudicial de Imperatriz! E contava ele que o pai dizia: "Como será sua posse? Tem que haver uma solenidade, não é possível?" Oras, que pai não gostaria de ver seu filho coroado com tamanha conquista? Enfim, ele não sabia que para tanto, ou seja, para assumir o cargo, bastava assinar um termo de posse e exercício perante um juiz. E isso é um ato solene e fundamental. Bastava isso.
Tudo no começo aqui parecia difícil, como o prédio para alugar, a moradia, a distância, mas nada, enfim, que uma bicicleta não pudesse romper.... Afinal era seu veículo nesse tempo.
Dizia ter muita gratidão a Denise Batista e ao "seu João Motorista do Fórum", servidores do Poder Judiciário local, que muito o ajudaram nesses primeiros passos.
A tragédia de Teresópolis (RJ) em 2011, creia-se, ter sido o grande entulho de pedras que o Marcelo enfrentou. Tamanha catástrofe dizimou sua primeira família: a esposa e dois filhos. Não é coisa fácil. Perdoem-me a comoção...
Quantas lágrimas esse moço verteu! O quanto rogou a Deus para que seu desespero não o consumisse! Acumulava perdas: o pai, o irmão especial e agora toda a família.
Para tanto, tamanha dor, acabou cedendo ao conselho de amigos e foi ao interior de São Paulo, no Vale do Paraíba, a um respeitável centro espírita onde disse ter encontrado algum conforto: palavras íntimas do pai e dos familiares. Ganhou fôlego.
Graças ao destino - de novo as pedras - acabou conhecendo a amiga Márcia, moça faceira, goiana da pele bronzeada, boa prosa, muito receptiva. Acho que é o que ele precisava: de família. Foi um acolhimento recíproco.
Graças a Deus vieram a Maria e o Marcelinho, acalentados pelos vovós Alvacir e Sonia, Dona Maria (mãe do Marcelo que a seguir também falecia) e os tios mais próximos, Danilo e Thais.
Ia tudo muito bem e até virou festa: Copacabana Festas, Fazenda Copacabana! O Marcelo gostava de trabalhar, produzir. Que virtude!
Marcelo e o Seu Alvacir fizeram de uma fazenda indesejada por tantos lá em São João do Paraiso (MA), um oásis de fartura, primeiro produzindo arroz, depois milho, melancia, tomate e banana - além de gado. Virou referência por lá.
Do 6º Oficio de Imperatriz ele fez uma vitrine: cartório para todos terem satisfação. Promoveu instalações que nenhum outro tem, com comodidade e funcionalidade, atendimento prestativo e eficiente, sobremaneira confiáveis.
Creia-se, uma revolução nesses serviços tão maculados em Imperatriz. O Marcelo fez a diferença: quem investiu ou promoveu tamanha qualidade como ele fez? Recebeu reconhecimento do TJMA, da ANOREG, entre tantos órgãos respeitáveis, silenciosamente. Não fez qualquer alerde midiático. Afinal, quem tem qualidade para tanto, dispensa tal notoriedade. Os fatos por si falam.
Quantos jovens talentos trabalham no 6º Oficio? E como ficará isso? Essa transição? E me permitam uma incursão necessária, talvez porque a regulamentação dos serviços extrajudiciais seja um tanto quanto restrita, talvez porque reine um pensamento de serem imortais, os ocupantes dessas cadeiras, nem todas as serventias são rentáveis, e quantos servidores vivem desse honroso trabalho? Ao fim, alguém vive o insosso caldo de quaisquer ingerências. Com certeza, Marcelo não projetava isso.
Enfim, era intolerante a carne de frango. Tudo bem, quantos não gostam de peixe ou porco ou crustáceos.
Quantas lições deixadas! Humildade, amizade (com Z mesmo), perseverança, resiliência, fé, humanismo ...... (RE) CONSTRUÇAO!!
Por vezes, a fragilidade humana, o organismo, não é tão grande como a alma. Por mais que se aventure e insista-se em viver, o corpo pede arrego. Não manda recados; para.
O "amigo Pereira" deixou para nós o gérmen da (re) construção. Um gigante que, em tempo breve, fez tanto, "caladinho". Não desejou ou fez mal a alguém.
Não precisou pedir perdão. Reconciliar-se antes de partir.
Não seria a hora de repensar mais um pouco acerca de nós mesmos?
Publicado em Cidade na Edição Nº 16599
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